Como transformar o uso de telas nas férias em vínculo e afeto

É possível usar recursos digitais com crianças sem culpa ou proibição, apostando em escolhas conscientes e interações presenciais

Gabi Coelho Publicado em 16.07.2025
Imagem de capa para matéria sobre o uso consciente das telas mostra uma mulher branca, de cabelos lisos pretos, sentada em um sofá ao lado de um menino pequeno, branco de cabelos lisos.
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Resumo

Especialistas defendem que, nas férias, telas devem ser usadas com orientação e propostas complementares. Livros, jogos e brincadeiras ajudam a transformar o tempo on-line em vínculo, escuta e aprendizado.

“Depois do episódio, você quer desenhar o que viu?”. O convite de um adulto vem logo que a TV é desligada. No chão da sala, em meio a folhas e canetinhas, começa, assim, uma nova brincadeira. Desta vez, longe das telas.

A cena é apenas uma ilustração do que especialistas vêm chamando de uso consciente das telas na infância. Para a pediatra Ana Escobar, por exemplo, não se trata de proibir, mas “ensinar a usar”.

Ou seja, em vez de banir dispositivos, a proposta é minimizar os impactos negativos e potencializar o que há de valor: boas histórias, novas ideias, momentos de escuta. Tudo depende de como, quando e com quem se acessa o conteúdo.

Uso consciente começa com presença ativa

Pensar em como estar conectado de maneira segura é reconhecer que nem todo tempo de exposição é igual, especialmente na infância. Para Rodrigo Nejm, especialista em educação digital no Instituto Alana, é necessário “refletir sobre a ‘inevitabilidade’ do uso de tecnologias, principalmente nas férias, porque a flexibilização faz parte nesse período.”

“Reorganizar os limites é diferente de abandonar os limites.”

Ou seja, eliminar totalmente o digital da rotina infantil é pouco realista, já que 93% das crianças e dos adolescentes estão on-line, conforme mostra a pesquisa Tic Kids Online Brasil 2024. Portanto, o foco deve ser reduzir riscos e ampliar ganhos. Rodrigo propõe: “Vamos pensar como se as telas fossem um novo tipo de alimento dessas gerações. Afinal, elas se alimentam disso também. Então, eu gosto de usar a metáfora da dieta digital.”

A ideia central por trás das boas práticas é substituir a proibição pela curadoria ativa. Isso significa: diminuir a intensidade sensorial (tela maior, som ambiente); manter adultos por perto para comentar e participar; prolongar a experiência fora do digital com brincadeiras, leituras ou passeios; e variar formatos para que o conteúdo não fique restrito a vídeos curtos com rolagem infinita.

5 propostas de uso consciente das telas para diferentes idades

“Diversificar é a palavra”, recomenda Rodrigo Nejm. Ele propõe organizar com a criança coisas que ela gostaria de fazer fora das telas e, então, perguntar diretamente: “filho, filha, o que mais você gostaria de fazer para aproveitar esse tempo de férias?”

1. Tela grande é melhor que tela pequena

Na prática, trocar o celular pela televisão reduz estímulos visuais porque proporciona mais chances de envolver toda a família. Para as crianças menores, as animações de ritmo lento evitam cortes excessivos e cores gritantes. “Shaun, o carneiro” (Netflix) e o brasileiro “Perlimps” (disponível para aluguel na Prime Video e Google Play) entregam histórias curtas, música suave e enredos fáceis de acompanhar. Crianças que já leem legendas podem avançar para programas de ciência e arte. O Canal Futura, por exemplo, reúne no YouTube minidocumentários sobre experimentos caseiros e uma série de curtas afrofuturistas que estimulam perguntas depois da sessão.

Filmes longos, defendem psicólogos, ajudam a alongar a atenção. Então, o Lunetas indica uma lista com “100 filmes para ver em família”, e mais alguns filmes sobre diversidade. Além disso, dá para maratonar os 5 finalistas do Oscar de Melhor Animação em 2025. Na pausa para pipoca, é possível estimular conversas sobre enredo e personagens.

