Por que os dados de crianças e adolescentes não estão seguros?

Plataformas de aprendizagem e sites educacionais vigiaram a navegação on-line de alunos e coletaram seus dados, os direcionando para publicidades

Eduarda Ramos Publicado em 04.04.2023
Na imagem, um menino negro de óculos olha para a tela de um notebook. A foto ilustra a matéria: Por que os dados de crianças e adolescentes não estão seguros?
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Resumo

Plataformas educacionais que coletaram dados da navegação on-line de crianças e adolescentes gravaram sessões em tempo real, como cliques e movimentações em sites, e/ou enviaram dados para empresas de publicidade. Por que isso não é legal?

O que acontece na sala de aula fica na sala de aula? Um levantamento produzido pela Human Rights Watch (HRW), organização voltada à investigação de violações de direitos humanos, revela que plataformas digitais de educação básica e/ou vestibulares coletaram dados da navegação na internet de crianças e adolescentes durante o período de ensino remoto na pandemia e os enviaram para empresas especializadas em publicidade comportamental. Com isso, as informações puderam ser direcionadas para recomendar conteúdo publicitário personalizado e anúncios, quando a atuação deveria se restringir à educação.

Em nota, Maria Mello, coordenadora do Programa Criança e Consumo, comenta como a ausência de atuação estatal perante a segurança de crianças e adolescentes no ambiente digital favorece a exploração comercial infantil, prática ilegal no país. Ela ainda aponta a necessidade de “buscar políticas públicas que garantam a aplicação da legislação e a incorporação dos direitos da criança desde a concepção desses produtos e serviços”. 

O que o relatório mostra?

A pesquisa lançada pela HRW apontou que as plataformas “Escola Mais”, “Stoodi”, “MangaHigh”, “DragonLearn” e “Descomplica” gravaram sessões on-line dos usuários, permitindo que terceiros assistam e registrem o comportamento de um usuário em uma página da web, como cliques do mouse e movimentos em sites;

De 2021 a 2023, sites educacionais de secretarias de educação de Minas Gerais e São Paulo utilizados amplamente durante a pandemia de coronavírus, como o “Estude em Casa” e “Centro de Mídias da Educação de São Paulo”, enviaram dados pessoais de crianças e adolescentes para empresas de tecnologia de publicidade. Também foram verificadas irregularidades nos sites “Explicaê” e “Revisa Enem”. A Secretaria da Educação de Minas Gerais removeu todo o rastreamento de anúncios de seu site após o contato da HRW.

A coleta e o uso de dados para publicidade comportamental violam a privacidade das crianças. Além disso, há o risco de violar outros direitos das crianças se essas informações forem usadas para orientá-las a resultados prejudiciais ou contrários aos seus interesses”, aponta Hye Jung Han, pesquisadora de tecnologia e direitos da criança da Human Rights Watch.

A especialista também reforça que essas práticas podem exercer um impacto considerável na formação das experiências on-line vividas pelas crianças, podendo determinar as informações a que elas têm acesso de acordo com a interferência dos anúncios, que podem ter caráter manipulador, num período em que suas habilidades críticas ainda estão sendo desenvolvidas.

“As crianças foram compelidas a desistir de sua privacidade para sua educação. Mas essas práticas de vigilância de dados não eram proporcionais nem necessárias para o funcionamento desses sites ou para fornecer conteúdo educacional”

É possível proteger os dados de crianças e adolescentes na internet?

Há regras específicas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) para o tratamento de dados de crianças e jovens no ambiente digital: entre elas, o consentimento livre, informado e específico, expresso em destaque, de pelo menos um dos pais, ou responsável legal, para o tratamento de dados de crianças; e quando não consentido o uso de dados por responsáveis, a proibição do armazenamento e repasse dos dados a terceiros.

Apesar da lei, o uso correto de dados de crianças e adolescentes no meio digital ainda é raro: um levantamento realizado pelo Instituto iStart mostrou que 90% das instituições analisadas não oferecem informações adequadas sobre tratamento de dados às crianças, seus pais e responsáveis. Além disso, apenas 53% das empresas verificadas oferecem barreiras técnicas ao acesso que envolve crianças, como solicitar permissão de responsáveis para fazer logins em plataformas; e somente 36,7% informam como é realizado o tratamento de dados de crianças e adolescentes.

Fora a necessidade de adequação das plataformas e sites à LGPD, Jung Han reforça a responsabilidade das escolas em utilizar plataformas on-line que possuam “salvaguardas para impedir a coleta, o uso ou o compartilhamento de dados de crianças para qualquer finalidade que não seja fornecer educação”, também incentivando que os pais e responsáveis das crianças participem ativamente nos processos que envolvem sua segurança na internet.

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