Arquivo Pessoal

Projeto Imprensa Jovem, na EMEF Josué de Castro, localizada na zona oeste de São Paulo.

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No projeto Aluno Repórter, no Pará, estudantes das cidades de Bragança, Tracuateua, Augusto Corrêa, Viseu e Cachoeira do Piriá, produzem conteúdo diário para a Rádio Rosário FM sobre o universo escolar.

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No Andar, projeto do Ginásio Educacional Tecnológico (GET) Jair Tavares de Oliveira, no subúrbio do Rio de Janeiro, estudantes também saem da escola para fazer coberturas, como do evento G20.

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Estudantes aprendem a usar comunicação para combater fake news

Imagem mostra adolescente de projeto de comunicação entrevistando criança com um microfone.

Produzir vídeos sobre o universo escolar, participar de coberturas de eventos, entrevistar personalidades e até integrar a programação de rádio ou TV com transmissão nacional. Essas são algumas das iniciativas que compõem projetos educacionais de comunicação, envolvendo alunos da educação básica em escolas públicas brasileiras.

A abordagem da chamada educomunicação como ferramenta pedagógica promove o protagonismo estudantil, a gestão democrática e a educação midiática. Além disso, a prática é uma aliada das escolas para lidar com os impactos do envolvimento de crianças e adolescentes com a internet. Isso porque eles têm contato cada vez mais cedo com o mundo virtual e com maior frequência, conforme mostrou a pesquisa Tic Kids Online Brasil 2024.

Atualmente, meninos e meninas produzem e disseminam conteúdos na palma da mão. Então, “como a escola responde a esta complexidade?”, questiona Patrícia Blanco,presidente do Instituto Palavra Aberta, organização que defende a plena liberdade de ideias, pensamentos e opiniões.

“A educomunicação e a educação midiática voltam a ser vistas como uma possível solução para melhorar o ambiente informacional e comunicacional e até de liberdade de expressão”, diz. Tudo porque o acesso aos dispositivos eletrônicos em si não garante cidadania. Portanto, é preciso responsabilidade no consumo e na produção de conteúdo.

Entenda os termos 

  • Educomunicação – abordagem que utiliza os meios de comunicação como ferramenta pedagógica para apoiar a aprendizagem. 
  • Educação midiática – habilidades que permitem analisar criticamente as informações e discernir o que é falso e verdadeiro.
  • Letramento digital – capacidade de ler, escrever e produzir no ambiente digital.

“Ela [educação midiática] não só o capacita para lidar criticamente com informações e algoritmos, mas também fortalece a sua autonomia e participação na sociedade democrática”, complementa Patrícia.

Dessa forma, a educação midiática se torna um fator de inclusão social.

“Trabalhar a educação midiática na escola é melhorar a escola pública, torná-la mais potente, progressista e efetiva na formação do ser humano”, diz o coordenador do núcleo de educomunicação da Prefeitura de São Paulo, Carlos Lima. O programa paulistano, implementado de forma pioneira há 20 anos, inspirou a criação de outras ações pelo país.

Para Lima, a educomunicação abre a mente das crianças e dos adolescentes e impacta a qualidade da escola pública. “O educomunicador é um democrata por excelência, também vai lutar pelos direitos humanos”, defende.

Diferentes iniciativas, muita visibilidade

Quando integrados a políticas públicas municipais ou estaduais, iniciativas de educomunicação ganham ainda mais espaço e visibilidade. Em São Paulo, por exemplo, alunos do programa Imprensa Jovem, que funciona em cerca de 400 escolas municipais, ganharam um espaço na TV. Eles estão participando de um quadro quinzenal no programa Boas Práticas Escolares, exibido aos domingos pela TV Cultura, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação.

No programa, crianças e adolescentes participam de atividades como produção de podcast, programas de rádios, jornais e blogs. E não é difícil encontrar esta turminha em atuação pela cidade: as equipes microfonadas uniformizadas com coletes cor de laranjas estão sempre entrevistando personalidades durante os eventos oficiais do calendário paulistano.

“Dentro do Imprensa Jovem há uma guarda-chuva de possibilidade midiáticas e de linguagem, o professor pode avaliar o que se sente mais confortável em fazer: audiovisual, rádio, jornal. Criamos uma espécie de tecnologia social que é muito elástica”, diz Lima.

No Rio de Janeiro, os estudantes da rede municipal alimentam a agência de notícias Andar. São cerca de 100 professores e 1.400 alunos de 80 escolas dando seu olhar sobre os acontecimentos do mundo. Desde o lançamento da plataforma, em 2023, essa equipe já produziu cerca de 400 conteúdos.

