Divórcio entre os pais: vão-se as relações, ficam os filhos

Em uma separação, é comum que as crianças sofram durante o processo, porém existem formas de lidar com isso, respeitando os sentimentos e o protagonismo delas

Cintia Ferreira Publicado em 16.08.2021
Divórcio para os filhos: foto de um homem abraçando uma criança, em primeiro plano. Atrás, uma mulher sentada os observa.
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Resumo

A separação de casais sempre causará impacto na vida dos filhos. Contudo, a forma como o processo é conduzido que define suas consequências à saúde das crianças. É importante respeitar os sentimentos delas e reforçar o diálogo na rotina de ambos os pais.

Às vezes, é o amor que acaba. Em outras situações, é a rotina que massacra o romantismo. Outras tantas, são as diferenças. E os motivos podem ainda ser outros, tantos outros. Em todas as situações, há muita dor envolvida. Quando um casal decide se separar, é o fim de uma parceria. Não bastassem todas as dificuldades que acompanham o divórcio, ele pode ser ainda mais desafiador se nessa conta existirem filhos em comum. Daí a preocupação não é somente em superar a dor para seguir em frente, mas em como fazer isso sem impactar negativamente a vida das crianças. É possível tornar esse processo menos traumático para elas? 

O processo de separação dos pais é dolorido para toda criança, porque é a quebra da família e uma reestruturação de sentimentos e vida prática”, explica a neuropsicóloga do Autonomia Instituto, Bárbara Calmeto. Ela detalha que quanto mais jovem for, maiores serão as dificuldades que a criança terá no processo. “Todas as idades sentem bastante. Mas os pequenos, com até cinco anos, que estão acostumados com uma configuração familiar e ainda não entendem verbalmente tudo que está acontecendo, acabam apresentando mais dificuldade para externar e lidar com essa nova realidade”, diz. 

Mudanças no comportamento

A pedagoga Tarsila Cimino, mãe do Antônio, 6, moradora de São Paulo (SP), conta que logo que decidiu se separar, notou mudanças no comportamento do filho. “Ele ainda era muito pequeno, tinha menos de 1 ano, então não tem memória de pai e mãe juntos. Mas, na época, eu percebi que ele se ressentia quando ficava longe de mim, quando precisava ir para a casa do pai. Ele voltava e queria ficar grudado”, lembra. 

Situações como a que Tarsila relata são comuns. Mas cada criança reage de um jeito. É quando pode entrar em cena uma regressão no comportamento, no caso dos pequenos. Por terem mais dificuldade para verbalizar sentimentos, as reações podem ser percebidas de outros modos. Como voltar a fazer xixi na roupa, querer mamar ou chupar chupeta. Na fase pré-escolar, podem ocorrer somatizações, como uma dor de barriga ou de cabeça, alterações de humor, sono e apetite. No caso dos adolescentes, é possível surgirem oscilações de humor, agressividade e isolamento. 

 “Assim como qualquer mudança, uma separação familiar pode estimular muitos sentimentos, e cada criança ou adolescente vai reagir à sua maneira”, explica a neuropsicóloga. 

“As crianças ou adolescentes podem apresentar sentimentos, como tristeza, raiva, solidão. Ou até acharem que são responsáveis pela ruptura”

A hora da conversa

Decisões difíceis de tomar também são difíceis de conversar. Contudo, embora seja um desafio, essa conversa precisa acontecer da forma mais honesta e aberta possível, caso contrário o impacto pode ser pior. 

“O desconhecimento sobre a nova forma de vida que irá se estabelecer pode deixar a criança mais ansiosa”, esclarece Bárbara.

“Não saber como será sua rotina, com quem vai morar, quantas vezes poderá ver a mãe ou o pai, falar ao telefone com cada um deles, se terá de mudar de escola. Todas essas dúvidas abrem espaço para que fantasias sejam geradas, nas quais cenários de abandono e sofrimento podem aparecer.” 

A neuropsicóloga recomenda que os pais conversem com as crianças para explicar como a vida seguirá, discutindo os novos acordos e horários. Além de abrir espaço para sugestões, questionamentos e algumas mudanças, caso necessário. “A rotina vai mudar, obviamente, mas o amor não muda.”

“A segurança se estabelecerá novamente quando a criança perceber que a presença de ambos está mantida e o vínculo preservado”

O apoio profissional para a criança

O advogado Douglas Costa explica que o ideal é sempre levar o filho a um psicólogo. “Assim os pais podem, com apoio do profissional, conversar, buscando mostrar que a criança não terá os dois no mesmo endereço. Mas ganhará outras coisas, sempre enfatizando o que pode vir de bom desse momento difícil”, aconselha. 

Em algumas situações, segundo ele, pode ser difícil fazer isso, principalmente em situações de divórcio litigioso (quando não há consenso sobre a separação e a via escolhida é por processo judicial). 

“Em ambos os casos, é muito importante que um genitor não inicie uma ‘disputa de amor’ com o outro, nem passe a manifestar sua frustração na frente dos filhos”, completa.

