Educação ambiental: preparando crianças para desafios do futuro

Garantir o amanhã é repensar as ações de hoje; segundo especialistas, não é mais possível desconectar infância, meio ambiente e futuro

Camilla Hoshino Publicado em 05.06.2020
Imagem de menina negra sorrindo enquanto rega as flores em um jardim. Texto sobre educação ambiental
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Resumo

O sistema baseado na produção e no consumo conduziu o mundo a uma crise ambiental, sendo a mudança climática seu fenômeno mais evidente. É preciso educar crianças para os desafios desse futuro, estimulando a sustentabilidade como hábito e criando cidadãos ativos.

A crise climática tem, cada vez mais, colocado em xeque o modelo de vida e o tipo de consumo estimulado nos últimos séculos. “Os efeitos climáticos extremos já estão mudando as temperaturas e as estações do ano, e isso terá impacto direto na nossa produção de comida e no acesso à água”, atenta a pesquisadora e presidente da organização Plant-for-the-Planet Brazil, Evelyn Araripe. Segundo ela, é urgente trazer educação ambiental e sustentabilidade para as crianças lidarem com os desafios do futuro, que irão exigir transformações na maneira de pensar e agir.

Com o objetivo de sensibilizar a população sobre a importância da preservação ambiental, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 5 de junho como o Dia Mundial do Meio Ambiente. A palavra-chave eleita pela organização para a campanha de 2020 é “biodiversidade”, valor que traduz a variedade natural necessária para a manutenção das florestas, mas que também se cultiva na convivência social por meio do cuidado.

Como a crise climática afeta as crianças
As crianças são as mais vulneráveis diante da intensificação das mudanças climáticas. De acordo com um estudo de 2018 publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos uma entre quatro mortes de crianças estão associadas a riscos ambientais. Além de doenças respiratórias causadas diretamente pela poluição do ar e aumento das ondas de calor, eventos climáticos extremos têm sido a maior causa do deslocamento forçado das populações mais pobres no mundo.

Conhecer para preservar

“Como vou cuidar daquilo que eu não conheço?”, questiona Evelyn. Se o futuro pede jovens mais conscientes do seu papel no mundo e preparados para lidar com as dificuldades de acesso aos recursos naturais, é preciso, antes de tudo, que eles resgatem a vontade de estar perto da natureza e de preservá-la.

Mas não adianta estimular o convívio da criança com a natureza se estes espaços são escassos nos centros urbanos. Por isso, Evelyn ressalta que é preciso pressionar por políticas que ampliem e estimulem o acesso da sociedade a áreas verdes nas cidades, já que esse movimento dificilmente acontece por iniciativa das próprias famílias. “As áreas verdes devem estar equipadas para estimular o aprendizado entre as crianças, com trilhas sensoriais, espaços recreativos, instrumentos interativos e lúdicos”, explica. Por outro lado, ela sugere quebrar os estereótipos que associam natureza a lugar de terra suja e bicho perigoso.

Prescrição médica: natureza
Em todo o mundo, mães, pais, avós, crianças e adolescentes têm recebido receitas um pouco diferentes após consultas médicas, como andar de bicicleta, fazer uma caminhada ao ar livre ou tirar um tempo para relaxar no parque. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda o convívio com a natureza, também defendido pelo pesquisador e fundador da Children & Nature Network, Richard Louv. Não se trata de prescrições no sentido legal, mas recomendações gerais de saúde e bem-estar. “A natureza pode ser entendida como aliada no tratamento do déficit de atenção, ansiedade e até depressão, já que são diagnósticos crescentes entre crianças e adolescentes”, explica Evelyn.

Na opinião da diretora-executiva do World Resources Institute (WRI) no Brasil, Rachel Biderman, permitir o engajamento da criança com a natureza é questão de saúde pública e deve ser prioridade dos governantes, especialmente considerando que 80% da população brasileira vive hoje em centros urbanos.

“Vivenciar o verde em família ou em grupo serve para fomentar empatia, colaboração e cooperação. O verde aproxima, acalma e eleva a qualidade das conexões humanas”

Escola, educação ambiental e sustentabilidade

A educação ambiental não se restringe a professores de ciência, campanhas de reciclagem ou “dia da árvore”. A proposta defendida por Evelyn é que o meio ambiente seja um tema transversal dentro dos currículos escolares, trabalhado por todas as disciplinas ou de forma abrangente nos espaços de convivência escolar.

Em 2017, uma ação da Plant for the Planet Brazil ajudou a implementar uma pequena agrofloresta na Escola Municipal Sócrates Brasileiro, no Jardim Catanduva, em São Paulo. Como o plantio foi realizado pelas crianças, elas se interessaram pelo crescimento das árvores, pela colheita de alimentos e pelos animais que se aproximavam do local. “A agrofloresta se tornou um grande livro aberto”, ressalta.

