Entre festas, aulas temáticas e debates, as comemorações desta data já acontecem em muitas escolas do país, que tentam conciliar os dois personagens principais
Professores e instituições se preparam para lembrar o dia 31 de outubro com os estudantes, trabalhando a diversidade cultural entre o Dia das Bruxas e o Dia do Saci.
Juntar bruxas e sacis na mesma festa é algo curioso, mas já acontece em algumas escolas no Brasil. Isso porque, o dia 31 de outubro é marcado por duas comemorações culturais diferentes, e que celebram personagens do imaginário das crianças. Dessa forma, como as instituições de ensino acolhem diversas realidades, há quem prefira o saci à bruxa, ou vice-versa. Porém, o que poderia se tornar uma “disputa”, na prática, virou uma oportunidade para discutir a diversidade cultural.
Os educadores afirmam que não há um “clima de competição” entre as duas propostas e, na maioria dos casos, os próprios alunos pedem atividades em conjunto. Na Escola Municipal Espaço de Bitita, em São Paulo, referência na inclusão de alunos imigrantes e refugiados, há uma prioridade em trabalhar o Dia do Saci de maneira pedagógica. “Ao conhecerem mais sobre os personagens e as outras culturas, os alunos também se reconhecem como produtores de cultura”, explica o coordenador, Carlos Eduardo Fernandes Junior.
Ele conta que a instituição propôs atividades relacionadas ao Dia dos Mortos, festividade comum na América Latina, mas não convenceu os alunos. Por isso, o comitê de estudantes decidiu comemorar o Dia das Bruxas com uma festa à fantasia, organizada pelos alunos do Grêmio estudantil.
Atualmente, a festa dos “doces ou travessuras” já faz parte da agenda de instituições de ensino e grupos que trabalham com crianças. No Coletivo Bolsa Laranja, que estimula a literatura infantil, a programação foi antecipada para uma roda de leitura no último domingo de outubro. Meninas e meninos de 3 a 12 anos do Grajaú, em São Paulo, participaram de uma leitura mediada dos livros “A vassoura encantada”, de Chris Van Allsburg, e “O saci verdadeiro“, de Olívio Jekupé.
Além disso, teve brincadeiras, exibição de filme e observação de saci. “Espalhamos ilustrações de diferentes tipos de sacis pelas casas dos moradores. As crianças fizeram essa busca e observação de cada um”, explica Maura dos Santos, bibliotecária do projeto. Para ela, outra forma de estimular o conhecimento das crianças é também ouvi-las sobre o assunto. “A gente sempre aproveita as dúvidas e os conhecimentos que elas já trazem”, conta.
A proposta de fazer bruxas e sacis conversarem a partir da leitura de livros também aparece no projeto “Jack visita o saci”, da professora Taís de Souza, na Escola Municipal Guilherme de Almeida, em São Paulo. Ela explica que a dinâmica deste ano terá leituras, rodas de conversa e debates sobre a importância da diversidade cultural dentro da escola. Esse também será o momento para ensinar, por exemplo, que o “Dia das Bruxas não é uma festa totalmente estadunidense e tem inspirações também na cultura celta”, explica. “Além disso, essas festas, assim como o Dia dos Mortos, são uma ótima oportunidade para debater a questão da finitude com as crianças”, diz Taís.
A pedagoga e escritora Paula Furtado, consultora em arte educação de escolas públicas e particulares, explica que o hábito de comemorar o Dia das Bruxas foi construído de maneira lenta no país. “Lembro que meu filho, hoje com 27 anos, não teve esse tipo de comemoração na escola”, diz. Ela ressalta que essa festa foi valorizada, primeiro, em espaços mais fechados, como condomínios e clubes, para só depois chegar às escolas.
Inicialmente, a data se instalou no Brasil através das escolas bilíngues, que trabalham o aprendizado em português e inglês. Além disso, a chegada da festividade também teve o apoio das escolas de idiomas, que popularizaram ainda mais o dia 31 de outubro.
Camile de Lima, professora de inglês da Escola Municipal Bartolomeu Campos de Queirós, em São Paulo, defende que a data é uma oportunidade para trabalhar questões culturais de países como os Estados Unidos, conforme prevê o currículo da prefeitura para a disciplina. “Geralmente, a comemoração finaliza com um baile onde os alunos estarão fantasiados e receberão doces. É o tipo de coisa que as crianças já pedem naturalmente”, diz a educadora. Ela conta que a escola também lembrará do Dia do Saci com outros trabalhos pedagógicos.
Desde 2003 existe um Projeto de Lei da Comissão de Educação e Cultura que prevê o Dia do Saci na data de 31 de outubro, assim como já existem leis estaduais que reconhecem o dia de celebrar este personagem do folclore brasileiro.
No entanto, a pedagoga Paula Furtado ressalta que as escolas passam a trabalhar menos o folclore e a cultura local no ensino fundamental e médio. Desse modo, as atividades ficam muitas vezes limitadas à educação infantil. “É um ponto para discutir, porque, na medida em que o aluno fica mais velho, a gente poderia trabalhar esses temas com mais complexidade. Ou seja, explicar melhor as narrativas, só que às vezes isso não acontece”, lamenta.
Para as professoras Taís de Souza e Paula Brito, que é arte-educadora em Salvador, na Bahia, existem dois contrapontos em trabalhar a figura do saci em sala de aula. O primeiro é a pouca referência de material para os professores, e o segundo é o preconceito que ainda existe com esse personagem.
“A figura é de uma criança negra, que carrega um resquício do que, na verdade, foi retratado por Monteiro Lobato”, diz Brito.
Diante disso, as escolas podem apresentar às crianças e adolescentes outros olhares sobre o saci. Para o Coletivo Fora da Garrafa, isso é uma oportunidade de mostrar que o personagem existe nas culturas ancestrais e que não necessariamente é o mesmo daquele do Sítio do Pica-pau Amarelo. Por isso, eles reúnem educadores que trabalham propostas de como falar do tema em sala de aula, desde as histórias orais sobre o Jaxy Jaterê, do povo guarani, até sugestões de brincadeiras. O material, disponível em vídeo, pode inspirar escolas e famílias para não deixarem esse personagem de fora no dia 31 de outubro.