Se a publicidade infantil é proibida, por que continua existindo?

"As leis jurídicas não funcionam como as leis da física. A maçã não cai sempre para baixo"

Ekaterine Karageorgiadis Publicado em 16.01.2019
Foto de um homem e um menino escolhendo algum produto no supermercado
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Resumo

Muitas empresas insistem em fazer com que as normas que protegem as crianças brasileiras frente à publicidade não peguem, em defesa exclusiva de seus interesses comerciais. Como podemos mudar esta realidade?

Em eventos, entrevistas e redes sociais, não é raro que me façam a seguinte pergunta: se a publicidade infantil é proibida, por que ela continua existindo? A resposta é simples, ainda que inaceitável: ilegalidades acontecem diariamente porque nossas leis não são cumpridas por aqueles a quem elas se dirigem.

No caso da publicidade infantil, muitas empresas insistem em fazer com que as normas que protegem as crianças brasileiras frente à publicidade não peguem, em defesa exclusiva de seus interesses comerciais. Assim anunciam brinquedos, roupas, materiais escolares, alimentos, parques de diversões, produtos de higiene para os pequenos em canais de televisão, dentro de escolas, nos pontos de venda, em eventos em praças, nos jogos na internet, em canais de youtubers, e por aí vai.

Além desse, há outro motivo: as normas jurídicas, por si só, não criam ou mudam a realidade.

Se assim fosse, desnecessários seriam processos e decisões judiciais, advogados, promotores, defensores públicos e juízes. Não pipocariam manchetes diárias nos veículos de comunicação sobre investigações de pessoas e empresas. Nenhuma ilegalidade haveria no mundo, a partir do simples momento da publicação de uma lei.

Mas não é assim que a banda toca. As leis jurídicas não funcionam como as leis da física. A maçã não cai sempre para baixo. O que elas determinam, na verdade, é como as condutas humanas devem ser para que direitos sejam respeitados e implementados.

No caso da veiculação de publicidades para crianças e dependesse apenas da legislação vigente no Brasil, nossa realidade seria bastante diferente do que é. Afinal desde o final da década de 1980, Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Código de Defesa do Consumidor asseguram que os direitos das crianças devem ser respeitados com prioridade absoluta, por Estado, família e sociedade, inclusive nas relações de consumo.

Essas normas determinam que é ilegal, porque é abusiva, a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança, por ser ela mais vulnerável do que os adultos, em razão de seu peculiar processo de desenvolvimento.

Que fique claro: não há nada de errado na atividade publicitária em si.

O objetivo aqui é dizer que há regras que limitam a forma como ela deve ser exercida. Anúncios e campanhas devem ser veiculados dentro dos limites que as leis brasileiras estabelecem, como é o caso da proteção especial das crianças nas relações de consumo.

Afinal, os pequenos ainda confundem fantasia e realidade, não sabem que o objetivo de uma campanha publicitária é fomentar desejos de consumo e acreditam que aquele produto que está nas mãos dos seus youtubers mirins mais queridos ou associados a seus personagens favoritos fará com que sejam felizes, poderosos, aceitos, queridos, mágicos…

Por sorte, a realidade social também não é uma lei natural. Não precisamos aceitar a vida como ela é.

Podemos nos comprometer a implementar mudanças para que o dever ser passe, cada vez mais, a ser.

Empresas podem sim mudar a forma de veicular suas campanhas direcionando suas mensagens de forma legal e ética a adultos, que são os verdadeiros detentores do poder de compra, aptos a compreender o objetivo comercial dos anúncios publicitários. Elas podem implementar as mudanças desde já e por iniciativa própria, sem dúvidas. Mas, em muitos casos, são necessários impulsos externos, com a sociedade fazendo valer efetivamente seus direitos.

Para tanto é essencial o conhecimento e a compreensão das normas brasileiras por todas as pessoas, e a sensibilização, mobilização e atuação efetiva de diversos atores sociais, como órgãos de proteção de direitos de crianças e consumidores, conselhos de direitos, juízes, organizações da sociedade civil, pesquisadores, profissionais de diversas áreas, educadores, cidadãos e famílias.

Um caminho possível para defender os direitos de nossas crianças é a formalização de reclamações nos canais de comunicação e redes sociais das empresas que direcionam suas publicidades ao público infantil ou para aquelas que permitem que esses anúncios sejam veiculados. Outro caminho, é o envio de denúncias de publicidades abusivas aos órgãos públicos competentes pela fiscalização do cumprimento da lei, como Ministério Público, Procon e Defensoria Pública.

Esse envio pode ser direto, pelos meios físicos e virtuais disponibilizados por cada órgão. Ou por intermédio de canais de denúncia de organizações que atuam no tema, como é o caso do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, que analisa os casos e elabora documentos com o objetivo de que empresas e órgãos adotem as medidas adequadas para que a infância brasileira seja protegida, diariamente, em nosso Estado Democrático de Direito.

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