É TDAH ou desinformação? Como não errar o diagnóstico na infância

Ao mesmo tempo em que vídeos nas redes sociais dão visibilidade ao transtorno podem induzir a diagnósticos errados

Alice de Souza Publicado em 17.03.2023
Foto de uma mulher e uma menina sentadas no sofá olhando para um celular. Ambas são negras e vestem roupas claras
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Resumo

Especialistas explicam como reconhecer os sintomas mais comuns de TDAH e, contra a crescente busca por conteúdos sobre os sintomas e testes on-line, alertam que um diagnóstico correto prescinde de laudos médicos.

O TDAH viralizou. A popularidade da sigla, que remete ao Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, quadruplicou nas buscas do Google nos últimos cinco anos. No TikTok, são cerca de 1,9 bilhão de visualizações em vídeos marcados com a hashtag #tdah. Se de um lado a superexposição tem criado comunidades de acolhimento e ajudado a desestigmatizar o debate sobre saúde mental, por outro, essa popularização requer cuidado para não se banalizar e induzir a falsos diagnósticos, comprometendo o desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Quando uma pessoa acessa um conteúdo sobre o transtorno nas redes sociais, ela pode encontrar de tudo, de relatos pessoais a listas com as principais características. Muitos podem se perguntar: “será que eu ou meu filho tem TDAH?“. Não à toa, entre 2018 e janeiro de 2023, as buscas relacionadas ao assunto no Google brasileiro concentram-se em saber os sintomas, como identificar o transtorno na adolescência e como achar testes grátis.

Muitos resultados das pesquisas, entretanto, não têm base científica e podem levar as pessoas ao erro. Um estudo publicado no The Canadian Journal of Psychiatry descobriu, por exemplo, que dos 100 vídeos de TDAH mais vistos no TikTok, metade continha informações enganosas. A maioria afirmava que sintomas comuns a transtornos psiquiátricos como ansiedade, depressão e mudanças de humor eram específicos do TDAH. Cada um dos vídeos pesquisados tinha, em média, três milhões de visualizações, e apenas 21% deles continha informações cientificamente corretas sobre o transtorno. Diante da avalanche de informações e desinformação, é cada vez mais urgente estar atento para separar o joio do trigo e, em caso de dúvida, procurar sempre a avaliação de um profissional.

TDAH é genético? Como identificar os sintomas

Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), o TDAH acomete de 5% a 8% da população mundial. A maioria dos casos em crianças ocorre por genética. Se um dos pais tem o transtorno, a chance do filho ser diagnosticado com TDAH é de 75%. Mas existem fatores ambientais que podem contribuir para o quadro, como baixo peso ao nascer, exposição ao chumbo, ingestão de álcool ou tabaco durante a gestação.

Sem um exame específico para detectar o transtorno, o diagnóstico é feito a partir da observação e avaliação profissional, com o auxílio de testes e escalas. Os sintomas costumam aparecer na infância e adolescência, geralmente sendo diagnosticados entre 6 e 12 anos. Há três características prevalentes nas pessoas identificadas com o transtorno: desatenção, hiperatividade e impulsividade. “São crianças agitadas, do ponto de vista motor. Elas têm dificuldade de controle de impulso, inclusive de impulso emocional, e dificuldade de modular a atenção”, afirma a pediatra Ana Márcia Guimarães Alves, membro do Departamento do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

A impulsividade pode ser identificada, por exemplo, quando uma criança tem facilidade de se colocar em risco. Também são sinais de alerta crianças com dificuldades escolares, que não acompanham a turma, não concluem as tarefas escolares e domésticas, evitam esforço mental e têm dificuldade de prestar atenção durante uma conversa. Elas também podem ser desorganizadas e ter autoestima baixa, quando afirmam ou acreditam com frequência não conseguirem realizar atividades.

Há ainda aquelas que agitam muito as mãos e os pés, não conseguem ficar sentadas por muito tempo, têm dificuldade para se envolver em atividades calmas, falam excessivamente e interrompem as pessoas. Esses comportamentos são sinais quando acontecem em mais de um espaço de interação e atravessam o período de tempo.

“O TDAH é uma disfunção que afeta o controle do tempo e as consequências das nossas ações, pois atinge as funções executivas, nossas habilidade de planejar, organizar, controlar o nosso cérebro”, acrescenta Mônica Siqueira, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.

