Redes sociais para crianças menores de 13 anos: qual o impacto?

Desde 2016, no Brasil, algumas redes sociais têm ganhado versões para crianças e o Instagram pode ser a próxima. Quais os possíveis efeitos à infância?

Maria Clara Matos Publicado em 21.07.2021
Uma menina ruiva está deitada na cama, embaixo de um lençol, mexendo na tela do celular
OUVIR

Resumo

O Facebook prevê lançar uma versão do Instagram para menores de 13 anos. Ouvimos especialistas para entender como a LGPD se comporta em relação à segurança dos pequenos e saber mais sobre os impactos no desenvolvimento infantil de um uso prematuro das redes.

Mesmo com a obrigatoriedade da idade mínima de 13 anos, não é difícil encontrar crianças em faixas etárias mais baixas que façam uso das redes sociais. Este cenário tende a se tornar ainda mais complexo. Depois da criação do Messenger Kids e do YouTube Kids, o Facebook revela planos de lançar uma versão do Instagram para crianças menores de 13 anos. Como a legislação brasileira lida com o assunto? Quais os impactos no desenvolvimento infantil de um uso tão prematuro das redes?

Segundo dados de 2019 da pesquisa TIC Kids Online Brasil, 89% da população entre 9 e 17 anos – 24 milhões de crianças e adolescentes – já é usuária da internet, sendo que 68% usam as redes sociais. Rodrigo Nejm, diretor de educação da SaferNet Brasil, destaca que a própria pesquisa não consegue capturar ainda o volume estimado de crianças menores de 9 anos que já usam a internet. 

“ O que pode ser feito para que as experiências dessas crianças que estão on-line seja mais segura, mais mediada e mais saudável? Isso é um desafio gigante”

Patrícia Peck, advogada especialista em Direito Digital, Propriedade Intelectual, Proteção de Dados e Cibersegurança, destaca que o Brasil conta desde 2018 com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) que promete ser um mecanismo de garantia de direitos de crianças e adolescentes também no ambiente digital. 

Por mais que as sedes das maiores redes sociais não estejam no Brasil, a LGPD prevê a aplicabilidade de suas normas para o tratamento de dados coletados de quaisquer pessoas que estejam no país. Para o armazenamento de dados de crianças (até 12 anos, como previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente), por exemplo, será necessário o consentimento da família ou de cuidadores. As redes sociais, como a futura versão do Instagram, que admitirem a inscrição de crianças deverão certificar-se da obtenção da autorização válida dos responsáveis. “Válida”, porque a LGPD obriga as plataformas a realizarem todos os esforços tecnológicos para verificar a identidade do fornecedor do consentimento. A lei, no entanto, não prevê mecanismos que possibilitem a confirmação dele, isso deve ficar a cargo de cada rede social ou plataforma. 

Ainda que exista a legislação, Patrícia vê com preocupação a criação de uma versão do Instagram para crianças. “A internet é a grande rua digital da nossa atualidade. E as crianças ficam mais expostas. Logo, este tipo de iniciativa deve vir acompanhada de medidas que consigam garantir a segurança e o bem-estar do menor de idade.”

Para as crianças que atualmente permanecem no Instagram mesmo com menos de 13 anos, o Facebook conta com a própria rede para denunciar os perfis impróprios. Mas isso é suficiente? Segundo Patrícia, é essencial “educar as crianças para um consumo consciente, para saber fazer escolhas, para proteção da sua privacidade, para evitar o excesso de exposição, para agir com cautela, para preferir qualidade à quantidade”.

Rodrigo afirma que, apesar das empresas estarem pressionadas a utilizarem todos os seus recursos para uma postura mais proativa em relação à regulamentação, as responsabilidades são compartilhadas e incluem também as famílias, as organizações de proteção aos direitos das crianças e o Estado. “As respostas precisam ser múltiplas, de múltiplos setores e quanto mais convergentes melhor.”

Ainda não é possível saber como será a plataforma para menores de 13 anos mas, além da coleta de dados, uma das grandes dúvidas é entender como funcionará a publicidade. No Brasil, estratégias comerciais direcionadas a crianças são consideradas ilegais. 

O Messenger Kids, por exemplo, não possui anúncios. Já o Youtube Kids encontrou uma brecha e não é um ambiente totalmente livre de publicidade, já que as empresas podem solicitar a um youtuber a criação de um conteúdo pago, que funciona como divulgação de um produto ou marca. Pelos termos do aplicativo essa produção é considerada conteúdo e não propaganda.

Como as redes sociais podem interferir no desenvolvimento infantil?

