Estudantes contam como melhorar as ações afirmativas nas escolas

Adolescentes do ensino médio do Pará compartilham suas perspectivas sobre as políticas de governo para a equidade racial e sugerem novos caminhos

Célia Fernanda Lima Publicado em 09.09.2024
Foto de um grupo de adolescentes reunidos em volta de uma mesa. Todos usam uniforme azul e branco.
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Resumo

Alunos do ensino médio contam como as ações afirmativas podem ampliar seus direitos à educação e opinam sobre as políticas para igualdade racial em suas escolas.

Ir à escola sem sofrer discriminação, ouvir histórias sobre seus ancestrais, ter materiais didáticos de qualidade e realizar o sonho de entrar na faculdade. Esses foram alguns dos pedidos de estudantes do ensino médio para melhorar suas realidades na educação pública no Pará. O estado será o terceiro a receber a caravana do Ministério da Igualdade Racial (MIR) para discutir ações afirmativas e promoção da igualdade racial nas escolas em um contexto persistente de desigualdades no acesso à educação.

Durante os eventos, que já aconteceram no Maranhão e Mato Grosso do Sul, representantes estaduais e federais discutem como podem ampliar as práticas para a igualdade racial nas escolas de ensino médio, de educação profissional e tecnológica, e nas universidades estaduais. O Instituto Alana apoia a iniciativa por atuar diretamente na garantia de direitos de crianças e adolescentes sob a perspectiva da Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino de história africana e afro-brasileira nas escolas.
“Acumulamos experiências de escuta de crianças e adolescentes, e também na contribuição no enfrentamento às desigualdades sociais. Então, essa é uma oportunidade de apresentar aos agentes públicos algumas demandas e possibilidades de avanço em direção ao que querem esses jovens no enfrentamento ao racismo”, ressalta Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana. Sobre o encontro dos dias 29 e 30 de outubro, no Pará, ela afirma que será “um momento estratégico na formulação de políticas públicas mais justas e democráticas para os estudantes”.

Conforme mostrou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2023, estudantes pretos e pardos no ensino superior representam quase metade do total de estudantes brancos no mesmo grau de escolaridade. Ou seja, enquanto 29% de pessoas brancas, de 18 a 24 anos, estão em uma faculdade, as pessoas pretas são apenas 16%. Nesse cenário, ações afirmativas como a lei de cotas e o programa Pé-de-meia, que oferece uma poupança para estudantes do ensino médio cadastrados no CadÚnico, por exemplo, ajudam a promover equidade racial na educação. Por isso, a proposta do MIR é construir um plano de ação para cada estado, considerando as principais barreiras, mas também as práticas que já existem.

As ações afirmativas são políticas públicas para combater as diversas formas de discriminação étnica, racial, de gênero e religiosa. O objetivo é promover a inclusão social e econômica de populações historicamente excluídas dos espaços públicos e de tomada de decisão por meio do acesso à educação. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), em dez anos houve um crescimento de 167% da quantidade de estudantes brasileiros que cursaram uma graduação através das ações afirmativas.

Mas, para saber o que realmente os adolescentes precisam, além das discussões políticas, é importante ouvi-los. Assim, alunos de Belém e do interior do estado contaram suas opiniões ao Lunetas sobre as ações afirmativas e as práticas escolares para a equidade racial.

Com quem falamos?

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Ítalo Magalhães – 1º ano do ensino médio, 15 anos – Belém

“Não estudamos nas disciplinas história e cultura africana. Na verdade, é sempre pontual no dia da consciência negra.”

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Rayssa Veloso, 3º ano do ensino médio, 19 anos – Ananindeua

“O novo sistema do ensino médio poderia ter mais investimento em materiais e livros [sobre história e cultura afro-brasileira]. Assim, seria possível trabalharmos esse tema juntos porque o racismo acontece em todo lugar.”

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Polyana Monteiro, 3º ano do ensino médio, 17 anos – Belém

“Se tivesse projetos na escola abordando questões raciais e alertando, tanto pessoas pretas quanto pessoas brancas, sinto que esse tipo de coisa [racismo] não seria normalizada.”

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Jaylane Magno, 1º ano do ensino médio, 15 anos – Muaná (Ilha do Marajó)

“O [programa] Pé-de-meia me ajuda a comprar material escolar e outras coisas. Conheço um pouco das ações afirmativas pelas informações que vejo na internet, e não na escola.”

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Deyvisonn Santos, turma do EJA do ensino médio, 20 anos – Belém

“As cotas ajudam muito a ampliar a visão do que a gente pode querer para o futuro.”

O impacto das ações afirmativas nos planos para o futuro

Ítalo, Rayssa e Polyana querem estudar medicina. Deyvisonn e Jaylane miram na carreira de advogados. Todos entendem que a realização desses planos não depende só de esforço individual. Isso porque conhecem as desigualdades no acesso ao ensino superior entre alunos de escolas públicas. No entanto, enxergam nas ações afirmativas um impulso para concluir o ensino médio e entrar na faculdade.