Segundo ela, não há um padrão, ou seja, o tripé de comportamentos que caracteriza o TDAH pode acontecer com predominância de um dos sintomas e precisa ocorrer com intensidade e frequência altas, causando prejuízos à rotina. “A criança pode ser inquieta e agitada desde o nascimento, mas, para fazer o diagnóstico, eu preciso do prejuízo. Muitas vezes, pela idade, não dá para identificar o comprometimento acadêmico ou social. Então, o diagnóstico não é feito”, detalha Alves. Para fazer uma avaliação, os pais podem procurar um pediatra especialista em comportamento e desenvolvimento, um neuropediatra ou um psiquiatra da infância e adolescência. O ideal é que o diagnóstico seja multiprofissional. O TDAH não é uma doença e não tem cura.

É ou não é TDAH?

Apesar do burburinho na internet nos últimos anos, não houve um aumento de casos de TDAH. “O que a gente vê são mais diagnósticos informais do que aqueles verdadeiros, com laudos científicos. A prevalência mundial do transtorno não aumentou”, afirma a pediatra Alves.

“Com o Instagram, as pessoas passaram a compartilhar as histórias abertamente e as informações se espalharam. Além disso, o TDAH passou a ser explicado não apenas como um problema só de atenção, mas de autorregulação. Os vídeos sobre isso circularam, e as pessoas se identificaram”, explica a psicóloga Maira Roazzi, mãe de uma criança com TDAH e criadora de um curso para cuidadores sobre o tema.

Ela também acredita que a pandemia contribuiu para uma busca maior por diagnósticos, pois muitos cuidadores puderam ver, em casa, as dificuldades de aprendizagem dos filhos. “Nunca avaliei tanto como depois da pandemia”, acrescenta Roazzi. A pediatra alerta também que alguns fatores, ainda sem estudos comprovando, estariam relacionados ao TDAH: parentalidade ausente, negligência das famílias, uso excessivo de telas, falta de sono e de disciplina.

“Isso tem gerado crianças agitadas, irritadas, intolerantes, impacientes, mas não é TDAH”, alerta Alves.

Na visão de Siqueira, há ainda outro fator que contribui para a busca por diagnóstico: a ruptura do preconceito. “Antes havia a recusa em aceitar que um filho ou parente pudesse não estar dentro do desenvolvimento padrão”, afirma.

Como acompanhar meu filho diagnosticado com TDAH?

A dona de casa Estefânia Leal, de 40 anos, mãe de Davi, 8, começou a perceber que havia algo diferente no comportamento do filho quando ele tinha quatro anos, pois o menino demorava muito, do ponto de vista dela, para fazer as atividades. “Eu acreditava que era por causa da idade, mas comecei a notar também dificuldade na alfabetização, na pronúncia”, diz a mãe. Moradora do Crato, no Ceará, ela foi alertada pela professora a buscar um profissional para confirmar.

Procurar ajuda profissional é tão importante quanto envolver a escola no processo de descoberta do transtorno. Uma vez identificado, o TDAH precisa de acompanhamento, sobretudo porque pode vir acompanhado de outras comorbidades. Estima-se que 45% das crianças com o transtorno têm alguma comorbidade associada, sendo as mais comuns transtorno de aprendizagem, dislexia e transtornos de linguagem. Em 10% dos casos, pode haver a combinação de três ou mais comorbidades.

Se não tratado de maneira adequada, o TDAH pode levar a mais chances de morte prematura, uso de substância ilícitas, gravidez na adolescência, acidentes de carro e divórcio na vida adulta. “A criança que tem o transtorno tem dificuldade de se relacionar com os seus pares, exatamente por esse comportamento exacerbado que elas manifestam, e então passa por rejeição com muito mais frequência”, afirma Siqueira. Muitas crianças podem ser classificadas como indisciplinadas ou mal educadas, o que agrava a relação dela com o mundo.

Aliás, esse é um dos atuais enfrentamentos de Leal. “Muita gente não entende, acha que é birra, acha que a criança é assim porque a mãe não impõe moral. É uma situação delicada, você ouve isso até dentro da própria família”, afirma ela, que descreve o filho como “uma criança sem paciência, que quer participar das conversas e não gosta de ser contrariada”. Leal precisa cuidar do filho só, pois o pai trabalha viajando. “Ser mãe solo e cuidar de uma criança assim é muito difícil”, complementa. Em seu tratamento, além de medicamentos, Davi é acompanhado pela psicopedagoga da escola e por uma psicóloga particular. “É importante no caso dele para assimilar conteúdos e as coisas que acontecem no dia a dia”, esclarece a mãe.