Quando o assunto é o Instagram oferecer uma versão para crianças, os especialistas pedem cautela. Segundo Rodrigo, o aplicativo possui características muito específicas relacionadas à aparência, autorrepresentação e competição que podem ser nocivas às crianças.

“Os filtros, a edição das imagens e a seleção de conteúdos podem gerar um efeito de comparação social que causa prejuízos em adolescentes e jovens que estão formando suas identidades, seu pertencimento a grupos”

Além dessa comparação, há o sentimento de validação que aparecem com os likes e comentários – os retweets do Twitter e as visualizações do YouTube funcionam da mesma maneira. A médica Evelyn Eisenstein, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e coordenadora do grupo de estudos sobre Saúde na Era Digital, destaca que hoje as crianças têm mais dificuldade de verbalizar suas emoções. De acordo com a pediatra, as vidas das pessoas no aplicativo por vezes são maravilhosas o que difere muito da realidade, então, “as crianças vão se tornando ambivalentes, não sabem expressar o que realmente sentem”. Ela chama a atenção dizendo que esses são os momentos oportunos para que aliciadores e pessoas mal intencionadas atuem. “Eles trabalham no mecanismo de recompensa desses adolescentes”, explica.

A pesquisa #StatusOfMind (“Status da mente”, em tradução livre), realizada em 2017 por duas organizações de saúde britânicas, a Royal Society for Public Health em parceria com a Young Health Movement, comprovou que as redes sociais podem ter impacto negativo na saúde mental.

Adivinha qual foi a rede classificada como a pior para os jovens? Sim, o Instagram. Foram ouvidos 1.479 participantes com idade entre 14 e 24 anos. Eles responderam um questionário com avaliações sobre impacto das cinco redes sociais – Instagram, Snapchat, Twitter, YouTube e Facebook – em 14 critérios diferentes de saúde e bem-estar, incluindo efeitos sobre sono, ansiedade, depressão, solidão e imagem corporal.  O Instagram teve a pior pontuação em sete das 14 categorias.

Em relação à própria imagem, 9 entre 10 meninas disseram estar infelizes com seus próprios corpos. Ainda de acordo com a pesquisa, nos últimos 25 anos, as taxas de ansiedade e depressão aumentaram em 70% entre os jovens de 14 a 24 anos. O estudo sugere, assim, que o uso intenso das mídias sociais está relacionado a esse quadro.

Para a médica, essa seria apenas uma maneira das empresas de entretenimento de expandir seus domínios para consumidores cada vez mais jovens. Ela destaca ainda que os prejuízos à saúde da exposição prolongada das crianças e adolescentes às telas podem ser inúmeros como transtorno do sono e comportamento, irritabilidade, sedentarismo, queda do rendimento escolar, sem contar agressões e abusos que as crianças podem sofrer em ambiente on-line como bullying, exploração sexual e pedofilia.

Alyne Silva, psicóloga especializada em maternidade, menciona o sentimento de inadequação relacionado à representatividade. Profissional que atende muitas pessoas negras, ela revela: “Quem são as pessoas que estão ali, desde os desenhos infantis no YouTube até os influencers que temos hoje? Essas pessoas são representativas para nossas crianças?”. Ela conta que normalmente o padrão branco e eurocêntrico tem um impacto muito grande na construção da autoimagem e da identidade dos pequenos. “É um sentimento de inadequação, muitas vezes reforçado pela publicidade.”

Mas as redes também podem ser lugar de encontros com a pluralidade. Rodrigo Nejm diz que o assunto é delicado e que é importante tomar cuidado com o determinismo tecnológico. Ele explica que a mesma plataforma que em alguns contextos reforça a comparação social, por exemplo, e tem efeito negativo, pode ser usada ao contrário também, para as pessoas que buscam inspiração ou mesmo para outras que estão em um processo de sofrimento emocional e que podem interagir nas redes. “As evidências que temos acompanhado mostram que os efeitos negativos assim como os efeitos benéficos e as oportunidades estão sempre relacionados com fatores sociais e ambientais.”

 A importância da mediação parental

“Os pais muitas vezes desconhecem os perigos, ou não acreditam que algo pior possa acontecer em sua família por meio da internet. Parece algo longe, distante. Mas está cada vez mais dentro de nossas casas. O controle parental é extremamente necessário”, destaca Rita Gonçalves, médica especialista em saúde da criança e do adolescente.

Andrea Lima ainda não permite que seu filho Bernardo, 11, use as redes sociais. “Temos tentado atrasar a entrada dele nesse universo”, revela.

