Desvendando sete mitos sobre o fim da publicidade infantil

Especialistas do programa Criança e Consumo tiram dúvidas sobre a regulamentação da publicidade infantil no Brasil

Da redação Publicado em 19.02.2020
Imagem de criança feliz brincando com acessório de passar cartão
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Resumo

Diante da tentativa de criação de uma nova portaria para regulamentar a publicidade infantil no Brasil, entidades divulgaram um manifesto em defesa do cumprimento da legislação já existente sobre o tema. O Lunetas esclarece algumas dúvidas desse debate.

Entidades engajadas na proteção da infância divulgaram recentemente um manifesto contra a criação de uma nova portaria para a regulamentação da publicidade infantil no Brasil. De acordo com as organizações que assinam o documento, a iniciativa tomada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), enfraquece a atual legislação, que já proíbe esse tipo de prática comercial direcionada a crianças e passa por cima do acúmulo de pesquisas e estudos conceituados sobre o tema.

“Além de ferir a legislação existente, a proposta desconsidera princípios e boas práticas esperados de um órgão da administração pública voltado à defesa do consumidor: uma participação ampla e aberta de outras instituições especialistas nesse debate e uma redação original e colaborativa, em vez da transcrição de trechos do código de autorregulamentação publicitária”, afirma o manifesto.

As organizações alegam que a nova portaria abre brechas para que empresas possam, em casos específicos, falar diretamente com as crianças, sem mediação de pais, mães ou responsáveis. “As empresas se aproveitam do fato de que crianças até 12 anos, indivíduos hipervulneráveis, inclusive pelo desenvolvimento cerebral inconcluso, não conseguem discernir os limites entre o conteúdo de entretenimento que acessam e as mensagens publicitárias, nem compreender suas intenções persuasivas”, reforça o texto.

“Crianças até 12 anos não conseguem discernir os limites entre o conteúdo de entretenimento que acessam e as mensagens publicitárias, nem compreender suas intenções persuasivas”

Atualmente, a publicidade dirigida à criança já é proibida no Brasil. A Constituição federal estabelece a defesa da infância como prioridade absoluta, ideia que é amparada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Convenção Internacional sobre os direitos das crianças da ONU. Especificamente sobre as relações de consumo,  o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Legal da Primeira Infância e a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) consideram abusiva e ilegal a prática de direcionar publicidade a crianças.

A legislação que garante a proteção da criança frente a interesses comerciais têm apoio popular. Em 2016, uma pesquisa encomendada pela ACT Promoção da Saúde ao Datafolha revelou que 60% da população é contra qualquer tipo de propaganda para crianças, considerada o público mais vulnerável à influência dessas informações voltadas ao consumo.

O objetivo do levantamento era identificar a opinião dos entrevistados em relação à exposição de alimentos industrializados aos pequenos: 72% afirmaram ser contra, totalmente ou em parte, a propaganda de refrigerante; 67% disseram ser contra a propaganda de salgadinhos e 64% de sucos industrializados. Uma proporção semelhante foi contra a venda desses produtos em escolas.

Com o debate reaceso, especialistas do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, resolveram desvendar sete suposições equivocadas em torno desse tema.

7 mitos sobre a publicidade infantil no Brasil

  • Não cabe ao governo regular o que é responsabilidade dos pais

De acordo com a advogada do programa Criança e Consumo, Livia Cattaruzzi, é comum o argumento de que as famílias seriam as únicas responsáveis pelo dever de proteger as crianças do apelo consumista da publicidade infantil. Mas a verdade é que isso também é função do governo. “A Constituição Federal determina a obrigação compartilhada entre Estado, família e sociedade – o que inclui empresas anunciantes, agências de publicidade e meios de comunicação – de garantir direitos da criança com prioridade absoluta em qualquer situação”, afirma. Portanto, segundo ela, as empresas devem direcionar suas comunicações comerciais ao público adulto,  verdadeiro detentor do poder de compra.

  • A proibição da publicidade infantil acabou com a programação infantil na TV aberta

“O que aconteceu, na verdade, foi uma mudança no modelo de negócios, que, por escolha das próprias emissoras, permitiu que a programação infantil fosse trocada por uma programação mais abrangente, direcionada a um público maior”, explica o coordenador do programa Criança e Consumo, Pedro Hartung. Ele recorda que a programação infantil ainda ocorre nessas emissoras, por meio de seus canais fechados, que, por sua vez, ainda veiculam grande diversidade de publicidade infantil.

  • O fim da publicidade infantil vai agravar a crise econômica

Bom, parece que também não é por aí. O fim da publicidade infantil no Brasil não acaba com a indústria, nem destroi empregos. Para confrontar este argumento, Pedro Hartung recorre à pesquisa da publicação inglesa The Economist, apontando que a proibição efetiva da publicidade infantil no Brasil traria uma economia de aproximadamente R$ 76 bilhões,  diante dos gastos em função de obesidade e sobrepeso infantis e doenças crônicas não transmissíveis , em virtude de publicidade de produtos alimentícios ou bebidas com sal, gordura e açúcar.”Regular a publicidade infantil é investir no desenvolvimento sadio da população brasileira”, defende.

  • Regular a publicidade infantil é um atentado à liberdade de expressão

Mais um mito. Livia Cattaruzzi comenta a diferença entre uma coisa e outra: publicidade é uma atividade econômica que busca promover marcas, produtos e serviços – devendo respeitar direitos fundamentais de crianças e consumidores -, enquanto que a liberdade de expressão representa a livre manifestação de ideias pensamentos e opiniões.” A proibição desse tipo de publicidade significa coibir a prática de exploração comercial de crianças pelas empresas”, reforça.

  • Não vai mais existir publicidade de produtos infantis

“Publicidade infantil é diferente de publicidade de produtos infantis”, alerta o mobilizador do programa Criança e Consumo, JP Amaral. Segundo ele, é plausível que se faça publicidade de brinquedos, materiais escolares ou de outros produtos que são usados pelas crianças, no entanto, esse conteúdo deve ser direcionado aos pais ou famílias, responsáveis pelas tomadas de decisões sobre compras.

  • Sem publicidade infantil as crianças vão viver numa bolha

Será mesmo que a falta da publicidade infantil deixa as crianças despreparadas para lidar com o consumo na fase adulta? Não, de acordo com JP Amaral. “O que precisa haver é uma educação para o consumo feita por professores, familiares e pela sociedade como um todo.” Para ele, ideal seria educar com valores para o crescimento e não bombardear as crianças com publicidade, usando elas como promotoras de venda, quando não estão preparadas para discernir.

  • A autoregulamentação é suficiente para que não seja feita publicidade infantil

Por fim, o mito #7: esperar que as próprias empresas regulem seu comportamento é insuficiente. Isso, porque, as regras corporativas delimitadas por meio de associações ou mesmo pelo Conar (Conselho Nacional Auto Regulamentação Publicitária), são aplicáveis apenas às empresas que aderem aos compromissos e não a todas do mercado, como explica a advogada Livia Cattaruzzi. “Também não existe previsão de multas ou sanções em casos de descumprimento.”

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