Já no Pará, estudantes do projeto Aluno Repórter produzem conteúdo para um programa diário da Rádio Rosário FM sobre o universo escolar. Além de ir ao ar duas vezes ao dia, eles têm espaço em uma rádio digital com transmissão pela internet. Cerca de 60 alunos de 15 escolas da rede estadual, localizadas nas cidades de Bragança, Tracuateua, Augusto Corrêa, Viseu e Cachoeira do Piriá, participam das iniciativas.

Desde que Nicolle Corrêa da Costa, 16 anos, ingressou no Aluno Repórter, há dois anos, encontrou novas oportunidades e desenvolveu sua habilidade de comunicação. “Muitos entram no Aluno Repórter sem saber o que querem cursar na faculdade e acabam encontrando uma direção”, diz.

Inicialmente tímida e enfrentando um momento pessoal difícil, Nicolle teve o incentivo da escola para entrar no projeto no 9º ano do ensino fundamental. A partir de então, a aluna começou a participar de eventos relevantes como a Feira do Livro de Belém e aprender a dinâmica da profissão fazendo coberturas nas rádios locais. “Ele me ajudou a me desenvolver enquanto pessoa e minha habilidade de comunicação. Descobri caminhos profissionais que antes nem imaginava”, conta.

Educomunicação sem pretensões jornalísticas

Além de literalmente amplificar a voz dos alunos, os projetos têm em comum a possibilidade de levá-los para eventos e locais importantes de suas regiões para fazer “coberturas”, como se diz no jargão jornalístico. Muitas vezes é a única possibilidade das crianças apurarem os olhares e chegarem em espaços nunca ocupados. Mas o objetivo principal não é incentivá-los a ser futuros repórteres.

“A Andar [agência de notícias do Rio de Janeiro] não é uma graduação mirim de jornalismo, não buscamos rigor técnico, é um recurso pedagógico para o desenvolvimento de habilidades da língua portuguesa e da cultura digital. Também é ocupação de espaço e visão de futuro”, diz Fábio Mendonça, gerente do projeto Andar pela MultiRio.

O projeto se desdobra de forma diferente em cada escola, ou por meio de uma disciplina eletiva, no contraturno, ou durante a grade regular das aulas. Desse modo, cada uma das escolas tem autonomia para criar seus próprios nomes e identidades visuais como o Andarilhos, da escola GET Jair Tavares, localizada no subúrbio da cidade.

“A Andar é bastante moldável, o papel da MultiRio é identificar as experiências e promover formações de professores que contribuam para o desenvolvimento de novos projetos”, conta Mendonça.

Como resultado, Mendonça aponta contribuição para a mediação de conflitos nas escolas, valorização do trabalho em grupo, desenvolvimento do autoconhecimento e auto expressão.

“O que a gente precisa fazer enquanto gestor é praticar a escuta ativa e entender como a juventude está pensando sobre vários temas.”

É possível começar sem tecnologia

Os projetos de educomunicação não dependem essencialmente de recursos tecnológicos, como estúdios ou ilhas de edição. Nesse sentido, eles podem ser adaptáveis às diferentes realidades escolares e serem viabilizados a partir de escuta e criatividade. Confira as dicas listadas pelos entrevistados ouvidos ao longo da reportagem.

Confira iniciativas de educomunicação que têm impactado seus territórios e podem inspirar a construção de outros projetos:

Imprensa Jovem em São Paulo: entrevista exclusiva e até fictícia

Na EMEF Josué de Castro, localizada na zona oeste de São Paulo, o professor orientador do Imprensa Jovem, Leonardo Araújo Cardeal da Costa, propõe iniciativas atreladas ao projeto pedagógico da escola.

Os 20 alunos dos anos finais do ensino fundamental 2 que participam do projeto já fizeram podcast, alimentam as redes sociais da escola (@emefjcastro) com produções audiovisuais “que vão além de dancinhas”. Além disso, eles saem pela cidade para cobrir eventos do calendário oficial como a Bienal do Livro, Fórmula E, festival de cinema, entre outros eventos.

“Muitos alunos estão nestes lugares pela primeira vez. Conseguimos entrevistar organizadores, cineastas, como se fosse um veículo da imprensa oficial. A diferença é que por ter crianças envolvidas, há mais espaço”, conta Costa.