“Os jovens mais engajados com a preservação ambiental são aqueles que tiveram uma infância conectada com a natureza”, afirma. É o caso, por exemplo, da brasileira Catarina Lorenzo, de 12 anos, que foi à Nova York, ao lado de Greta Thunberg, denunciar às Nações Unidas os países que não estavam cumprindo compromissos assumidos no Acordo de Paris. Em entrevista ao Lunetas, realizada em 2019, Catarina conta que foi observando a morte dos corais no fundo do mar, durante um mergulho, que teve um dos grandes alertas sobre os efeitos das mudanças climáticas.

Revendo hábitos de consumo dentro de casa

A pandemia de Covid-19 trouxe uma oportunidade de reflexão sobre o modelo de vida atual, especialmente das grandes cidades. “A sociedade de hiperconsumo que construímos não trouxe igualdade de acesso, gerou abismos entre grupos humanos e mais conflitos”, afirma Rachel Biderman.

Desse forma, o exercício de repensar a saúde financeira, emocional e ambiental pode começar dentro de casa. Grande parte das ações está relacionada ao consumo: economizar água e energia elétrica, comprar menos carne, gerir adequadamente os resíduos e optar por materiais ambientalmente menos agressivos.

Por um brincar mais sustentável
Em 2019, um monitoramento de canais pagos realizado pelo programa Criança e Consumo identificou que 71% da publicidade infantil é destinada a brinquedos. Considerando que, em todo o mundo, 90% dos brinquedos são feitos com plástico, é possível calcular o impacto de uma infância estimulada pelo consumo de passatempos descartáveis. E se as crianças soubessem que das 25 milhões de toneladas de lixo que chegam ao mar, 60% a 80% são plástico? O Lunetas publicou esta série de brincadeiras sustentáveis para estimular atitudes conscientes desde cedo.

A cicloativista e jornalista Aline Cavalcante, da Coalizão Clima e Mobilidade Ativa, está na lista das cinco visionárias urbanas na América Latina, segundo a revista America’s Quartely. Mãe do Cauê, de 4 anos, para ela sustentabilidade é prática e rotina. Usar a bicicleta como meio de transporte; consumir, sempre que possível, alimentos orgânicos ou de produtores locais; conversar sobre a origem dos alimentos com o filho; escolher desenhos animados ou livros que abordem a questão ambiental; frequentar feiras de economia solidária – onde encontra roupas e brinquedos reutilizados – são formas de, desde cedo, transformar práticas sustentáveis em hábito.

“Tento mostrar de forma lúdica que tudo está conectado: cidade, campo, floresta”

Criando cidadãos ativos

A máxima da ativista ambiental Greta Thunberg pode ganhar força: “Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença”. Mas, se a sociedade quer conhecer jovens inspiradores e engajados como a sueca que iniciou uma greve global pelo clima, terá de fazer as pazes com a política. Isso não significa, necessariamente, como defende Aline Cavalcante, participar da política institucional, mas entender que qualquer escolha pessoal impacta diretamente a sociedade e o meio ambiente.

“Todas as ações têm impacto. O desafio é como diminuí-lo, já que somos muitos. Acredito na força do exemplo, na referência que posso ser para o meu filho”

Pedalando com o filho por praças, parques e rios, Aline vivencia o potencial educativo dos espaços públicos da cidade, construindo um repertório de cidadania, convivência e respeito em família. “Tudo isso é político”, dispara. Dessa maneira, ela une as ações individuais àquelas que exigem mobilização coletiva: costuma levar Cauê às reuniões do conselho participativo do bairro ou envolvê-lo nas ações de solidariedade iniciadas pela comunidade escolar.

A cicloativista acredita que desta forma está criando cidadãos conscientes para influenciar na pressão por políticas públicas, para que governos locais, prefeituras e secretarias do meio ambiente realizem projetos com orçamentos e metodologias aplicáveis, capazes de gerar escala.

“Que haja mais Gretas. Queremos jovens de diferentes nacionalidades, raças e etnias ocupando espaços de lideranças. Esse é um trabalho geracional”

Como alertou o líder ambiental Ailton Krenak, em seu livro “O amanhã não está à venda”, o planeta dá sinais de que não está suportando a demanda e a sustentabilidade apenas como discurso. A pandemia do coronavírus é, nas palavras do autor, “um anzol nos puxando para a consciência”. Pensar no futuro é pensar nas ações de hoje, relacionando como escolhas individuais levaram a humanidade a este ponto. Ao mesmo tempo, Krenak defende uma nova ética: “As mudanças já estão em gestação.”

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