No geral, o acompanhamento vai depender da idade da criança, dos prejuízos causados pelo transtorno e da presença de alguma comorbidade. No caso de uma dislexia associada, por exemplo, será necessário uma fonoaudióloga. O tratamento, entretanto, na maioria dos casos é uma combinação entre medicamentos e psicoterapia. “No momento em que é diagnosticada e tratada de forma correta, a criança terá qualidade de vida. A questão é que nem todo mundo está preparado para lidar com esse comportamento”, ressalta Siqueira.

Na escola, há algumas estratégias pedagógicas que podem ser implementadas: colocar a criança na primeira fila, fragmentar o assunto e trazer primeiro o conteúdo mais denso. “É deixar a criança confortável, não constrangê-la”, acrescenta Siqueira. Um dos desafios para a escola é lidar com o bullying que pode surgir em função do comportamento das crianças.

O TDAH na escola

  • Não enfatizar os fracassos do aluno
  • Promover o encorajamento verbal
  • Sentar próximo a pessoas dispostas a colaborar
  • Deixar somente o material necessário em aula em cima da bancada
  • Dar instrução de forma segmentada, seriada e multissensorial
  • Executar as tarefas em grau de dificuldade adequado para suas necessidadesFontes: Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) e Cartilha de Inclusão Escolar, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

Em relação ao bem-estar, o contato com a natureza pode ser uma das ações complementares para minimizar os sintomas do transtorno, como mostrou um estudo publicado por Siqueira com as pesquisadoras Jane Marcia Mazzarino e Aida Figueiredo.

A pesquisa mostrou que estar ao ar livre contribui para a aprendizagem e também para minimizar os sintomas do TDAH, ao comprovar um salto qualitativo nos aspectos cognitivos, afetivos e sociais das crianças diagnosticadas após a realização de atividades desta natureza. “Esse pode ser um recurso para quem precisar retomar a calma, a autoconfiança e a concentração. A natureza apresenta situações desafiadoras, promove a curiosidade e desperta o entusiasmo”, diz a doutora.

De maneira geral, ao lidar com uma criança com TDAH, o importante é entender que o comportamento dela não é intencional ou controlado. A paciência e a empatia são qualidades fundamentais para lidar com uma pessoa com o TDAH, para aceitar que nem tudo sairá como o esperado. Por isso, o ideal é que o entorno da criança se prepare, foi o que aprendeu na prática a psicóloga Roazzi, mãe de Lucas, 12, identificado com o transtorno.

Quando o filho entrou na pré-escola, apresentou dificuldade na memorização e na contagem dos números, o que a levou a pensar, inicialmente, num diagnóstico semelhante ao da irmã, que tem dislexia. Até iniciar o processo formal de aprendizagem, que demandava maior concentração, ela percebeu o menino mais ansioso. Foi quando a professora a acionou. “No primeiro ano da escola, ele já estava na fonoaudióloga, que sugeriu confirmar o diagnóstico de TDAH”, lembra.

A certeza veio após análise dos laudos da escola e da psicoterapeuta, por meio de uma psiquiatra, que também confirmou a dificuldade de Lucas para escrever. “Na pandemia, por exemplo, foi muito difícil, porque ele não fazia nada sozinho. Se sentia muito inseguro. Eu precisei ficar exclusivamente dedicada a ele”, conta. Hoje, o menino está numa escola que o permite fazer provas adaptadas, entre outros suportes. E não toma medicação, por decisão da família.

No começo, sem saber como lidar, Roazzi foi em busca de terapia. “Fiz terapia por muitos anos, para me fortalecer. Nesse processo, fui aprendendo sobre autorregulação para conseguir dar limites a ele”, conta. Além disso, uma maior constância de crianças chegando com o quadro no consultório dela, a levaram a se especializar no tema e, hoje, tem um curso de treinamento parental para famílias de crianças com TDAH. Ela diz aos pais: “é raro uma pessoa com TDAH com uma boa autoestima. Falhar, na vida deles, faz parte. A gente não tem como blindar a criança do mundo. Então, é preciso entender esse filho, se preparar emocionalmente para viver com ele, e oferecer acolhimento”.

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