Como falar com adolescentes sobre cigarros eletrônicos?

Apesar de ter comercialização proibida pela Anvisa, cada vez mais cedo, Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) são atração entre brasileiros

Alice de Souza Publicado em 26.03.2024 Atualizado em 02.04.2024
Fotomontagem com uma imagem em preto e branco de cigarros eletrônicos e, do lado direito, um jovem com a mão na cabeça veste camiseta azul
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Resumo

Os dispositivos eletrônicos para fumar já são uma realidade no Brasil, mesmo que sua venda e propaganda sejam proibidas. Nesta reportagem, especialistas ensinam a como conversar com crianças e adolescentes sobre o tema.

A primeira vez em que Ana Carolina Oliveira falou com a filha sobre cigarros eletrônicos foi depois de ver pessoas fumando em uma festa. Ela queria entender o que Ana Clara, 13, pensava sobre esse consumo. “Ela me respondeu que não via sentido em comprar uma fumaça com gosto”, conta a mãe.

Segundo ela, tem sido cada vez mais frequente ver adolescentes utilizando os chamados Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), também conhecidos como Vapes e Pods, categoria que inclui os cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido. Foi assim, por exemplo, no show de Taylor Swift, no Rio de Janeiro, ano passado, lembra Ana Carolina. “O pessoal na frente da gente estava usando vape e a fumaça estava indo para trás. Então, eu precisei falar com eles para parar.”

Mas essa não é uma percepção isolada. Embora a comercialização, a importação e a propaganda dos DEFs sejam proibidas no Brasil desde 2009, de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 46, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), esses produtos ainda podem ser consumidos. Em 2019, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE) mostrou que 2,80% dos brasileiros de 13 a 17 anos haviam usado cigarros eletrônicos nos últimos 30 dias. No mesmo ano, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) mostrou que 70% dos consumidores desses dispositivos têm entre 15 e 24 anos.

Consulta pública

Entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024, a Anvisa realizou uma consulta pública com uma proposta de resolução atualizada para manter a proibição dos DEFs. Entre as 13.930 participações, 37% foram favoráveis a manter esses dispositivos proibidos no país, enquanto 59% disseram ter opinião diferente —contrária ou com outras ponderações. Antes da aprovação final da agência, a decisão deve passar pela Advocacia Geral da União (AGU). Especialistas em psicologia infantil e controle do tabagismo entrevistados pelo Lunetas, entretanto, afirmam que, independentemente das normas, é preciso conversar com crianças e adolescentes sobre o assunto. Além disso, sugerem que os educadores se impliquem e que o poder público tome medidas restritivas.

Diálogo é melhor que medidas restritivas

Embora não haja uma fórmula para falar sobre vape, diz Mônica Andreis, diretora executiva da ACT Promoção da Saúde, é melhor informar crianças e adolescentes dos prejuízos à saúde causados pelos dispositivos eletrônicos, em vez de impor medidas restritivas. “Esse é um desafio, assim como foi com os cigarros. Só que com estes a gente foi esperando décadas e só se posicionou quando já tinha muita gente sofrendo as consequências do tabagismo.”

Já a psicóloga Rosângela Vicente afirma que é preciso identificar se as fontes de estímulo começam na própria família ou em um grupo de amigos. Vicente, que é coordenadora do Núcleo de Prevenção e Cessação do Tabagismo (PrevFumo) da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), diz que conviver com adultos que consomem cigarro normaliza o ato de fumar entre os jovens. “O adulto que fuma não pode ter uma abordagem agressiva ao ver a criança despertar esse desejo. O diálogo não pode começar pela crítica.”

Segundo as especialistas, um bom caminho é mostrar como as propagandas atrativas em torno do vape, são, na verdade, estratégias de manipulação da indústria do tabaco. “O adolescente pode se sensibilizar ao perceber que está sendo iludido, que aquilo, na verdade, é uma propaganda enganosa”, diz Andreis.

“É importante chamar atenção para quem está por trás desses produtos, uma indústria formada por grandes companhias, que tem crianças e adolescentes como alvo principal, no sentido de captar novos usuários”, complementa Aline de Mesquita Carvalho, psicóloga e tecnologista da Divisão de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco (Conprev), do Instituto Nacional de Câncer (INCA). E por que a indústria teria esse interesse? Segundo Vicente, “até iniciarmos o combate ao cigarro, a indústria tinha um público garantido por 30 anos, de pessoas que começaram a fumar na adolescência e só paravam na terceira idade“.

