A história que ensinam hoje inclui negras e negros da vida real?

Pesquisa sobre a Lei 10.639 indica que 69% das secretarias de educação só falam de história e cultura afro-brasileira no período dedicado à Consciência Negra

Eduarda Ramos Publicado em 18.04.2023
Montagem com imagens em preto e branco de Gilberto Gil, Emicida, Carolina Maria de Jesus, Angela Davis e Conceição Evaristo. A imagem ilustra matéria sobre pesquisa do ensino de história e cultura afro-brasileira.
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Resumo

Apesar dos 20 anos de existência, diversos entraves dificultam a efetivação da Lei 10.639 no país. Na pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, conhecemos mais desse cenário.

Da literatura de Carolina Maria de Jesus ao feminismo afro-latinoamericano de Lélia Gonzalez, personalidades negras impactaram o Brasil que conhecemos hoje em diversas áreas. Mas será que crianças e adolescentes estão tendo acesso a essas histórias na escola ou seguem aprendendo que os protagonistas são apenas Pedro Álvares Cabral ou Vasco da Gama? É para construir futuros em que imperem o respeito, a justiça e oportunidade para todas as crianças que a Lei 10.639 estabelece diretrizes para o ensino de história e cultura afro-brasileira em salas de aula brasileiras.

Mas será que, 20 anos após a implementação dessa lei, as escolas adaptaram seus projetos pedagógicos? Diante de estruturas precárias, poucos recursos e equipes sem capacitação, a pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, realizada pelo Instituto Alana e Geledés – Instituto da Mulher Negra, apontou que apenas 29% das 1.187 secretarias consultadas realizam ações contínuas para sua efetivação no ambiente escolar.

A pesquisa ainda mostrou que falta um planejamento a ser desenvolvido de forma permanente durante todo o ano, porque as secretarias responderam que a maioria ou boa parte das escolas (69%) costumam dar atenção ao tema apenas em ações pontuais, durante o mês ou semana do Dia da Consciência Negra, em novembro.

Para Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana, “apesar de alguns resultados desanimarem, é muito importante saber que mais de 20% das Secretarias Municipais de Educação querem falar sobre isso. Assim, conseguimos ver um horizonte de atuação nos próximos anos”, comenta.

O que dificulta a efetivação plena da lei?

Falar sobre história e cultura afro-brasileira no dia a dia escolar foi uma dificuldade apontada por 42% das secretarias; já a falta de informação e orientações insuficientes para abordar os temas de forma adequada foi destacada por 33% delas.

Ao mesmo tempo em que diz não existir fórmula mágica para a efetivação plena da lei, Tânia Portella, sócia e consultora em educação no Geledés, reforça que o caminho “é abandonar a centralidade eurocêntrica, deixar práticas do conhecimento de fonte única e compartilhar a visão de conhecimento a partir das matrizes que compõem a nossa sociedade, que construíram o país e nossa identidade. Isso é transversalizar o currículo, sem hierarquizar saberes e valorizando todas as nossas origens”.

No lançamento da pesquisa, Portella ressalta que a responsabilidade da política não é só dos educadores e recomenda que “assumir essa implementação como uma política pública, sem que possa ser preterida por vontades, crenças ou gostos pessoais de gestão municipal, escolar ou corpo pedagógico”.

Ao comentar a dificuldade de fiscalizar como as secretarias incluem a lei em seus projetos pedagógicos, ela aponta que “muitas redes podem dizer que implementam, mas permanecer com práticas e abordagens equivocadas que reforçam estereótipos, informações errôneas e racismo”.

“Estamos falando de um direito que precisa ser assumido e tratado como tal”

Perspectivas para o futuro

“A pesquisa é especialmente importante para fortalecer a Lei 10.639/03 nesse momento tão desafiador que as escolas estão vivenciando, com ataques e ameaças de ataques pulverizados pelo país. Refutar o racismo, a discriminação e discursos de ódio é urgente”, diz Isabella Henriques, diretora executiva do Instituto Alana. Além de comentar que a lei é resultado da luta de movimentos negros de todo o país, ela pontua, no evento de lançamento, que a pesquisa é um “convite à ação” para construir bases antirracistas.

Além de reforçar que a lei é uma forma de “tentar construir uma sociedade mais equânime e que se preocupe ou se obrigue a ser mais justa”, Portella diz que é “um avanço que nos obriga a nos debruçarmos sobre nossa realidade, a rever nossa história, entender o que somos e entender as desigualdades do país”. Como pontua Benedito, “é necessário começar de algum lugar que impacte positivamente a subjetividade das crianças, mas precisamos avançar para lugares que falam sobre a estrutura da sociedade brasileira”.

“A gente precisa reconhecer e valorizar os povos que constituem nossa nação. E é só com uma educação antirracista que a gente consegue chegar nesse lugar” – Beatriz Benedito

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