Grupos de pais e mães na era digital: qual o tamanho da treta?

77,7% das ocorrências digitais nas instituições de ensino envolvem conflitos, ofensas e desentendimentos em grupos de WhatsApp

Camilla Hoshino Publicado em 13.11.2017
Homem sentado segura um bebê no colo enquanto olha para o seu celular.

Resumo

Das situações mais simples até as mais complexas, o dia a dia das escolas é uma novela, recheada de histórias capazes de entreter pais e mães. E, na vontade de não perder nenhuma cena, alguns canais de comunicação se tornam meios de monitoramento da vida escolar.

Datas comemorativas, a tarefa que um esqueceu de anotar, a lancheira que o outro deixou na sala, a nota baixa que a filha tirou, a briga do colega no contraturno, os comentários dos pais nas reuniões. Das situações mais simples até as mais complexas, o universo das instituições de ensino é uma novela, recheada de histórias capazes de entreter pais e mães por tempo indeterminado. E, na vontade de não perder nenhuma cena desses capítulos, alguns canais de comunicação instantânea se destacam como meios eficientes de monitoramento da vida escolar.

Entre os aplicativos mais populares, estão o WhatsApp e o Facebook, utilizados por muitas famílias para trocar informações. “Tem servido para compartilhar explicações sobre as tarefas escolares, eventos em datas comemorativas, convites de aniversário dos filhos e também para falar sobre o relacionamento entre as crianças”, afirma Kelly Prudencio, professora universitária e mãe do Antônio, de dez anos, e do João, de seis.

Para quem tem dificuldade de participar das reuniões de mães e pais, esses grupos podem ser uma boa forma de se aproximar de outras famílias, além de servir como um termômetro comportamental. “É um espaço que as mães encontraram para identificar problemas e avaliar se a questão é individual do filho ou geral da turma, mas não tem relação com a escola”, comenta a professora, que atualmente participa de dois grupos no WhatsApp e um no Facebook.

Ranking O Whatsapp é o comunicador instantâneo mais utilizado no Brasil, segundo a pesquisa do MEF (Mobile Ecosystem Forum). O relatório aponta que 76% dos seis mil usuários móveis entrevistados utilizam o aplicativo. O Facebook Messenger aparece em segundo lugar, acessado por 64% dos brasileiros. Em maio de 2017, o Whatsapp anunciou o número de 120 milhões de usuários. Isso torna o Brasil o segundo país com maior índice de uso do aplicativo no mundo, de acordo com o MEF.

Mas a mesma rapidez que possibilita o bate-papo diário, também pode causar desentendimentos maiores ou gerar prejuízos para pessoas fora desses espaços. Kelly conta que, em geral, as conversas das quais participa não são polêmicas, mas lembra de uma situação em que algumas mães começaram a criticar uma professora no grupo, se reuniram para reclamar na escola e ela acabou sendo substituída. “Não era uma problema que envolvia a turma inteira. Achei precipitado, pois ela estava em um período de adaptação”.

Praça pública digital

Na opinião da diretora pedagógica da Editora Positivo, que trabalha com matérias didáticos , sistemas de ensino, livros e dicionários, Acedriana Vicente Sandi, as redes sociais são uma espécie de praça pública digital, onde a comunicação iniciada com um objetivo específico pode rapidamente tomar outro rumo. A diferença é que todas as fotos, vídeos, áudios e eventuais ofensas ficam registradas, podendo ter uma perpetuação incontrolável, mesmo quando o assunto já tiver sido resolvido pelas partes num conflito.

Por isso, segundo ela, é preciso conhecer as implicações sociais, políticas e legais de determinadas atitudes. Entre as ocorrências mais graves, ela cita casos de superexposição de crianças e adolescentes, difamação e calúnia, alguns deles chegando a ser resolvidos nas delegacias com aplicação de multa por danos morais.

“Se a escola for o objeto da discussão no grupo, então o melhor a fazer é marcar uma reunião para as coisas serem resolvidas de forma civilizada, com reflexão e transparência”, sugere.

Ocorrências digitais

77,7% das ocorrências digitais nas instituições de ensino envolvem conflitos, ofensas e desentendimentos em grupos de WhatsApp, seja entre alunos ou entre pais, mães e responsáveis. É o que aponta a pesquisa “Escola Digital Segura”, elaborada pelo Instituto iStart, criado com o objetivo de levar educação em Ética e Segurança Digital para famílias brasileiras.

Em 2015, o cyberbullying (violência praticada no espaço virtual) era o problema com maior incidência nos colégios (75%), mas caiu para 48,4%. As instituições entrevistadas afirmaram realizar atividades de prevenção ao bullying ou cyberbulliyng, como está previsto na Lei nº 13.185/2015, em vigor desde fevereiro de 2016

O Estatuto da Criança e do Adolescente explicita a necessidade de salvaguardar a criança, portanto, privá-la de situações vexatórias. Mas, em muitos casos, o que poderia ser resolvido com zelo e cuidado, na esfera mais íntima, acaba perdendo o controle”, revela a coordenadora pedagógica, mencionando as situações em que alunos se sentem incomodados com o conteúdo compartilhado por pais e mães nas redes social.

