De RBD a Taylor Swift: quais os limites para um fã na infância?

Ter alguém para admirar e se inspirar faz parte da formação de muitas crianças e adolescentes. Mas até onde ser fã de alguém é saudável?

Célia Fernanda Lima Publicado em 24.11.2023
Imagem mostra uam arte com fotos da banda RBD e o show da cantora Taylor Swift conversando com um fã na beira do palco.
OUVIR

Resumo

A mobilização de milhares de fãs de artistas internacionais que passaram pelo país recentemente fez muita gente lembrar da infância e adolescência. Nessa fase, é normal ter um ídolo, mas como a família pode orientar para que a admiração não gere prejuízos para a rotina?

Quem nunca esperou pelo lançamento de uma música, um filme, um livro ou então vibrou com aquele gol do jogador preferido? Ter ídolos na infância e na adolescência faz parte do desenvolvimento de quem está formando novos interesses e buscando fazer parte de grupos.

Depois de 15 anos, Jeniffer Yara conseguiu ver ao vivo a banda mexicana RBD, que se apresentou no Brasil na última semana. “Fiz um tributo ao voltar à minha pré-adolescência ali no show. Foi a primeira vez que vi eles de perto”, conta a professora. Além da alegria, ela diz ter sentido respeito à pessoa que ela se tornou e que ainda alimentava o sonho de menina depois de tanto tempo, de poder cantar as músicas preferidas com a banda de seu coração. “Apreciar a arte deles fez a transição da minha infância e adolescência ser um pouco menos difícil”, conta.

“Superei relacionamentos tumultuados, atravessei uma depressão e celebrei a vida com amigos. A maior declaração de amor era quando alguém mandava áudio na balada porque estava tocando Taylor Swift e a minha falta foi sentida”, declarou a jornalista e criadora de conteúdo Clara Novais, ao falar, em seu Instagram, da experiência como fã da cantora americana que também reuniu multidões em sua passagem pelo país. “As músicas intensas se encaixavam perfeitamente nas minhas fantasias românticas”, recorda.

Mas até onde a admiração é saudável e quais os pontos positivos e negativos em acompanhar um ídolo? Os questionamentos surgem depois dos episódios trágicos de desmaios, violência, ansiedade e até a morte de uma fã de Taylor Swift, no show do Rio de Janeiro, relacionada à onda de calor.

Ter um ídolo pode ajudar a se expressar e a pertencer

Depois de ter os pais e cuidadores como principais fontes de inspiração na infância, os adolescentes estão na fase de buscar outras referências, explica a psicóloga Débora Duarte, especialista no atendimento de adolescentes e famílias. “Nessa busca, os ídolos aparecem como uma pessoa para admirar e achar interessante ou que represente algo que se almeja”, diz. Além disso, ser fã de alguém e até fazer parte dos chamados “fadom” (ou fã-clube, como no passado), também desperta o sentimento de pertencer a um grupo.

A adolescência é o período de formação da identidade e descobertas. Então, o adolescente busca entender “quem ele é, do que gosta, como se vê no mundo e como as outras pessoas o vêem”, explica Duarte. “Por estarem nessa busca intensa, há uma necessidade de identificação e pertencimento. Quando escolhemos ídolos, automaticamente passamos a fazer parte de uma tribo, e isso contempla nossa necessidade emocional por um sentimento de pertença”.

Jeniffer se aproximou de um grupo de amigos na pré-adolescência justamente para acompanhar o RBD. “Ser fã [da banda] me conectou com amizades, principalmente na escola. E também com parte da minha família, com minhas primas. A gente conversava e ouvia as músicas junto”, lembra.

Outro lado interessante de acompanhar um ídolo é aprender a se expressar. “Às vezes, a criança ou o adolescente não consegue expor muito bem o que está sentindo ou pensando. Então, essa relação de admiração favorece a autodescoberta e a expressão de ideias que eles defendem, mas não sabem como dizer”, ressalta a psicóloga.
Na outra ponta, contudo, essa é a faixa etária mais atingida pela influência de um ídolo, segundo pesquisa. Os pré-adolescentes são influenciados pelo estilo das roupas ou pelo consumo de produtos com a marca dos artistas, por exemplo.

Após a morte de Ana Clara Benevides, durante o show de Taylor Swift, no Rio de Janeiro, fãs se mobilizaram para acionar as autoridades públicas a modificarem as regras estabelecidas pelas empresas que organizam grandes shows. Eles fizeram um abaixo-assinado para um projeto de lei que garante a distribuição gratuita de água em dias de calor intenso. A iniciativa levou a Secretaria Nacional do Consumidor a publicar uma portaria para garantir esse direito.

Quando se preocupar com o fanatismo exagerado?

Ser fã de algum artista não é problema, até porque isso é esperado, principalmente na adolescência, diz Duarte. Mas, quando esse “fanatismo” resulta em comportamentos que afetam a rotina e a saúde, a família precisa ficar atenta. “Estamos falando de prejuízos significativos. Atrasar um dever de casa porque estava vendo um show, por exemplo, até que não tem problema. Mas se começa a apresentar comportamentos disfuncionais, que geram sofrimento para si e para a família, podemos entender como algo problemático.”

Portanto, é um sinal de alerta se deixam de cumprir suas responsabilidades ou de fazer atividades extras para só ficar buscando informações sobre o ídolo. E, no contexto em que as redes sociais nos aproximam de quem admiramos e é mais fácil acessar suas atualizações instantâneas, acompanhar um ídolo pode tomar bastante tempo.

O sentimento de ansiedade e medo de perder alguma informação ou ficar sem saber o que está acontecendo com alguma pessoa ou grupo que você faz parte tem nome. A síndrome de FOMO, sigla que vem do inglês “fear of missing out”, significa “medo de ficar de fora”.

Para aplacar a vontade de saber sobre a vida do ídolo o tempo todo, vale conversar sobre limites para o uso consciente de telas, recomenda a psicóloga. “É importante explicar que as redes sociais são pensadas para serem usadas ainda mais. O algoritmo vai sempre direcionar para páginas e vídeos do interesse do usuário, e essa é a grande questão por que as famílias têm muita dificuldade em tirar o adolescente das telas e poucas estratégias para ajudá-lo a regular o tempo”, diz.

Além de estar atento para oferecer outras referências além do conteúdo relacionado ao ídolo que meninos e meninas querem ver, Duarte pondera: “Ter ídolos faz parte do processo e é saudável para se conhecer e criar conexões, mas é bom orientá-los a nunca se expor a riscos extremos por quem eles admiram”.

Leia mais

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS