7 ideias para conversar sobre racismo com as crianças

A educação antirracista é fundamental para criar crianças livres de preconceitos, uma tarefa que se inicia pelo autoquestionamento dos próprios adultos

Camilla Hoshino Publicado em 02.05.2022
Racismo com crianças: foto de três pessoas, uma mulher, uma criança e um homem. Eles estão deitados de bruços, no chão, lendo um livro.
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Resumo

Para abordar o racismo com as crianças, as famílias devem estar preparadas para uma conversa franca: explicar, desconstruir estigmas, estimular a empatia e alargar seus espaços de convivência são peças fundamentais para uma educação antirracista.

As experiências vividas pelas crianças influenciam sua formação intelectual, cognitiva e socioemocional. E impactam direta e indiretamente na sua autoestima e no senso de empatia. Por isso, cidades, escolas, famílias e todos os espaços de convívio da criança devem ser construídos sobre os pilares da diversidade, incentivando infâncias livres de qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Acreditando que a educação antirracista enriquece o mundo e constrói um futuro mais justo e plural, o Lunetas listou algumas ideias para conversar sobre racismo com as crianças!

Desde cedo, o repertório de brincadeiras, músicas, livros, histórias, filmes e desenhos tem um papel-chave na construção das identidades e no modo como enxergamos as pessoas. Para crianças não negras, por exemplo, famílias podem aproveitar as oportunidades de conversa para abordar sem rodeios o tema do racismo. E enfatizar valores como igualdade e diversidade.

Para crianças negras, nada menos que compartilhar referências positivas que as façam enxergar toda a sua potência e as ajudem a se empoderar. Inclusive, frente aos desafios e às lutas em uma sociedade ainda marcada pelo racismo. De todas as formas, ignorar o tema ou desconsiderar situações que acontecem no dia a dia das crianças é a pior das alternativas.

Como conversar sobre racismo com as crianças

  • 1. Buscar informação

Buscar informação de qualidade é necessário para que todos e todas possam entender como funciona o racismo e como ele organiza a sociedade. Especialmente para famílias não negras, aprofundar suas reflexões e percepções sobre as formas de discriminação e de desigualdade étnico-racial, reconhecer privilégios e tomar para si a responsabilidade de alargar os diferentes cenários de convívio das crianças é o primeiro passo para uma educação antirracista. 

capa do livro de Djamila Ribeiro, da editora Companhia das Letras, “Pequeno Manual Antirracista”, com fundo amarelo
‘Pequeno Manual Antirracista’, Djamila Ribeiro (Companhia das Letras)

O livro escrito pela filósofa e ativista Djamila Ribeiro trata de diversos temas relacionados às relações raciais e à promoção da igualdade racial. Em onze capítulos curtos, a autora apresenta caminhos para identificar, interpretar e desconstruir ideias racistas.

  • 2. Dizer a verdade às crianças

Curiosas como são, as crianças estão a todo o momento fazendo perguntas sobre o mundo ao redor. Mesmo que possam ser pegas de surpresa por assuntos delicados, as famílias devem se lembrar de respondê-las com honestidade. Se os adultos não tiverem a resposta, não há problema em dizer que vão pesquisar e depois retomar aquela conversa. A simples repreensão, além de pouco efetiva, pode indicar um receio dos próprios adultos em abordar o tema e a olhar para suas próprias atitudes e comportamentos. Afinal, elas podem estar reproduzindo um pensamento alheio ou apenas sendo curiosas. 

  • 3. Excluir expressões racistas do vocabulário

As palavras carregam sentido e história. “Cabelo duro”, “humor negro” e “inveja branca” são apenas algumas das expressões racistas que estão impregnadas no vocabulário brasileiro. Os pequenos também estão descobrindo o mundo a partir da linguagem, por isso os adultos podem orientá-los pela força do exemplo, não naturalizando termos, estigmas, piadas racistas ou comentários pejorativos. Por que não compartilhar com as crianças um vocabulário positivo, que demonstre conhecimento, respeito e ofereça prestígio à cultura afro-brasileira?

Este guia disponível gratuitamente para baixar ajuda nesta tarefa.

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Fecomercio RS| SESC| SENAC

Algumas expressões muito utilizadas ainda hoje mas que são racistas, do guia “Racismo sutil”, disponível gratuitamente para download

  • 4. Estimular o entretenimento com representatividade

Brincar é a expressão livre da criança em contato com o ambiente ao seu redor. Por meio das brincadeiras, as crianças constroem identidade e imaginam um mundo possível. Ampliar o repertório de conteúdos e materiais com que entram em contato, atentando não só para as mensagens, mas também para o grau de representatividade racial presente em cada um deles é uma forma de transmitir valores antirracistas. O Lunetas é fã de filmes, músicas e livros costurados pela diversidade e que celebram a potência da cultura afro-brasileira. 

A escravização é um dado histórico, mas ela não define as populações, as tradições, os valores e os saberes de matriz africana e da diáspora negra. É preciso tomar cuidado com o modo de abordagem e com a ênfase que é dada à questão. As crianças devem sobretudo ter acesso a referências positivas sobre as culturas dos diversos países do continente africano e sobre a cultura afro-brasileira.