“Se nós já ficamos ansiosos com o culto à imagem presente no Instagram, nem sei avaliar o que é isso para uma criança”

Mas a mãe diz que o terreno tem sido preparado para a entrada do filho na rede com muita conversa e trocas de experiências. “Quero que ele participe das oportunidades da geração dele, mas com responsabilidade. É preciso que eles entendam que tem uma razão pela qual eu não abro a porta e digo ‘vai’. A internet é um mundo que não foi idealizado para crianças. Eles precisam da nossa mediação.”

As gêmeas Bruna e Manuela têm Instagram desde os 8 anos, quando ganharam um celular dos avós. “A partir do momento que você dá o celular fica difícil administrar”, conta a mãe, Gabriela Westin Pereira Pessuto. Ela diz não controlar as garotas, mas que vez ou outra checa os celulares.

Gabriela percebeu uma piora nas questões relacionadas à aparência e necessidade de aceitação, típicas da adolescência, que se exacerbaram com o uso das redes.  “Quando elas eram mais jovens, não se preocupavam tanto com a quantidade de likes, não entendiam muito bem. Hoje elas têm mais medo de se expor, de postar um vídeo e de não ganharem seguidores, do vídeo flopar, como elas falam.”

A pesquisa TIC Kids Online de 2019 revelou que 55% das crianças têm pais e mães que verificam os amigos e contatos adicionados às suas redes e 48% têm responsáveis que checam suas redes sociais. O número ainda é baixo e, segundo Rodrigo, há um afastamento dos familiares em relação à experiência digital dos filhos. Além do desconhecimento técnico, existe uma dificuldade de fazer integração, negociação sobre o ambiente digital, navegar juntos, conhecer os jogos juntos. 

“É importante fazer frequentemente a avaliação dos graus de maturidade das crianças e dos adolescentes para saber o quanto de autonomia e liberdade eles podem ganhar”

Na casa da Raquel, 13, redes sociais é um assunto presente. “Eu e meu marido nos vemos como mediadores e sempre problematizamos o uso das redes, principalmente porque elas são concebidas para serem usadas por adultos e não por crianças”, explica a mãe, Bebel de Barros.

A garota  começou a usar o Instagram aos 11 anos e hoje a rede serve como ampliação de repertório, para conhecer a história de outras pessoas e também de outros lugares do mundo. Raquel concorda com o uso controlado das redes: 

“Algumas amigas usam demais e ficam reféns. É como se vivessem uma vida paralela”

De acordo com Rodrigo, um aspecto positivo das versões para as crianças dos aplicativos – como o Messenger Kids, por exemplo – é justamente a possibilidade de mediação parental, ou seja, fica sob a responsabilidade da família e de cuidadores a mediação em relação ao tempo, à qualidade da conectividade das crianças e aos contatos que são feitos no ambiente digital. “A ideia é que os pais possam dosar essa experiência conforme a criança vai amadurecendo, além de permitir uma negociação das regras e uma gradação dos limites”. Rodrigo preocupa-se com outro cenário em que as crianças, sem controle algum, fiquem à deriva nos aplicativos de redes sociais, jogos ou chats.

O Facebook não divulgou mais informações sobre o formato  da  nova versão, mas o especialista destaca que, caso seja uma realidade, o Instagram para menores de 13 anos precisa ser pensado desde o início, em seu design, para considerar todos os alertas sobre a questão de construção de identidade e comparação social, por exemplo, além de oferecer uma orientação aos pais sobre possíveis danos. 

Internet: um assunto para o dia a dia

“Eu acho que a gente comete um equívoco ao considerar as questões do mundo digital como coisa de especialista,  professor hightech, advogado digital, psicólogo, pediatra ou médico especializado em tecnologia. Não! É um assunto do dia a dia, do café da manhã, do almoço, do jantar, da reunião escolar, das reuniões de trabalho, é um assunto que precisa estar distribuído nas várias agendas.

Estamos num mundo que é digital e pensar a presença das crianças nele é pensar simplesmente o que é ser criança num mundo hiperconectado. E isso, sem dúvida nenhuma, não é só considerar a ferramenta de segurança das plataformas, mas é pensar também a importância de rotinas digitais saudáveis que incluem ficar off-line, saber desligar. A criança precisa entender a importância de ter atividades de lazer sem tela. A gente precisa promover diálogos para que não seja apenas uma imposição, mas que a criança perceba o valor também da desconexão. Não faz muito sentido discutir a permissão de acesso ou não à internet.

“A questão é que tipo de acesso a gente vai permitir que as crianças tenham”

Rodrigo Nejm

Leia mais

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS