Casos de racismo nas escolas expõem a necessidade de resolver conflitos de forma democrática e implementar uma educação antirracista
Novos casos de racismo trazem à tona a necessidade de uma educação antirracista para todos e expõem nossa incapacidade de resolver conflitos nas escolas sem ser pela via punitivista e policialesca.
Além de escancarar a necessidade de uma educação antirracista prevista por lei, um novo caso de racismo em uma escola de elite de São Paulo esconde uma outra ferida profunda da comunidade escolar e de todos nós como sociedade: a incapacidade de gerir e encaminhar conflitos de maneira pedagógica, cidadã e democrática, e não de forma punitivista e policialesca. Quando isso ocorre dentro da escola é um sinal grave de uma falha social. Mas também é uma oportunidade de estender esse olhar para os agressores e para as vítimas.
Sofrer uma violência, especialmente nessa fase sensível do desenvolvimento, deixa marcas para a vida. Por isso, esses casos devem receber atenção e prioridade.
Racismo é crime. Mas, quando cometido por adolescentes, é um ato infracional que tem formas de responsabilização específicas. Isso porque adolescentes não podem e não devem ser tratados como se fossem adultos. A ideia é que, por estarem em processo de desenvolvimento, recebam apoio para compreender a gravidade de suas ações e as consequências delas. Assim, poderão ser responsabilizados e encontrar caminhos para a não reincidência e a restauração do dano à vítima e à comunidade.
Já a vítima tem direito ao ressarcimento moral e material pelos danos causados. Ela deve encontrar acolhimento dentro da família e da comunidade, bem como contar com a rede de proteção e justiça, que será responsável por gerar um processo real, justo e acolhedor de restauração da violência sofrida.
Infelizmente, ainda temos muito o que avançar em todas as nossas comunidades para superar a lógica punitivista e instaurar processos restaurativos que promovam uma cultura de paz, inclusive dentro das escolas. No Brasil, educação costuma ser vista como extensão dos valores privados de um grupo ou família, e não um projeto plural, inclusivo e comum de sociedade, que tenha como um dos principais pilares a resolução efetiva dos conflitos.
Pressionadas pela performance, pelas famílias pagantes ou pela falta de recursos no caso das públicas, escolas e outras instituições sociais não investem em profissionais capacitados em mediação, composição comunitária ou processos restaurativos. Muitas vezes, sequer há um acordo prévio e escrito sobre essa gestão. O caminho quase sempre é: caso de polícia, de imprensa, vítima ainda mais exposta e clamores populares por expulsão, sem uma ação de reflexão e restauração profunda.
Assim, ficam os questionamentos “onde estão…?” a pedagogia para pessoas em formação quando ela é mais necessária? A atenção e o acolhimento prévio de vítimas de bullying, violências e agressões quando os primeiros sinais aparecem dentro da escola e medidas preventivas poderiam ser bem-sucedidas? Pais e mães para apoiarem discussões coletivas e ações comunitárias de combate à violência escolar, como algo mais relevante ou tão importante quanto performance acadêmica?
Conflitos não são sinônimo de violência e sempre vão existir no ambiente escolar. Mas suas consequências perduram e os impactos serão negativos, caso continuem sendo jogados para debaixo do tapete e suas causas não tenham resoluções efetivas.
Essas quatro medidas são necessárias em casos de racismo nas escolas:
Nesse sentido e, mais objetivamente, as escolas podem:
1) Garantir a presença e as condições para que sejam aplicadas atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais no Projeto Político Pedagógico das escolas. O objetivo é promover o ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena de maneira transversal, e não apenas em datas comemorativas.
2) Estabelecer protocolos claros e pactuados de intervenção e encaminhamento de conflitos na comunidade escolar, prevendo casos específicos como racismo e indicando o passo a passo do que fazer desde o momento da identificação da violência até a conclusão do processo por meio, por exemplo, de justiça restaurativa.
3) Formar ou contratar profissionais capacitados para facilitar círculos de diálogo, mediação e negociação entre alunos, famílias e corpo escolar.
4) Apoiar as vítimas, garantindo que quem sofreu racismo receba o suporte tanto moral quanto material, para a sua recuperação e para a reparação da comunidade escolar. Isso pode incluir apoio psicológico, reuniões de acolhimento e estratégias para reforçar a inclusão e o respeito nesse ambiente.
5) Prevenir violências e garantir um ambiente atento para identificar agressões iniciais.
6) Responsabilizar os agressores para além da expulsão. Isso pode incluir sessões de aconselhamento, participação em programas de sensibilização sobre racismo e direitos humanos.
7) Envolver alunos, pais e professores em workshops e diálogos constantes. Não apenas sobre racismo e discriminação, mas também para a valorização de pessoas e grupos negros e indígenas. Além de promover a formação e o desenvolvimento da sociedade, isso também pode ajudar a formar uma base de apoio que antecipa e responde a situações de conflito antes que escalem.
8) Rever as políticas internas da escola e, se necessário, reformulá-las para garantir que estejam alinhadas com princípios de equidade, justiça e respeito mútuo. Isso inclui assegurar que todos dentro da escola saibam como agir diante de casos de racismo e outras formas de discriminação.
* Pedro Hartung é diretor de políticas e direitos da criança do Instituto Alana. Doutor em Direito do Estado pela USP. Foi Pesquisador Visitante no Programa de Defesa da Criança da Faculdade de Direito de Harvard e do Max Planck de Heildelberg. É professor na Faculdade de Relações Internacionais da FGV/SP.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.
O que é justiça restaurativa?
Os processos restaurativos são justamente a oportunidade de sair de um modelo punitivista e revitimizador (como expulsão, transferência da vítima etc.) e promover uma mudança para uma socioeducação e intervenção crítica e sensível. Desse modo, é possível restaurar os vínculos que foram rompidos, inclusive de confiança na escola. Não apenas entre vítima e agressor, mas também em toda a comunidade escolar.