Ressaltar a contribuição de diversas civilizações africanas, as genealogias de reis e rainhas negras, as tecnologias ou cosmovisões de diferentes regiões e sua contribuição para a formação do Brasil é essencial. O número de materiais recreativos, didáticos e paradidáticos cresceu em língua portuguesa desde a edição da Lei 10.639/03 (que estabelece diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo a temática “História e Cultura Afro-Brasileira”), mas ainda há muito a aprimorar, inclusive do ponto de vista do acesso.

Em outubro de 2020, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou o “Deixa que eu Conto”, um programa de rádio voltado ao público infantil, com os 50 primeiros episódios inspirados na cultura afro-brasileira. O conteúdo também pode ser ouvido em formato de podcast e acessado gratuitamente pelo Spotify. 

  • 5. Transformar os espaços de convivência

A diversidade não é apenas um discurso, mas um valor que precisa ser vivenciado e processado. Como recorda a escritora Kiusam de Oliveira, autora dedicada a tantas obras de encantamento negro na literatura infantil, o processo de aprendizado da criança acontece de corpo inteiro e não apenas pelo pensamento. Por isso, ela defende que o corpo precisa estar mergulhado em experiências que tragam significado. 

É por isso que a quinta ideia para conversar com as crianças sobre racismo não envolve um diálogo direto. Mas a transformação dos espaços de convívio. Famílias brancas, por exemplo, podem se questionar se há pessoas negras em suas relações e nas das crianças.

Sair da zona de conforto, onde circulam apenas famílias de um mesmo perfil racial, é uma das dicas da publicitária, professora e uma das criadoras do projeto “Criando crianças pretas”, Deh Bastos. Ela tem se dedicado à educação antirracista, dando dicas de como falar sobre o assunto com as crianças. 

Lembre-se de que muitos territórios são marcados por divisões raciais. Antes de conversar com os pequenos sobre racismo, observe os lugares que a família frequenta. Que tipo de mensagem eles transmitem? São espaços que valorizam a diversidade? Pessoas negras estão assumindo lugares de comando e protagonismo ou ocupam funções subalternas? Escolhas pessoais, afetivas e profissionais também refletem contextos políticos e merecem ser objeto de reflexão dos adultos engajados numa educação antirracista.

  • 6. Ampliar o leque de referências

Emicida, Dandara, Lázaro Ramos, Conceição Evaristo: das artes à ciência, quem são as referências positivas das famílias? Conhecer artistas, políticos, ativistas e cientistas negros e negras é ampliar o leque de repertório das crianças, inclusive permitindo a muitas delas identificar-se e imaginar carreiras e futuros dos mais diferentes para si. 

Pensando nisso, o Projeto de Extensão da Universidade Federal do Paraná “Meninas e Mulheres nas Ciências” lançou o livro de passatempos “Cientistas Negras: Brasileiras – Volume 1”. Com caça-palavras, palavras cruzadas e desenhos para colorir, o material é dedicado a adultos, jovens e crianças, com o objetivo de divulgar o protagonismo das cientistas negras brasileiras, a partir de uma perspectiva  humanizadora. 

Adultos, fiquem ligados!

Para adultos que buscam mais informação para valorizar o legado negro na história, indicamos o podcast Negro da Semana, uma fonte que resgata personalidades negras nacionais e internacionais. O programa foi criado por Alê Garcia, escritor e um dos 20 criadores digitais negros mais inovadores, segundo a Forbes. No podcast, você fica por dentro da história de Nelson Mandela, Angela Davis, Carolina Maria de Jesus e muitos outros nomes que podem começar a fazer parte da vida das crianças. 

Há também o podcast “Vidas Negras”, apresentado pelo jornalista Tiago Rogero, que entrelaça a trajetória e a obra de personalidades da história e da atualidade.

  • 7. Unir-se à escola na tarefa do diálogo

 A escola é um ambiente de convívio, troca e experimentação, sem a tutela permanente dos pais. Tanto famílias com crianças negras como famílias com crianças não negras devem estar atentas, com o apoio da escola, para prevenir ou denunciar qualquer situação de racismo e discriminação (não apenas envolvendo as crianças, mas também os adultos), unindo-se aos educadores na tarefa do diálogo.

A depender da escola, pode haver poucas pessoas negras entre os estudantes e os profissionais, o que tem influência nas (auto)percepções raciais de cada um e cada uma. Quanto mais plural e diverso o ambiente, maior a chance de que todas e todos estejam mais confortáveis nele e maior o nível de desenvolvimento pessoal e de grupo. Observe e converse com as crianças se há colegas e professores negros. Se não, incentive a escola a ampliar a diversidade de sua equipe.

Como defender a educação antirracista nas escolas?

Como as questões étnico-raciais atravessam as práticas pedagógicas da comunidade escolar? Observe quais documentos orientam a prática educativa e cobre abordagens “afrocentradas” e ações com foco na Lei 10.639/03, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. 

Famílias e professores podem se unir à tarefa de proporcionar uma educação antirracista às crianças,  conversando sobre situações do cotidiano da escola e fazendo com que a diversidade atravesse as salas de aula em sua decoração, livros, brincadeiras e ideias compartilhadas, muito para além de estereótipos e datas comemorativas.

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