Projeto de Lei 2630 traz propostas para tornar as plataformas de redes sociais e serviços de mensagens também responsáveis pelos conteúdos veiculado nelas
Desenvolvido desde 2020, o Projeto de Lei 2630 traz propostas voltadas à regulação de redes sociais com mais de 10 milhões de usuários para que crianças e adolescentes estejam mais seguros na internet.
“Eu gosto de usar o TikTok porque consigo me entreter bastante por lá, mas já vi muita notícia falsa”, comenta Rafaela Lima, 13. A experiência dela é similar a de 96% de crianças e adolescentes de nove a 17 anos que usam a internet todos ou quase todos os dias, como revela a mais recente pesquisa TIC Kids Online Brasil. Uma vez que meninas e meninos frequentam ambientes digitais e estão expostos não só a notícias falsas, mas também a violências (como assédio e cyberbullying) e seus dados podem ser coletados para que empresas sugiram a elas o que comprar, como tornar esse espaço mais seguro?
Regular a internet é uma maneira de proteger Rafaela e outros jovens menores de 18 anos, e é a proposta do projeto de lei 2630/20 que cria a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, também conhecido como PL das fake news. Em desenvolvimento desde 2020 e ainda sem previsão de ser votado na Câmara, o PL estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, a fim de garantir segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento. As medidas são direcionadas para as plataformas com mais de 10 milhões de usuários, inclusive estrangeiras, desde que ofereçam serviços ao público brasileiro.
Se recebe alguma notícia suspeita, Rafaela costuma pesquisar “mais a fundo para entender se é real ou não”, porque entende que passar a informação adiante pode levar pessoas a “fazerem coisas ruins para ela e para os outros”. No começo do ano, “apareciam muitos vídeos dizendo que os massacres aconteceriam em determinadas escolas para ‘assustar'”, exemplifica. No entanto, Rafaela faz parte de uma minoria. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2021, 67% dos estudantes brasileiros de 15 anos não conseguem diferenciar fatos de opiniões quando leem textos.
Para o hacker e ativista por transparência de dados Pedro Markun, as movimentações para regular as plataformas chegam tarde diante da gravidade de um cenário em que a verdade perdeu a importância e o valor intrínseco que ela tinha. “A regulação das redes tenta minimamente assegurar formas de intervir e regular casos extremos de disseminação de fake news.”
Com o avanço das inteligências artificiais, capazes, por exemplo, de manipular fotos e vídeos, Markun comenta que “a possibilidade de criar mentiras tão críveis quanto a verdade já está dada”. Agora, segundo ele, o desafio é “repactuar como sociedade o que entendemos como verdade”, sendo fundamental criar mecanismos para denúncias, atribuir mais responsabilidade para o que é compartilhado nas plataformas digitais e seguir protocolos de melhores práticas. “Ter mais transparência em relação aos algoritmos poderia evidenciar o que está por trás do funcionamento da plataforma ao priorizar um conteúdo em detrimento do outro.”
“As redes sociais pautam nosso comportamento e orientam nossa lógica de pensamento, decidem aquilo que a gente vê ou deixa de ver”
Apesar de ser importante que os pais orientem os filhos sobre os conteúdos que consomem na internet, responsabilizar as plataformas traz uma proteção adicional, que só a regulação pode oferecer: impedir que conteúdos que configuram crimes contra crianças e adolescentes circulem nas redes sociais. Outra proteção fundamental que só as plataformas podem implementar é a dos dados de crianças e adolescentes, evitando assim que sejam submetidos à publicidade infantil, prática que é abusiva e ilegal. “O acompanhamento da execução da lei precisa ser intersetorial, que não seja uma atribuição apenas do governo, mas feita em conjunto com a sociedade”, afirma Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana.
Para ela, a regulação da internet vem para fortalecer “a ideia de dever de cuidado”. O PL determina que “as plataformas atuem de maneira preventiva e que seja proibido usar dados pessoais de crianças e adolescentes para direcionar conteúdos publicitários a eles”. Não à toa, 65% dos participantes da pesquisa Tic Kids declaram se preocupar sempre, quase sempre ou às vezes com sua privacidade no ambiente digital.
Mello explica que as plataformas operam seguindo uma lógica que explora as vulnerabilidades desse público, ainda em fase de desenvolvimento biopsicossocial, com conteúdos “viralizáveis” que “engajam mais, incitam ódio, são antidemocráticos, tóxicos, muitas vezes criminosos, que podem modular comportamentos e reforçar hábitos consumistas”.
“O modelo de negócios dessas plataformas acentua uma leitura extremista de mundo”
Imerso em grupos do WhatsApp e em canais do YouTube com notícias falsas, Volmar Azevedo, pai de Graziela, 30, desconfiava do rápido desenvolvimento e da comprovação científica das vacinas contra a covid-19. Em janeiro de 2022, sem estar vacinado, ficou internado durante 40 dias e teve 80% dos pulmões comprometidos pela doença. Em 11 de março, aos 60 anos, faleceu. Também exposta a mensagens falsas em grupos do WhatsApp e Facebook, a tia de Mônica*, 26, contraiu a doença depois de ter passado a quarentena isolada dos filhos e netos. Sem vacina, faleceu aos 70 anos. As histórias de Graziela e Mônica são reflexos de como a propagação de notícias falsas se tornou um problema cada vez mais complexo a ser combatido.
Em abril, representantes de plataformas como Google, Kwai, Meta, TikTok, Twitter, WhatsApp e YouTube se encontraram com o ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino e com integrantes do Ministério Público Federal, sendo cobrados da responsabilidade de prevenir postagens que possam incitar ataques violentos a escolas. O Telegram, aplicativo de mensagens, foi suspenso por não cumprir determinação judicial que obrigou as plataformas a entregarem informações de grupos nazistas presentes em seus ambientes digitais. Em maio, o Instituto Alana, por meio do programa Criança e Consumo, encaminhou denúncias à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon/MJ) contra o Discord e o Twitter para pressionar que se posicionem sobre discursos de ódio e incitação à violência.
“A regulação não é uma exceção. A exceção está justamente nas plataformas não serem reguladas”, aponta Mello. “Quanto mais tempo a gente fica sem avançar em medidas regulatórias, mais tempo essas plataformas vão ter para espalhar desinformação.” Ela lembra que as plataformas já vêm fazendo isso, chegando inclusive a ‘comprar’ a opinião de vários setores da sociedade em relação à regulamentação. Propostas para regular a internet não são medidas pioneiras do Brasil: Austrália e União Europeia implementaram leis voltadas à segurança on-line entre 2021 e 2022. Nos Estados Unidos, a lei de 1996 que isenta as empresas da responsabilidade dos conteúdos publicados deve ser revista pela Suprema Corte até julho deste ano. O motivo? A escalada de discursos de ódio on-line.
A lei australiana de Segurança Online (Online Safety Net), de 2021, visa proteger as crianças do cyberbullying. Na União Europeia, a Lei de Serviços Digitais (The Digital Services Act), aprovada em 2022, aprimora mecanismos para identificar e denunciar postagens com conteúdo falso e discurso de ódio, além de estabelecer parâmetros de transparência sobre como os provedores das plataformas moderam e intermediam informações.
* Alguns nomes foram alterados para preservar a identidade das fontes.
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Que medidas previstas pelo PL 2630 mais favorecem a experiência de crianças e adolescentes na internet?
Fonte: Agência Câmara de Notícias