Exemplos práticos

As especialistas sugerem mostrar casos de pessoas afetadas pelos efeitos do vape, principalmente de artistas, cantores e influencers cujos conteúdos são consumidos por crianças e adolescentes. O cantor sertanejo Zé Neto, por exemplo, desenvolveu foco de vidro no pulmão e falta de ar ao cantar. Já a cantora Doja Cat precisou se submeter às pressas a uma cirurgia nas amígdalas, depois de uma ferida provocada pelo vape.

Os exemplos de jovens que desenvolveram problemas respiratórios e pulmonares podem ajudar a perceber o quanto uma eventual dependência dos DEFs pode comprometer os planos profissionais e futuros, diz Vicente. “É como se ele percebesse que pode interromper de maneira brusca algo que está no caminho de conquistar.”

Uma terceira forma de abordagem é pelo apelo ambiental, já que não se pode facilmente descartar e reciclar esses dispositivos, tornando-se resíduos para aterros sanitários, mares e rios. Além disso, suas baterias podem causar incêndios e explosões aleatórias, como já aconteceu durante um voo entre Genebra, na Suíça, e Amsterdã, na Holanda.

“É uma série de plásticos, com cartuchos de componentes tóxicos, baterias de lítio, tudo isso sendo jogado no meio ambiente”, atenta Carvalho.

Por fim, todas as entrevistadas recomendam que as famílias busquem informações de qualidade. Elas podem ser encontradas em ambulatórios contra o tabagismo, com profissionais de saúde ou nos sites do Inca, da ACT e da Anvisa. “Não se pode desistir de buscar informação e prestar atenção na forma como o adolescente fala do tema. Assim, a relação familiar pode ficar mais leve e tratar o assunto com tranquilidade”, conclui Vicente.

Como conversar com crianças e adolescentes sobre cigarros eletrônicos?

  1. Estimular o diálogo ao invés da crítica ou medida restritiva
  2. Identificar quais as fontes de estímulo ao uso: família, amigos, internet etc.
  3. Evitar uma abordagem agressiva, sobretudo se há pessoas consumindo na família
  4. Evidenciar as propagandas como estratégias de manipulação da indústria do tabaco
  5. Mostrar casos práticos de pessoas famosas afetadas pelos efeitos dos dispositivos eletrônicos para fumar
  6. Falar sobre como uma eventual dependência pode comprometer o futuro profissional
  7. Mostrar o impacto do descarte desses objetos na natureza, apelando para a consciência ambiental
  8. Buscar informações em fontes qualificadas, para embasar tecnicamente os argumentos

Por que os cigarros eletrônicos são atrativos?

Desde o início dos anos 2000, quando surgiram os primeiros DEFs, eles deixaram de se parecer com um cigarro e passaram a se assemelhar a outros objetos, como pen drives, canetas e marcadores de texto. Agora, em sua quarta geração, “eles evoluíram com um design pensado cuidadosamente”, diz Carvalho. “São embalagens bonitas que se assemelham a outros produtos que encontramos na mochila e no estojo escolar.”

Além disso, esses “formatos inovadores, associados à tecnologia, que é uma área de grande interesse de crianças e adolescentes”, pontua Andreis, fazem parte de como “foram projetados para ser atraentes para o consumo desse público”.

Também o nome popular “vape” ajuda a suavizar a ideia de malefícios. “Quando a gente fala cigarro, hoje em dia, imediatamente, associa àquele produto que causa doenças, que carrega um estigma. O vape é quase um eufemismo para se distanciar disso. Parece que ali é só vapor”, afirma a psicóloga. No entanto, essa ideia de menor risco é um equívoco, explica a diretora executiva da ACT, já que alguns dispositivos utilizam sal de nicotina em vez da própria nicotina. “A indústria faz a manipulação química, adicionando ácido benzóico, formando o sal da nicotina. Isso potencializa a ação da substância que é causadora de dependência.”

Com mais de 16 mil aditivos identificados, que dão cheiro e sabores, o produto se torna mais agradável do que o da nicotina sozinha, que irrita as vias respiratórias e dificulta o primeiro consumo dos jovens, afirma Carvalho.

“Os aromas e gostos tornam o produto palatável, gostoso e agradável”

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