A separação é dos pais, e não da criança. O que pode parecer um mero detalhe, acaba impactando e muito na forma como tudo se desenvolve. “O problema maior aqui é quando há abandono de uma das partes, sendo mais comum ser por parte do pai. Essa questão de que o rompimento é do casal faz uma enorme diferença se todos entenderem ao pé da letra o que isso significa: os pais se separaram, não vão ter mais convívio juntos, vão ter outra família, mas a criança não será separada deles. Ela viverá com ambos, que continuarão sendo seus pais, amando-a”, observa a neuropsicóloga Bárbara.

As burocracias do divórcio com filhos

Finalizada a conversa, é hora de partir para a prática. Existem muitos aspectos legais que devem ser levados em consideração durante o processo de separação ou divórcio. Um dos mais importantes é sobre com quem o filho ficará. Ele pode escolher? “Existe o entendimento de que a partir de certa idade, convencionou-se 12 anos, a criança deve ser ouvida sobre o que deseja. Mas, esse critério precisa ser utilizado com cuidado. Sempre com laudos periciais específicos, pois, mesmo que a vontade do menor seja considerada, isso não quer dizer que deva ser obedecida. Pois o genitor escolhido pelo menor pode não ter os requisitos necessários para cuidar dele”, esclarece o advogado. 

“A situação em que a criança tem de escolher um lado sempre causa muito sofrimento e deve ser evitada”

Outra questão que gera muitas dúvidas é sobre a guarda. Via de regra, existem dois tipos: unilateral e compartilhada. A primeira ocorre quando a guarda fica somente com um dos pais, sendo que este tem o direito de tomar as decisões na vida da criança, sem a participação direta do outro. “É importante salientar que esse formato não exclui o genitor que não detém a guarda das decisões, mas permite ao outro resolver problemas sem a sua participação”, observa o advogado. Já na guarda compartilhada, ambos os pais têm o direito e o dever de decidir as questões que afetam a vida do filho, sendo necessário que os dois sejam sempre ouvidos nessas ocasiões. 

Além da guarda, em um processo legal de separação, é necessário também estabelecer o valor da pensão alimentícia, como se darão as visitas e até mesmo questões mais complexas, como inventário, caso o casal tenha construído um patrimônio junto. 

A cura pela troca de experiências

Quando Tarsila se separou, sua grande preocupação foi tentar minimizar os impactos negativos na vida do filho. “Foi um processo tão difícil para mim. Tive que me reestruturar como mulher, ser humano, profissional. A minha vivência como pedagoga me fez presenciar inúmeros casos de alunos que viram os pais se separarem e notei que, geralmente, os adultos lidam mal com isso e as crianças sofrem muito. Não queria que com meu filho ocorresse o mesmo. Então tentei, ao máximo, tomar cuidado na condução de todo processo”, conta. 

Na época, ela percebeu que ninguém falava sobre divórcio nas redes sociais e blogs que acompanhava. Por isso, ela resolveu criar um espaço para dividir experiências e dar dicas de como os pais podem fazer, nessa situação, para tornar o processo mais saudável para as crianças. Assim, criou o blog Meu Tom Maternal, o Instagram e um podcast – o “Vida pós divórcio”, onde divide o microfone com Michele Martins, mãe do Bento, 4.

Separados como casal, mas unidos como pais

A separação finaliza a vivência como casal, mas os laços como pais continuarão vivos dali para frente. Por isso, é essencial que ambos saibam agir com maturidade nessa hora. Uma medida importante é evitar discutir ou fazer disputas na frente dos filhos, reorganizar a rotina e manter um padrão de decisões para que a criança se sinta segura. 

Os filhos devem ter seu espaço na casa de cada um, com seus objetos pessoais e preferidos. A guarda compartilhada pode sim ser acordada entre os pais. Desde que estes se proponham a manter uma rotina confortável para o filho. O que não deve é haver regras em uma casa e não em outra, ter limites para atividades e uso de telas em uma casa, e não na outra”, alerta a neuropsicóloga. 

“As regras e normas devem ser padronizadas e mantidas em todos os ambientes da criança. Para que ela generalize e realize essas flexibilizações com maior segurança emocional”

“Esse é o maior impacto que noto no comportamento do Tom hoje. As diferenças de rotina que existem nas duas casas em decorrência dos hábitos de vida diferentes que temos”, conta Tarsila. Ela explica que eles tentam ao máximo alinhar, mas no dia a dia acaba sendo complicado. Hoje o filho faz terapia para auxiliar em todo esse processo. 

Mãe e pai sempre existirão

A dor que existe em uma separação é inevitável, mas as formas de lidar com ela é que vão pontuar o grau de sofrimento e os impactos futuros. 

“Quem se separa é o casal, os pais ficam juntos dentro da criança”

“Essa é uma noção importante que a criança precisa saber: somente o casal teve problemas e se separou. E o ex-casal deve aprender a separar-se respeitando um ao outro, não colocando o filho no meio dos problemas ou ao seu lado e contra o outro”, diz Bárbara. 

“Eu noto que a criança de pais separados, desde que não seja exposta a agressões ou na ‘guerra’ entre o casal, ganha em flexibilidade e adaptabilidade. O processo de separação é muito doloroso, mas passa. Não podemos direcionar nossa raiva ao ex-companheiro”, aconselha Tarsila.

“Precisamos sempre buscar o caminho no qual a protagonista da história é a criança”

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