O sono da criança: descanso de qualidade melhora o desenvolvimento

Estabelecer uma rotina de sono saudável para crianças e adolescentes é garantir um melhor aprendizado, crescimento equilibrado e bem-estar

Jessica de Almeida Publicado em 25.03.2025
o sono da criança: imagem de capa mostra um bebê negro dormindo no colo de uma mulher negra.
OUVIR

Resumo

O sono influencia no crescimento, no aprendizado e no bem-estar emocional das crianças. Especialistas explicam como identificar possíveis distúrbios, a importância da rotina e os impactos das telas no descanso infantil.

Quando bebê, Clarice acordava duas ou três vezes durante a noite, mas logo voltava a dormir. O sono era irregular somente no período das cólicas. Com o tempo, a menina aboliu os cochilos diurnos, porém dormia cerca de onze horas por noite.

Agora, com 14 anos, ela dorme às dez da noite, acorda às cinco da manhã e relata cansaço. A mudança nos padrões de sono de Clarice é comum, principalmente por causa da adolescência, quando a tendência é que o jovem durma e acorde mais tarde.

Denise Drummond, mãe de Clarice, conta que fez o que pôde para garantir à filha um descanso que resultasse positivamente no crescimento, aprendizado e bem-estar emocional. E ela estava certa, pois bons hábitos de sono são essenciais para crianças e adolescentes. Isso porque o descanso de qualidade influencia no desenvolvimento físico, na melhora do aprendizado, na redução da irritabilidade e é parte importante na regulação do humor.

A princípio, a tarefa parece fácil, começando pelas recomendações sobre necessidade de tempo de sono de acordo com a faixa etária – embora possa variar.

Imagem mostra tabela de horas de sono das crianças.

Infelizmente, o ideal não é a realidade de muitas famílias. Aproximadamente 25% das crianças, em diferentes faixas etárias, apresentam características compatíveis com distúrbios do sono, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Apesar do alto índice, é possível que haja subnotificação, já que os problemas de sono durante a infância não se resumem a acordar muito durante a noite. “Os pais devem ficar atentos a outros fatores, como por exemplo, se a criança se mexe muito enquanto dorme, se ronca três vezes por semana ou mais, se apresenta sonambulismo ou terror noturno”, alerta Cristiane Fumo, pediatra e membra do Departamento Científico de Medicina do Sono da SBP.

Crianças dão sinais de um sono ruim e precisam de poucas interferências

Na missão das famílias em “orquestrar” um sono saudável de suas crianças, há uma diversidade nos hábitos e nas adaptações. Assim, algumas já aprendem a dormir sozinhas, outras não. O ponto importante, alerta Cristiane Fumo, é que aquelas que não aprendem, tendem a continuar com dificuldade se uma intervenção não for feita.

A pediatra explica que quando a criança não dorme o suficiente, ela dá sinais como:

– dificuldade para adormecer e manter o sono;
– ronco alto ou respiração irregular;
– pesadelos frequentes;
– episódios de sonambulismo e terrores noturnos;
– sonolência excessiva durante o dia;
– irritabilidade e alterações de comportamento.

Ao identificar alguns desses sinais, é importante procurar ajuda médica pediátrica ou especialistas em sono. “A literatura estrangeira diz que se espera autonomia do sono aos seis meses. Raramente vemos isso acontecer, portanto, vamos atuando na forma como o bebê adormece, ‘ensinando’ a dormir”, afirma Cristiane.

No período correspondente entre dois e três meses de idade, o bebê terá uma fase de sucção não nutritiva. De acordo com a especialista, esse é o momento chave: o de tirar o bebê do peito e manter ainda no colo.

“Em poucos dias ele se acostuma. E não precisa deixar chorando caso ele não consiga. É só voltar ao seio e tentar de novo na próxima mamada”, afirma. “Com alguns dias, já tranquilo no colo, é hora de passar para o berço com a mesma ideia de tirar do seio. Ou seja, se chorar, acaricie no berço ou pegue no colo”, recomenda a pediatra.

No caso de bebês e crianças que têm mais de seis meses e ainda precisam de intervenções para dormir, como as mamadas ou uma canção de ninar, também é necessário atuar para estimular a autonomia do sono. “Remédio nenhum vai mudar isso. Então, vamos atuar na forma como a criança adormece desde bebê, ‘ensinando’ a dormir sem intervenção externa”, reforça Cristiane.

Rotina do sono e preparo do ambiente são fundamentais

A rotina familiar é o principal fator de interferência na qualidade do sono das crianças, aponta Camila Halal, neuropediatra e membra do Departamento Científico de Neurologia, também da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Em primeiro lugar porque rotinas consistentes, como o hábito de diminuir os estímulos antes de dormir e manter horários regulares, ajudam a criança a associar esses momentos ao relaxamento. Por outro lado, quando a família dorme tarde ou tem hábitos irregulares, a criança pode ter dificuldades em entender a importância do sono e resistir ao descanso.

Além disso, atividades organizadas, horários regulares para as refeições e momentos de repouso ajudam a equilibrar a produção de hormônios como a melatonina e o cortisol, que impactam na qualidade do sono. Segundo Camila Halal, o preparo para o sono ocorre ao longo do dia, não apenas perto da hora de dormir.