Acedriana observa que grande parte dos incidentes que acontecem nos grupos de Whatsapp sobre a escola não são debatidos nas reuniões presenciais. “A impressão é que nesses grupos se ganha mais força política e social do que nos diálogos presenciais. O Whatsapp acaba funcionando como uma máscara que conforta as pessoas que agem por impulso”, diz.

Em relação às orientações que a escola pode dar aos pais e mães, ela reforça que é preciso compreender esses grupos como uma forma rápida e segura de comunicar situações do cotidiano escolar que sejam de interesse coletivo, não um local para julgamentos precipitados ou ridicularização de profissionais e alunos. “Não é sobre o manto da liberdade de expressão que se constrói um tribunal de inquisição”, afirma.

Image

iStock/Lunetas

“Tudo colocado no grupo está documentado, é prova jurídica”, afirma a advogada e especialista em Direito Penal, Patricia Peck Pinheiro.

Redes de apoio

A tecnologia não é boa ou ruim, mas depende essencialmente do uso que se faz dela. Essa é o opinião da especialista em Psicologia da Educação e orientadora educacional Catarina Iavelberg, que também faz parte de grupos relacionados às atividades dos filhos, Jonas e Miguel. E quando a conduta ética se torna o pano de fundo das relações estabelecidas nesses espaços, as experiências acabam sendo muito positivas.

“Os grupos são pequenas comunidades que acabam funcionando como uma rede de apoio, podendo ser um meio de compartilhar questões referentes à saúde pública, como campanhas de vacinação, cuidados com a infância e também dicas culturais”, ressalta Catarina Iavelberg.

Ela aponta que as relações podem ser construídas para além do espaço escolar, fortalecendo o vínculo entre as crianças e as famílias. As mensagens podem ser dicas de especialistas, literatura infantil sobre um tema delicado, experiências pessoais que servem como exemplo para outras famílias e mesmo um aviso importante de última hora.

“Se meu filho teve febre e descubro que é escarlatina, por exemplo, aviso os pais e mães no grupo para que tomem os devidos cuidados”

Entre os potenciais usos que a escola pode fazer, ela cita casos específicos e pontuais como a criação de grupos para atividades de campo dos alunos ou viagens escolares, em que crianças não podem levar o celular. “Ali os professores ou responsáveis podem dar notícias para as famílias, compartilhar atividades que realizaram naquele dia e assegurar que está tudo bem”, diz. Para outros casos como queixas e mal entendidos, o mais indicado por ela é procurar a própria escola pessoalmente.

De olho na lei

“Tudo que é colocado no grupo está documentado, é prova jurídica”, afirma a advogada e especialista em Direito Digital, Patricia Peck Pinheiro

Ela explica que do ponto de vista legal, é preciso evitar exposição, constrangimento ou intimidação das pessoas, e que todos os participantes podem ser envolvidos na responsabilidade por danos praticados pelo grupo, não apenas quem fez (responsabilidade por ação), mas quem nada fez nem se manifestou contrário (responsabilidade por omissão). “Portanto, se não concordar com algo, se manifeste, porque o silêncio é conivência”, alerta.

“Esse cuidado deve ser redobrado quando os grupos forem formados por integrantes da comunidade escolar”

“Não são poucos os casos de educadores e responsáveis que confundem as mensagens trocadas pelo aplicativo com as conversas de porta de escola, compartilhando nas mídias sociais detalhes de incidentes, aumentando ainda mais o mal-estar de estudantes vítimas de vazamento de dados ou de imagens íntimas, por exemplo”, atenta a advogada.

Para evitar esses incidentes também por parte de professores, funcionários e alunos dentro das próprias escolas, de acordo com Patricia Peck Pinheiro, especialista em cibersegurança e autora de 17 livros sobre Direito Digital, as instituições devem estar blindadas legalmente, começando pela definição de regras de uso interno da internet, documentadas e divulgadas para a comunidade escolar. “Um contrato de matrícula bem redigido pode ser um dos melhores instrumentos”, opina.

Transição tecnológica

A tecnologia é realidade do cotidiano de professores e alunos de escolas públicas e privadas no Brasil, conforme apontam os dados da pesquisa TIC Educação 2016, divulgada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). A maioria dos docentes confirmam que estudantes dominam os meios digitais melhor do que eles próprios.

“A tecnologia pode ser aliada quando utilizada de maneira ética e segura, por meio da orientação adequada quanto aos riscos e ameaças no ambiente digital”, aponta a advogada

Segundo ela, algumas precauções podem ser tomadas nesse sentido: dialogar sobre filhos em canais reservados e privados e não públicos e coletivos; pensar sempre antes de publicar foto ou vídeo da criança ou adolescente; utilizar linguagens sem ofensas ou termos preconceituosos, pejorativos ou discriminatórios; ler termos de uso de recursos antes de deixar filhos usarem e respeitar as idades mínimas indicadas pelos recursos.

E no meio da avalanche de conteúdos e das incontáveis possibilidades de uso da tecnologia, o respeito passa a ser garantido às vezes por iniciativas pessoais, outras pela lei. Mas a pergunta que fica é como criar as crianças e adolescentes que já nascem nas ruas digitais se os próprios adultos caem na falácia “internet: terra de ninguém”. Nesse caso, Patricia Peck insiste na dica: “Educar pelo exemplo”.

Proteja-se! Conheça o iStartcare, um aplicativo com conteúdo didático para pais, filhos, alunos e professores, que traz dicas de como evitar riscos na web.

 

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS