Apropriação cultural e as fantasias das crianças no Carnaval

Conheça os preconceitos por trás de fantasias que imitam a cultura afro, de povos originários ou ciganos e como brincar um carnaval consciente com as crianças

Célia Fernanda Lima Publicado em 05.02.2024
imagem d ecapa para a matéria sobre apropriação cultural em famtasias de carnaval mostra várias crianças fantasiadas em um lugar aberto
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Resumo

Fantasias de cigano, nega maluca ou indígena são consideradas preconceituosas por representantes de vários povos e etnias. Neste carnaval, entenda mais sobre a apropriação cultural e como é possível brincar com fantasias divertidas e respeitosas.

Durante o carnaval, é comum ver pelas ruas adereços e roupas próprias de alguma etnia ou cultura. Mas, antes de vestir as crianças de indígena, cigano ou baiana, por exemplo, é importante entender o conceito de apropriação cultural e por que essas comunidades consideram algumas fantasias desrespeitosas.

Segundo Rodney William, antropólogo e escritor negro candomblecista, a apropriação ocorre quando “alguém do grupo dominante adota objetos ou hábitos de uma cultura subalternizada e, além de não reconhecer a origem, esvazia o sentido daquele objeto ou manifestação cultural”.

Em pronunciamento à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a deputada e ativista indígena, Célia Xakriabá, questionou quando não indígenas consideram “fofos, bonitos e exóticos” o uso de elementos de outras culturas. Enquanto, por outro lado, discrinam os próprios indígenas, que “têm que aguentar piadinhas e críticas quando querem “falar suas línguas, praticar os rituais, danças e costumes milenares de pintar o corpo e usar cocar”.

Cocar nem pensar

Para os povos originários, usar cocar ou pinturas como fantasia é um desrespeito à tradição e à cultura indígena. Além disso, “o dilema de utilizar joias ou grafismos dos povos indígenas representa diretamente os estereótipos coloniais. Isso ocorre, pois pelo menos metade da população brasileira desconhece a pluralidade étnica dos povos indígenas do Brasil”, explica Paula Guajajara, indígena do programa educativo do Museu das Culturas Indígenas, de São Paulo.

“Aqui, quem usa cocar são apenas as lideranças e os pajés. É algo que tem muito significado para nós, assim como a pintura no corpo, que é sagrada. Não podemos usar de brincadeira, sem saber o significado” – Bewari Tembé, professor da Terra Indígena Alto Rio Guamá

Cor da pele não é fantasia

Assim, fantasias de baiana ou de personagens que remetem às religiões afro também podem ser ofensivas. O mesmo acontece com fantasias de “nega maluca” ou qualquer uma que reproduza o black face – quando pessoas brancas pintam a pele de preto para imitar pessoas negras. “A pele de ninguém é fantasia”, disse o criador do site Cultura Preta, Jão Nicomedes, em artigo sobre o assunto.

Em contrapartida, temas da cultura afro e suas mitologias estão cada vez mais presentes nas festividades de carnaval, principalmente em enredos de escolas de samba e blocos de rua. Segundo o sacerdote Bàbá Vitor Friary, doutorando em Estudos Africanos, “a tendência não apenas enriquece o espetáculo com sua diversidade, mas também desempenha um papel crucial na quebra de barreiras de preconceito e estigmas relacionados às expressões culturais e espirituais de matrizes africanas”.

Trajes de povos ciganos marcam suas identidades

Desse modo, outro exemplo da chamada “apropriação cultural” é a fantasia de cigano ou cigana. As roupas e acessórios que exploram suas identidades reforçam estereótipos sobre o povo que veio do oriente e que já sofreu perseguições históricas. O preconceito surge desde a Inquisição da igreja católica, no século XIV, até a Segunda Guerra Mundial, com a morte de milhares de ciganos.

“Temos nossa etnia, nossa dança, nossa música. É um desrespeito achar que podem sair vestindo qualquer coisa e aproveitar o momento de festa e alegria para fazer insinuações maldosas do nosso povo cigano. Somos seres humanos e o que pedimos para as pessoas é respeito”, disse Rogério Ribeiro, presidente do Instituto Cigano do Brasil, em entrevista ao G1. No Brasil, são cerca de 500 mil pessoas vivendo em mais de 300 acampamentos ciganos, segundo estimativa do IBGE.

Como falar sobre apropriação cultural com as crianças?

Pode parecer complicado, mas explicar essa questão para as crianças é mais fácil do que se imagina. Paula Guajajara diz que basta contar de forma simples que é preciso respeitar as pessoas, suas culturas e tradições. Ou seja, símbolos sagrados não são piadas, muito menos a cor da pele da pessoa. “Nós, povos indígenas, educamos crianças e jovens por meio da oralidade. Portanto, o diálogo é fundamental. Apontar para as crianças a falta de conhecimento delas em relação ao outro e instruí-las a respeitar e compreender melhor a diversidade étnica ao longo de sua formação pode ser um dos caminhos.”

Neste mês, o Museu da Cultura Indígena, de São Paulo, terá a instalação “Indígena NÃO é fantasia!”, para o público refletir que o uso de cocar, vestimentas e pinturas durante o carnaval reproduzem a visão caricata que as pessoas não-indígenas têm dos povos originários.

Você pode substituir essas fantasias por…

O Lunetas traz outras propostas de fantasias para brincar com as crianças no carnaval, sem desrespeitar ninguém:

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Onça pintada

Uma homenagem aos animais da floresta e com adereços fáceis de encontrar. 

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Passarinho

Fantasia lúdica, colorida e que pode despertar a imaginação das crianças.

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Sereia

Cheia de charme e encanto, é uma oportunidade de contar sobre Iara e as lendas da floresta.

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Sol e Lua

Simples de criar, além de poder usar em dupla, combinando com irmãos, primos ou amiguinhos.

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Cacto

Diferente, criativo e lembra elementos da natureza.

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