“A criança precisa acordar num horário adequado, se expor à luminosidade do dia, fazer atividades físicas – não próximas ao horário de dormir, e incorporar essas necessidades na rotina”, explica. “No final do dia, ela deve saber que há uma sequência de eventos ocorrendo e que irão culminar com o horário de dormir”. Ou seja, a neuropediatra confirma que uma rotina previsível pode reduzir a ansiedade, facilitando o relaxamento para adormecer bem.

Image

Arquivo pessoal

Quando era bebê, Clarice, 14 anos, dormia sem muitas interrupções. A mãe, Denise Drummond, investiu em uma rotina saudável para estimular um sono de qualidade da filha.

Image

Arquivo Pessoal

Aos 9 anos, Alice já dorme sozinha sem precisar de companhia ou de alguma luz acesa. Desde bebê, ela foi acostumada pela mãe, Francine de Oliveira, a ficar mais quieta e desligar as telas pelo menos uma hora antes do sono noturno.

Que tal investir naquele ‘santo cochilo’?

Os cochilos diurnos também desempenham um papel fundamental no descanso infantil, principalmente nos primeiros anos de vida, pois ajudam a consolidar a memória, regular as emoções e evitar que a criança se canse ao longo do dia.

Portanto, o bebê pequeno precisa de vários episódios de sono durante as 24 horas, explica Camila Halal. Por volta de um ano de idade, os bebês ainda necessitam de dois cochilos por dia até os quatro e cinco anos.

Embora as famílias pensem que essas sonecas atrapalham o sono noturno, o mais saudável é fazer exatamente o contrário. Isso porque os cochilos garantirão uma noite menos agitada e estressante.

“A grande questão é o momento em que os cochilos ocorrem”, pontua a neuropediatra. Por exemplo, se a criança não dormir na escola ou creche e fizer uma soneca longa ao final da tarde, por volta das 18 horas, não sentirá sono suficiente para preencher a noite inteira.

“Muito provavelmente isso vai atrapalhar o despertar no dia seguinte”, diz.

Quanto tempo pode durar uma soneca?

Bebês de 1 ano a crianças até 5 anos – Precisam de dois cochilos por dia, que não devem terminar 4 horas antes do sono noturno. 

Crianças com mais de 5 anos – Precisam de um cochilo por dia e não deve terminar 6 horas antes do sono noturno.

Crianças maiores e adolescentes – Não existe a necessidade fisiológica do sono diurno, mas breves cochilos podem ser feitos pela tarde, sem ultrapassar 20 minutos.

“Normalmente, quando uma criança ou adolescente precisa dormir por períodos longos durante o dia, isso sinaliza que deve estar dormindo pouco à noite”, alerta a neuropediatra. Então, o cochilo vira uma tentativa de compensar a falta de sono noturno.

Para um equilíbrio, novamente a rotina é imprescindível, mesmo aos finais de semana, para evitar que a criança não manifeste sonolência. A especialista explica que a quantidade de sono e o horário em que ele começa devem fazer parte da programação das crianças e adolescentes.

Telas antes de dormir não ajudam no sono tranquilo

Aos 9 anos, Alice já vai dormir sozinha sem precisar de luzes ou companhia. Mesmo pedindo para ficar acordada até mais tarde nos dias de semana, a mãe, a bióloga e fotógrafa Francinne de Oliveira, não flexibiliza.

“Um conselho que dou é não usar telas até quando conseguir. Apostamos em jogos manuais na cama e na leitura como forma de aproximação. Quando não for possível, controlar o tempo de uso e limitar principalmente perto da hora de dormir”, diz Francine.

Hoje, elas colhem os bons frutos de manter a rotina quando estão em casa, pois Alice não tem dificuldade para dormir e raramente acorda durante a noite. Porém, não há regras quando a menina está na casa da avó. “Percebo que ela volta mais irritada por não dormir direito”, conta a mãe.

Especialistas recomendam não apenas reduzir, mas eliminar a exposição das crianças a telas ao menos uma hora antes de dormir. “A frequência de luz emitida pelas telas reduz drasticamente a liberação de melatonina”, explica Camila Halal. “A melatonina é o hormônio da sonolência e sua liberação está relacionada a ausência de luz. Já a presença de luz, sinaliza para o cérebro que é dia e a liberação da melatonina é inibida.”

A neuropediatra reforça que o controle dos pais nos horários de sono e exposição a telas é indispensável para a qualidade do sono dos filhos. Nesse sentido, existem estratégias para evitá-las na rotina noturna das crianças ou dos adolescentes. Conheça algumas:

  • Criar um ritual pré-sono sem celulares, tablets e TVs, e substituí-los por atividades relaxantes, como leitura, música suave ou conversa em família;
  • Estabelecer um tempo máximo de uso, desligando os dispositivos pelo menos uma hora antes de dormir;
  • Remover telas do quarto e, em caso de necessidade de despertador, substituir essa função do celular por um despertador analógico;
  • Dar exemplo e evitar telas antes de dormir para incentivar o hábito.

Leia mais

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS