‘Preconceito causa marginalização de crianças’, diz especialista

Silvio Kaloustian, coordenador do UNICEF para os Estados de São Paulo e Minas Gerais, em entrevista ao Lunetas.

Camilla Hoshino Publicado em 04.07.2016

Resumo

De acordo com Silvio Kaloustian, do UNICEF, o preconceito, racial é uma das principais causas de exclusão e marginalização de crianças e adolescentes na sociedade.

“Mudando a vida das crianças e adolescentes da periferia, mudamos a cara de São Paulo”, afirmou Silvio Kaloustian, coordenador do Unicef  (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para os Estados de São Paulo e Minas Gerais em entrevista ao Lunetas.

Na entrevista, Silvio aponta o preconceito, racial, principalmente, como uma das grandes causas de exclusão e marginalização de crianças e adolescentes na sociedade.

O especialista aponta a participação e o engajamento cada vez mais ativo das populações em situações de vulnerabilidade junto ao poder público como um fator fundamental para transformar essa realidade e diminuir desigualdades nas cidades.

Nesse sentido os trabalhos como o da Plataforma dos Centros Urbanos (PCU), uma iniciativa do Unicef para construir um modelo de desenvolvimento para as cidades cada vez mais sustentável são fundamentais.

Confira a entrevista!

  • Lunetas: Como funciona exatamente a Plataforma dos Centros Urbanos?

Silvio Kaloustian: A Plataforma dos Centros Urbanos é uma contribuição do UNICEF na perspectiva e na busca de modelos de desenvolvimento inclusivos. Ela é uma plataforma, que acontece em oito grandes capitais brasileiras, de mobilização, sensibilização, formação, capacitação e treinamento de gestores que envolve as comunidades, ongs e movimentos sociais.

Em São Paulo, atuamos em três grandes territórios: Cidade Tiradentes, Grajaú e Brasilância. A escolha desses territórios é baseada em evidências que são indicadores na área da infância, que foram coletados, interpretados, analisados e por meio disso nós escolhemos esses 3 territórios, que chamamos de alta vulnerabilidade.

  • Lunetas: Quais são os principais indicadores de vulnerabilidade nesses territórios?

Silvio Kaloustian: A vulnerabilidade está atrelada à cor, moradia, localização, condição da família. O conjunto das população vulneráveis são a grande maioria nessa cidade. Uma parcela importante da população brasileira, e também de São Paulo.

Estou falando de desigualdades entre bairros, dentro de cada bairro, e particularmente as desigualdades existentes entre os diferentes grupos populacionais: a mulher indígena, a mulher branca e a mulher negra; a criança branca, a criança indígena e criança negra. É um campo que afeta diretamente a vida de milhões de crianças e adolescentes nesse país.

Falando de violação de direitos da infância, temos mortalidade neonatal, infantil, baixo acesso à oferta educacional, altos índices de  homicídios, gravidez na adolescência e pouco acesso à programas pré-natais

A gravidez na adolescência é a maior causa da evasão de meninas na educação fundamental e no ensino médio. Infelizmente a menina grávida se vê envolta de preconceitos e discriminação, não é acolhida no ambiente escolar e acaba abandonando a escola.

  • Lunetas: Dentro de São Paulo há muitas realidades…

Silvio Kaloustian: Eu prefiro dizer que existe uma única cidade, e que esta cidade carrega um campo tremendo de desigualdades sociais econômicas, educacionais e culturais. Há diferenças de tratamento em relação à cor das pessoas, à origem, à sua condição socioeconômica, à orientação sexual e ao acesso à equipamentos públicos. É um campo de desigualdades que se mostram presentes de forma perversa.

Os indicadores mostram muitas disparidades e como é injusta e perversa a situação apresentada pela cidade. Por exemplo? Homicídios. Quando comparamos a Cidade Tiradentes, com mais de 218 mil habitantes, com bairros como Moema e Pinheiros, é possível observar como esse indicador se manifesta de forma injusta e perversa sobre as populações moradoras dos bairros mais periféricos. A incidência de homicídios sobre as populações de locais onde a infraestrutura é ausente e a presença do estado é nebulosa, afeta os mais vulneráveis dentro da vulnerabilidade.

  • Lunetas: Como o poder público pode desenhar políticas que contemplem e atendam às necessidades específicas dessas populações?

Silvio Kaloustian: Os investimentos públicos podem ser mais efetivos, consistentes e sustentáveis por meio de processos participativos e de escuta, que sempre respeitem as pessoas e cobrem do poder público sua responsabilidade. O eixo principal da atuação do UNICEF é ouvir. A contribuição das comunidades é muito importante, pois coloca a infância em primeiro lugar e as criança das periferias na agenda da política.

  • Lunetas: Quais foram as principais ações da Plataforma?

Silvio Kaloustian: Estamos falando de oportunidades de participação, de fóruns, de capacitação, pudemos empoderar gestores públicos, uma parte importante desse trabalho, com o trabalho das UBS – Unidade Básica de Saúde, que nos trouxeram tanto conhecimento e aprendizado e maneiras boas de se atender e acolher a população local.

Outra vertente importante é o envolvimento dos adolescentes, de até 17 anos, na iniciativa.  Em parceria com a Revista Viração, eles produziram materiais e conteúdos para fazer um diálogo qualificado com o poder público, ouvir histórias, fatos, situações e proposições. Com isso, percebemos que um ambiente de acolhimento e oportunidade se torna um ambiente propositivo, crítico, inovador e agregador.

  • Lunetas: O que vocês aprenderam ouvindo essas populações?

Silvio Kaloustian: Em primeiro lugar, vimos a importância da humanização dos dados socioeconômicos, sobretudo na área da infância. Aprendemos muito sobre como soluções simples, como a humanização nos atendimentos, podem ser eficazes em relação à questão de falta de aparelhos públicos em áreas de vulnerabilidade.

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