O docente lembra que a Prefeitura de São Paulo inaugurou em novembro do ano passado um Centro de Educação Infantil chamado Glória Maria, em homenagem à jornalista. Na época as filhas dela estavam presentes no evento mas falaram apenas com a equipe do Imprensa Jovem.

“A ideia é oportunizar experiências, ensinar como construir uma notícia, fotografar, não é um simples passeio. Há estudo antes, durante e depois. O estudante ganha protagonismo, aprende a ouvir para depois perguntar, trabalha com o improviso e assim perde a timidez”, explica o professor.

Uma das iniciativas de sucesso foi a entrevista fictícia com personagens icônicos que são caracterizados, a partir de pesquisas e leitura feitas pelos alunos. Desse modo, enquanto um faz o papel do entrevistador, outro faz o entrevistado. A revolucionária Olga Benário Prestes e o Menino Maluquinho, do escritor Ziraldo, já foram protagonizados.

Andar no Rio de Janeiro: consciência crítica para espantar fake news

No Ginásio Educacional Tecnológico (GET) Jair Tavares de Oliveira, no subúrbio do Rio de Janeiro, que atende estudantes dos anos finais do ensino fundamental em tempo integral, o projeto Andar foi desdobrado na disciplina eletiva chamada Andarilhos, que passou a ser oferecida neste ano.

Nestas aulas, os alunos conseguem aproveitar toda a infraestrutura do laboratório da escola para fazer produções audiovisuais. Ao mesmo tempo, discutem os temas do momento e simulam coberturas jornalísticas sobre fatos reais, como a morte do apresentador Silvio Santos, por exemplo. Além disso, debatem o que é fake news. As produções são publicadas na página da escola no Instagram (@andarilhos.getjairtavares).

A professora Carolina Montez Holanda da Silva Borges lembra que há estudantes que demonstram mais interesse e habilidade do que outros, mas no geral, o projeto ajudou a despertar consciência crítica e a melhorar a socialização.

“Eles entenderam a responsabilidade de ser uma agência de notícias, sabem o que fazer para confirmar se a notícia é verdadeira ou não. Também ajudou a melhorar o entrosamento entre eles e afetou de forma construtiva o uso das redes sociais para pesquisas, além de entretenimento”, conta Carolina.

O trabalho com educomunicação também exigiu que os professores participassem de formações e aprendessem, já que para os adolescentes as questões mais técnicas não foram obstáculos. “Nas primeiras edições a gente colocava mais a mão na massa, mas depois começaram a criticar e entregavam algo super dinâmico e atual. A gente aprende muito com eles.”

O Andarilhos – assim como o nome sugere – também permite que os alunos saiam da escola para fazer coberturas pelo Rio de Janeiro, como o G20. “Estamos no subúrbio, em Campo Grande, quando para um evento, eles ficam maravilhados, mas é importante sair dessa ‘bolha’. Os alunos estão com tanta desenvoltura que parece que estão no projeto há mais tempo”, diz Carolina.

Aluno Repórter no Pará: denúncia e ‘terapia do rádio’

Uma das missões da equipe que faz parte do Aluno Repórter, no Pará, é produzir conteúdo para um programa radiofônico. A curadoria é por conta do professor Beto Amorim que também é locutor da rádio. É ele quem orienta e acompanha os alunos nas produções, possibilitando que eles conduzam entrevistas e também falem com a impensa. Além disso, monitora a participação deles na rádio web.

“Temos estúdio, câmera e microfone que ficam dentro da Fundação Educadora de Comunicação e foram conquistados por prêmios em editais. Na rádio web os alunos falam de seus trabalhos e eventos da escola, até as vinhetas são gravadas com as vozes deles”, conta Amorim.

O estímulo é para que escrevam sobre a realidade escolar, inclusive mostrando pontos que precisam de melhoria. Amorim lembra ainda que uma reportagem relatou o problema de falta de luz em uma escola que se arrastava por muito tempo, mas foi resolvido pela companhia logo após a notícia ir ao ar.

“Quando usamos os meios de comunicação no dia a dia, trabalhamos com a verdade. Então, no ambiente escolar, esses meios se tornam uma ferramenta poderosa para os alunos, permitindo assim que eles atuem como interlocutores e compartilhem, com orgulho, o que acontece em sua comunidade escolar”, afirma Amorim. O professor garante que o resultado é transformador: “Ao explorar a ‘terapia do rádio’, os alunos descobrem suas próprias vozes, aprendem a se expressar e a relatar os acontecimentos ao seu redor”, conclui.

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