As histórias que a jornalista contou marcaram o seu nome na história da televisão brasileira
Glória Maria abriu caminhos ao deixar a sua marca na televisão brasileira e inspirou meninas e mulheres a seguirem seus sonhos. Há um ano da sua morte, uma biografia infantil reconta fatos da sua trajetória e mostra por que manter viva a sua memória entre as crianças.
“Eu não pretendo ficar velha”, declarou certa vez Glória Maria. Contra isso, ela se desafiava a cada reportagem, colocando em tudo que fazia as marcas que a levariam a ser reconhecida como uma das principais jornalistas da história da televisão brasileira. “Quando você se sente confortável, você perde o frescor, você envelhece internamente.” Ela também costumava dizer que não queria agradar a todos, pois quem pagava as contas no fim do mês era ela.
Agora, há um ano de sua morte, o livro “Glória Maria – Glória Maria Matta da Silva” resgata essas declarações e reconta a sua trajetória como forma de manter viva a sua memória entre as crianças das novas gerações. O autor, Duílio Fabbri Júnior, acredita na importância de preservar o exemplo de uma mulher “muito autêntica e corajosa”.
“Ela tinha uma força que a motivava a fazer as coisas, não permitindo que os outros lhe dissessem qual era o caminho. Ela os criava.”
Além de apresentar em detalhes a sua transição de telefonista para repórter e alguns episódios importantes de sua carreira, como as entrevistas com Michael Jackson e Madonna, o livro retrata a vida pessoal da jornalista, citando, por exemplo, a adoção das filhas Maria e Laura, e sua luta contra o racismo. Com lançamento previsto para a segunda quinzena de fevereiro, o título faz parte da Coleção Black Power, que apresenta ao público infantojuvenil 30 personalidades negras que se transformaram em símbolos de resistência e superação, como Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Machado de Assis, Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus.
Primeira repórter preta a entrar ao vivo na TV, Glória Maria fez parte do cotidiano das pessoas por mais de três décadas, registrando suas aventuras e também momentos importantes na história do mundo. Mas fazia isso do seu jeito. Ela dividia detalhes de acontecimentos em tempo real, até mesmo em situações de perigo, e dava sua opinião sobre determinados assuntos. Assim, foi pioneira na criação de um novo jornalismo, rompendo com as escolas tradicionais que defendem a imparcialidade do repórter.
Enquanto produzia reportagens e inspirava o público com suas histórias, Glória Maria ia abrindo caminhos para meninas e mulheres negras seguirem seus sonhos. Para a ilustradora Manoela Costa, depois dela, “muitas mulheres incríveis estão lutando e conquistando seus espaços na mídia, na música, nos livros, nos jornais… Espaços que antes eram inacessíveis”, diz. Então, seu desejo é que as crianças de hoje saibam: “apesar de Glória Maria ser única, ela não é a única”. Quer dizer, “que tenham essa referência não como exceção, mas que tenham um repertório mais rico do que o meu foi quando pequena.”
Nesse sentido, a biografia de Glória Maria traz à tona as diversas possibilidades de representatividade desde a infância. E não só para crianças pretas. Mas, também, para crianças como a ilustradora do livro foi no passado, quando os pais deixavam que ficasse acordada até mais tarde para assistir a jornalista no “Fantástico”, conta.
“Glória Maria representou a possibilidade de uma nova imagem, abriu caminhos para a diversidade“, afirma Duílio Fabbri Júnior. Foi assim que conquistou Mirella, a menina que, aos 11 anos, declarou em uma entrevista à irmã que Glória era sua inspiração porque se identificava com a repórter. “Ela é bem parecida comigo”, disse.
Em 2017, Mirella e os irmãos denunciaram a situação das ruas esburacadas de onde moravam, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O vídeo da reportagem caseira viralizou e chamou a atenção do “Fantástico”, que promoveu um encontro surpresa entre as duas jornalistas.
“Por sua história, Glória Maria continua sendo um exemplo”, diz Fabbri.
“Ela também é um exemplo para adultos e crianças, pois quebrou barreiras, enfrentou homens poderosos. Não estava disposta a aceitar a discriminação racial“, afirma Manoela Costa, coautora do livro. Ao se lembrar de quando foi barrada por um gerente de hotel, que alegou que negros não podiam entrar, Glória disse: “O racismo, para muita gente, não vale nada, né? Só para quem sofre.”
Como mãe, Glória Maria comentou sobre seu compromisso diário de passar para as filhas, Maria e Laura, “que elas têm que ser livres. Sempre, a qualquer preço, a qualquer custo”. Segundo ela, sua vontade não era fazer crianças ambiciosas, nem vencedoras. “Eu quero fazer crianças reais, crianças felizes.”