Segurança na internet: nem tudo é controle parental

Diálogo e educação midiática também podem garantir uma experiência mais segura das crianças no ambiente digital

Carla Bittencourt Publicado em 18.12.2023
mulher branca vestindo camisa azul está sentada no sofá com um noteook no colo e ao lado está uma menina branca de cabelos lisos e camisa vermelha segurando um celular.
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Resumo

Além das ferramentas de controle parental, famílias têm buscado promover a educação midiática para aumentar a segurança das crianças na internet. Especialistas reforçam o papel da escola e do Estado nesse processo. No entanto, às vezes também é preciso desconectar.

Um ano antes da pandemia, Ian, 13, estava jogando sem parar. Por estar disperso e ansioso, a mãe, Karina Menezes, precisou guardar o controle do videogame por um tempo. “Imagine isso para mim, que fui gamer e construí uma relação pautada no diálogo”, diz ela, que é professora e fundadora do projeto Crianças Hacker, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Para Menezes, crianças respeitadas, escutadas e incentivadas a questionar, podem adquirir muito mais segurança na internet.

A educadora confessa que nem sempre dará certo, mas que é importante confiar no processo de educação e nos valores que as crianças acessam desde pequenas. “Foi bem difícil, porque ele (Ian) realmente estava viciado. Mas atravessamos”, relembra a mãe.

Menezes acredita que falar sobre mediação parental é falar sobre educação familiar e controle. “Não o controle imposto, mas o autocontrole. Isso passa por estabelecer limites necessários para qualquer ato educativo”. Como educadora, ela defende que ensinar o uso consciente de tecnologias é muito melhor do que usar as limitações dos próprios aplicativos. “A gente acaba monitorando não só a criança, mas também o aplicativo”, lamenta.

Crianças jogando jogo no computador.
Com a mãe, Ian, 13, aprende, cada dia sobre atitudes e recursos que podem trazer segurança na internet

Embora o diálogo com a família seja essencial, às vezes, é necessária uma escuta profissional. Isso porque o ambiente on-line expõe as crianças a diversos tipos de violências e riscos para a saúde física e mental. O alerta é da psicóloga Bianca Orrico, pesquisadora da Safernet, uma organização pioneira no Brasil na promoção do uso consciente e seguro da internet. “Muitas vezes, as crianças não querem falar com os pais e mães por medo de julgamento”, afirma.
Segundo ela, as mudanças de comportamento podem ser sinais de pedidos de ajuda. Da mesma forma, desconexão repentina com os amigos, novos hábitos de sono ou de alimentação. Ou seja, “o filho quietinho no quarto pode, sim, ser um problema” diz a psicóloga.

Educação midiática em casa e nas escolas

“Educar dá trabalho mesmo. Todo dia tem um novo desafio”, resume a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco. Mas é com o auxílio dessa educação que as criança ganham olhar crítico, aprendendo a questionar o que está por trás de jogos violentos ou de vídeos que parecem inofensivos.

Blanco conta que as famílias estão, cada vez mais, buscando o programa Educamídia, que hoje capacita professores para o ensino de crianças e jovens sobre os novos recursos digitais. “Temos que atuar para usar a tecnologia no desenvolvimento das crianças”, insiste.

Para isso, adultos precisam ler, pesquisar, acertar e errar, bem como dar o exemplo de uso responsável. Seja em casa ou nas escolas, considerando que a cultura digital já está presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

O educador midiático e doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Wagner Bezerra, explica que pais e mães podem incentivar o letramento midiático a partir da pedagogia da escuta. Em outras palavras, que a mudança necessária é deixar a posição de reguladores, que bloqueiam e ameaçam, para assumir o papel de mediadores, que garantem o tempo e o lugar de acesso.

“Insistam desde os primeiros anos das crianças. O resultado é um pacto de confiança onde antes só havia medo e distanciamento”, aconselha Bezerra.

Regulação do ambiente digital

Proteger as crianças “na internet” e não “da internet”. Essa é uma ideia presente no livro “Direitos fundamentais da criança no ambiente digital”, da advogada e diretora executiva do Instituto Alana, Isabella Henriques. Para ela, a regulamentação das plataformas e a garantia da cidadania digital na infância são prioridades. “A criança é hoje e agora, não um devir. Essa busca é a que mais se tem pressa”, afirma.

Apesar do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados, ainda não há, no Brasil, norma específica sobre direitos da criança no ambiente digital. Por isso, Henriques defende a aprovação do PL 2630/20, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

Desconectar

Em vez de usar o controle parental, a pedagoga Taís Fróes preferiu chegar a um meio-termo com João Francisco, 9. Há um ano, ela assinou o Minecraft para o filho e os dois firmaram um acordo: não vale jogos com arma ou que incitem a violência. Em casa, o diálogo é a principal ferramenta adotada pela família para garantir segurança na internet.

“Conversamos sobre fake news, sobre adultos que se passam por crianças e também que o Google não sabe tudo”, conta. Apesar disso, ela tomou a decisão de desativar o YouTube dos dispositivos eletrônicos, já que considera a plataforma “um céu aberto de coisas, além dos anúncios”.

Mas para Fróes, não há melhor tecnologia do que a natureza. Por isso, ela convida crianças a brincar e acampar em espaços abertos, por meio do projeto OCA – Infância Viva, em Salvador (BA). “Estou na natureza quase todos os dias, porque é o trabalho de minha mãe”, conta João. Desconectado, o menino pode visitar lugares como o quilombo Kaonge, no Recôncavo Baiano, onde brincou na beira do rio e ajudou a fazer azeite de dendê.

“Isso é muito mais eficiente do que bloquear o uso do celular”, brinca Yuri Wanderley, pai de Iauã, 8, e Ainê, 2.

Além de ser fundamental para o desenvolvimento infantil, brincar ao ar livre, longe das telas, é um direito das crianças. Wanderley, que é professor de tecnologia aplicada à educação no Instituto Federal da Bahia (IFBA), adora usar esse recurso em casa. Por isso, junto à esposa, Letícia Chaves, construiu um parquinho no quintal e apresentou jogos de tabuleiro aos filhos. As crianças praticam futebol, ajudam na cozinha e se envolvem em atividades no Circo do Capão, escola de artes na Chapada Diamantina fundada pelos avós.

Criança brinca com pilão com árvores ao redor.
Longe das telas, João Francisco, 9, brinca com um pilão

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