Como a falta de representatividade negra afeta todas as crianças?

Discutir o racismo desde a infância tem um impacto profundo no processo de construção da identidade e de subjetividades de crianças negras e brancas

Viviana Santiago Publicado em 20.11.2020
Representatividade negra: um menino vestido com fantasia de super-herói se olha pelo espelho do banheiro
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Resumo

Viviana Santiago defende o debate sobre o racismo desde a infância, envolvendo crianças negras e brancas, de forma a pautar melhores relações e contribuir para o entendimento da “história humana” da qual participamos todos.

No Brasil, mais da metade da população é negra. Mas, para encontrar referências a pessoas negras na TV, na internet ou em lojas de brinquedo, é preciso muito esforço. Se forem referências positivas, então precisamos de mais esforço ainda. Tenho certeza que isso não é novidade para você. Especialmente no ano de 2020, no qual tanto discutimos sobre as questões raciais após o assassinato de George Floyd, e as constantes denúncias de racismo e invisibilização da população negra. No entanto, você já parou para pensar na forma como isso afeta as crianças?

O debate acerca dos impactos do racismo precisa mais que nunca ser feito a partir de uma perspectiva geracional, pois afeta TODAS as crianças. Há uma tendência em se pensar que a questão racial se refere apenas à vida das pessoas negras, como se “branco” não fosse também uma raça, uma construção social a ser problematizada.

É preciso discutir o racismo na infância.

Uma sociedade na qual o racismo é consistentemente praticado distorce a contribuição da população africana e afro-brasileira para a construção do Brasil. Ao mesmo tempo em que isso incide na vida das crianças negras, que muitas vezes se constituem como alguém sem passado histórico, sem conexão à sua ancestralidade a partir de um lugar de pertencimento e orgulho, incide também na vida das crianças brancas, que são destituídas da oportunidade de aprender sobre a história humana que também é sua. 

Essa história humana diz respeito à conexão de uma humanidade completa, na qual somos muitas e muitos.

Também exercem impacto considerável no processo de construção de subjetividades de crianças negras e brancas a ação dos algoritmos que fixam, por exemplo, a imagem de uma criança negra toda vez que você pesquisa por “criança-feia”. A criança negra vivencia a retirada do seu direito ao estético, ao belo, sofrendo ao perceber que tudo que lhe diz respeito é entendido comumente de menor valor, o que pode levar a um processo de negação de quem é, de não querer pertencer ao corpo que habita. Ao mesmo tempo, crianças brancas aprendem que crianças negras não são bonitas; apenas outras iguais a si são merecedoras de consideração e beleza.

Crescer sem receber informações históricas, geográficas, sociológicas completas acerca da população negra impacta todas as crianças, negras e brancas, porque naturaliza uma ideia sobre quem tem ou não valor, quem construiu ou não a história, quem deve ou não ter respeito. 

Obviamente, não estamos aqui criando uma falsa simetria. Nessa sociedade racista, crianças brancas são, sim, pensadas como mais possuidoras de direitos do que as crianças negras, que têm suas infâncias sistematicamente negadas desde a escravatura, que habitam o lugar social do não cuidado e da não proteção, vide os destinos reservados para Miguel, Ágatha Félix e João Pedro, crianças negras mortas em episódios que explicitam suas realidades menos favoráveis. 

É danosa essa socialização das crianças brancas que as encaminha para compreensões racistas e para uma noção de superioridade que as impede de, hoje e no futuro, construir alteridade com cada pessoa negra na esfera individual e coletiva

Discutir o racismo precisa fazer parte da agenda da infância à medida em que impacta profundamente o processo de construção de identidade e subjetividades, informando a maneira pela qual as crianças irão navegar o mundo e construir suas relações com outres.

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