“Todo mundo pensa em fazer o Enem, ter uma boa nota e continuar os estudos e a qualificação. Nesse sentido, as cotas ajudam muito a ampliar a visão do que a gente pode querer para o futuro”, afirma Deyvisonn. Para ele, a lei de cotas permitiu pensar melhor sobre a carreira que quer seguir e os estudos fora da cidade. “Tenho inspirações dentro da minha família de pessoas que conseguiram, por meio do sistema de cotas, estudar fora do estado e se especializar. Então, é isso que pretendo fazer também.”

Rayssa e Ítalo concordam que as ações afirmativas podem ajudar a continuar os estudos após o ensino médio. Da mesma forma, Jaylane e Polyana, que já recebem a bolsa do programa Pé-de-meia, dizem que essas ações trazem mais motivação para estudar. Enquanto Jaylane diz usar o dinheiro para comprar o material escolar, Polyana reforça que seu maior problema era não conseguir comprar as apostilas das aulas. “O Pé-de-meia me ajuda a comprar esse material, a comprar lanche quando não tem merenda na escola e às vezes até pagar alguma coisa em casa.” Ela, que pretende se inscrever no Enem a partir do sistema de cotas, diz que não gosta de chamar isso de vantagem. “É uma ajuda para quem é de baixa renda poder ingressar na faculdade.”

Racismo e preconceito: uma realidade nas escolas

Todos os estudantes entrevistados já presenciaram ou souberam de casos de racismo em suas escolas. “A gente vê que o que mais tem são os xingamentos dentro da escola. Uma vez, alguns alunos estavam brincando, mas depois começaram a se xingar de ofensas racistas. Tiveram que separar os dois”, conta Rayssa. Jaylane também relata um caso que aconteceu no Marajó. “Algumas meninas ficaram falando de uma aluna que é negra e tem cabelo enrolado. Elas brigaram, mas a escola não se pronunciou.”

Esses casos reforçam, então, a estatística de que é comum sofrer racismo no espaço escolar. A afirmação é da pesquisa Percepções sobre o racismo, feita pelo Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista). De acordo com o resultado, 38% das pessoas entrevistadas sofreram racismo na escola, faculdade ou universidade.

“Na minha sala tem umas brincadeiras de um chamar o outro de algum nome. A gente ri, mas, quando pedimos para parar, todos param”, conta Ítalo. Apesar de situações racistas serem constantes, Polyana diz que falta coragem de denunciar os próprios colegas. “Quando o racismo é visto como forma de piada, acaba que não vamos buscar nossos direitos. Sei porque sou uma pessoa preta e já vivi isso”. Para ela, a educação antirracista é fundamental para despertar a consciência em todos os estudantes. “Se tivesse projetos na escola abordando questões raciais e alertando, tanto pessoas pretas quanto pessoas brancas, sinto que esse tipo de coisa não seria normalizada.”

Iniciativas para inspirar uma educação antirracista

Embora as disciplinas de língua portuguesa e de história costumem trabalhar assuntos sobre a história e cultura afro-brasileira e indígena, os estudantes disseram que a temática geralmente fica restrita às datas comemorativas. Ou é em abril, na semana dos povos indígenas, ou em novembro, mês da consciência negra.

“Nunca presenciei debates ou algo do tipo sobre práticas antirracistas. Na verdade, os professores estão mais preocupados em dar as aulas normais”, diz Rayssa. Segundo ela, no dia da consciência negra “eles ainda levam alguns textos. Mas não vejo isso como algo regular na escola”. Ítalo concorda: “É sempre pontual no dia da consciência negra e só.”

A realidade deles se confirma nos resultados da pesquisa “Lei 10.639/03 na prática: experiências de seis municípios no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, feita pelo Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana. O estudo mostrou que 71% das secretarias municipais de educação tinham pouca ou nenhuma ação para efetivar a lei que prevê a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo escolar.

A pesquisa acompanhou práticas escolares como as de uma unidade em Belém, em que alunos participam de desfiles de beleza negra, palestras sobre personalidades negras e estudo de literatura afro-brasileira. No entanto, essas atividades ainda não estão presentes na maioria das escolas do estado.

Um professor teve que pedir autorização na escola de Deyvsonn para debater o assunto com os alunos a partir de um caso de racismo. “Só então ele conseguiu levar uma apostila sobre povos indígenas e um conteúdo sobre cultura africana e trabalhar a temática com os alunos na biblioteca por conta própria.”

Já na escola de Polyana, a referência em estudos de cultura afro-brasileira e indígena partiu de uma professora de artes, que é negra. Entre os vários trabalhos sobre o assunto, ela cita o exemplo de uma apresentação sobre a cultura e medicina indígena. Para ela, apesar dessas atividades serem importantes para a turma, faltam projetos sobre a temática racial.

O que os alunos sugerem?

Para melhorar o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, os estudantes sugerem aulas com vídeos explicativos, debates e até materiais didáticos. Rayssa enfatiza que “com o novo sistema do ensino médio, poderia ter mais investimento em materiais e livros para a educação básica. Dessa forma, seria possível “trabalharmos esse tema juntos porque o racismo acontece em todo lugar“. Já Polyana defende que “falta interesse da escola em nos mostrar mais sobre a cultura africana e indígena. De acordo com ela, “não é falta de interesse dos alunos”.

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