2. Sem fone é melhor que com fone

Manter o áudio no viva-voz convida quem circula pela casa a participar. O drama sonoro “Pirimbim” e “Caçadores de fake news”, que ensina crianças a checar informações, – ambos nas plataformas de podcast – viram assunto no jantar quando todo mundo ouve junto. Na lista “23 podcasts infantis para a alegria das crianças”, as sugestões combinam entretenimento, aprendizado e afeto em diferentes formatos e gêneros.

Entre as crianças mais velhas e pré-adolescentes, os animes aparecem com força. “Blue Lock” e “One Piece”, por exemplo, combinam ação, fantasia e tramas que despertam curiosidade e conversa. Na playlist musical, a canção “APT”, de Bruno Mars e Rosé, está entre as mais tocadas dos streamings.

Para um tempo fora da tela, vale apresentar mangás e livros disponíveis online ou nas bibliotecas públicas da cidade. Há também uma lista com 13 livros em formatos acessíveis e inclusivos para todas as crianças, com recursos de Libras, legenda, áudio, imagem e leitura simples.

3. Com interação é melhor do que sem interação

Encontros com amigos sempre fazem parte do plano. Mas, se a ideia é ficar em casa, a chave está em desdobrar: depois de um filme, que tal desenhar os personagens ou encenar a história com bonecos? A matéria “5 atividades para fazer com crianças depois de ver um filme” traz propostas para prolongar a experiência longe das telas.

Sessões coletivas de jogos digitais (com supervisão), como Minecraft, Roblox e Blue Lock Rivals, também ajudam a transformar o tempo livre em vínculo. Isso porque dá para interagir entrando em partidas, sugerindo pausas ou combinando tarefas off-line. Por outro lado, os tabuleiros garantem interação fora da stelas. Jogos como Dixit, Trilhas urbanas e outros jogos de tabuleiro para ‘quebrar a cabeça’ em família abordam desde sentimentos até urbanização e clima, ampliando a escuta e o repertório.

Para quem prefere conteúdos digitais curtos mas cheios de propósito, no YouTube, a série “Blockos” ensina sobre sentimentos com clipes musicais e a curadoria de canais infantis educativos entretém enquanto ensina, sem rolagem infinita.

4. Brincadeiras simples, papel e caneta

Nem tudo precisa de tecnologia. Desenhos compartilhados, enredos inventados em grupo ou um bom jogo de palavras continuam funcionando. Nesse sentido, as sugestões das matérias “7 brincadeiras com papel e caneta para fazer sem eletrônicos” e 10 brincadeiras com palavras” trazem propostas rápidas e criativas, ideais para momentos sem conexão ou para aquele tempinho antes de dormir.

5. Para além da tela

Na hora de sair de casa, vale apostar nas sugestões da reportagem “Menos telas e mais férias”, pois tem dicas de caminhadas exploratórias, piqueniques temáticos ou visitas a espaços culturais. São programações que ajudam a criar memórias e, nesses casos, o celular vira uma ferramenta para os registros, não protagonista da diversão.

Atenção aos primeiros anos de vida

Até os dois anos acontece boa parte da aquisição de conhecimento pelos sentidos. Portanto, as crianças vão ganhando consciência do próprio corpo e construindo subjetividade a partir da relação com o outro”, explica o psiquiatra e psicanalista Nilson Sibemberg. Por isso, entre 18 e 24 meses, a orientação é evitar exposição a telas, com exceção de videochamadas mediadas por adultos. Para as demais faixas etárias, o uso deve sempre ser acompanhado de supervisão e os limites sugeridos são ajustados à idade:

  • De 2 a 5 anos: até 1 hora por dia, com conteúdo de alta qualidade e a presença ativa de um adulto;
  • De 6 a 10 anos: entre 1h e 1h30 por dia;
  • De 11 a 13 anos: até 2 horas diárias.

Fontes: Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Academia Americana de Pediatria (AAP)

Essas organizações alertam que o uso excessivo está associado a impactos negativos no peso, desenvolvimento motor e cognitivo, bem-estar social e psicológico, afetando sono, linguagem, atenção, e podendo levar a problemas oculares, como miopia.

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