Ações voltadas para a parentalidade positiva e o direito ao brincar são uma forma de prevenir violências contra crianças e adolescentes
Sancionada em março deste ano, a nova lei inclui a parentalidade positiva – um modo de criar crianças em que os limites são estabelecidos em conjunto – e o direito ao brincar como estratégias para prevenir a violência doméstica na infância.
Associado à construção de confiança, potência criativa e autonomia, o brincar livre é quando adultos não interferem o tempo todo no que as crianças devem fazer. Em vez disso, as acompanham com seu olhar de encorajamento e admiração pelas descobertas que são capazes de fazer. Já a parentalidade positiva é um modo de criar crianças em que se estabelecem os limites em conjunto, privilegiando a escuta e o diálogo. Agora, ambas as estratégias viraram lei para prevenir as violências contra crianças e adolescentes no Brasil.
Segundo a coordenadora jurídica do Instituto Alana, Ana Claudia Cifali, além de reforçar a importância de políticas públicas para o brincar e para a parentalidade positiva, reconhecendo que essa não é uma habilidade inata das mulheres e mães, a nova lei avança ao promover serviços e estruturas que possibilitem sua efetividade ou a garantia desses direitos. Para ela, “a falta de espaços públicos e de convivência, familiar e comunitária ainda é uma realidade no Brasil. Mas isso pode avançar com esta lei.”
Cifali considera ainda outros dois avanços: o fato de assegurar o direito de crianças e adolescentes se relacionarem com a natureza e a garantia de que possam viver em seus territórios originários. “O acesso, vínculo, conexão e intimidade com a natureza contribuem para uma infância saudável e para o desenvolvimento integral das crianças. Ter liberdade para experimentar e descobrir o mundo é condição essencial para que possam existir com seus modos próprios de pensar, sentir, agir, criar e apreciar o entorno”. Já o direito à terra, lembra, é muito importante “diante das ameaças aos territórios originários e especialmente aos direitos de crianças e adolescentes indígenas”.
Para Elisa Altafim, psicóloga e doutora em saúde mental pela Universidade de São Paulo (USP), “algumas legislações mencionam a oferta, no âmbito das políticas públicas, de programas para apoiar os pais a estimularem adequadamente seus filhos, e a não praticarem qualquer tipo de violência”. Mas, a nova lei “reforça a importância da parentalidade positiva na vida das crianças e incentiva a criação de ações em programas existentes ou novos”.
O direito ao brincar e a prevenção das violências contra crianças e adolescentes são garantidos em legislações como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Marco Legal da Primeira Infância. Também aparecem em leis como Menino Bernardo e Henry Borel, que tratam da proteção infantil, por exemplo.
A parentalidade positiva envolve estratégias e comportamentos respeitosos, acolhedores, estimulantes e não violentos. Ou seja, em qualquer conduta para pais e mães, o respeito às crianças e aos adolescentes é elemento básico. Isso porque eles são sujeitos relacionais e sujeitos de direitos.
Portanto, essa abordagem envolve diferentes aspectos da parentalidade. Por exemplo, “o conhecimento que pais e mães têm sobre o desenvolvimento de uma criança, as crenças que consideram necessárias para educá-la, e a forma como atuarão em um determinado momento”, acrescenta Altafim, que realiza pesquisas, formações e consultoria relacionadas a temas como desenvolvimento infantil e parentalidade. Então, na prática, é sobre o quanto se é responsivo às necessidades da criança, se está atento ao que ela precisa ou se consegue respondê-la sem recorrer a qualquer tipo de violência.
“A parentalidade positiva disciplina e coloca regras e limites, mas de forma positiva”
Por outro lado, a parentalidade é negativa quando envolve crenças já ultrapassadas como, por exemplo, a que defende tapas e palmadas para educar uma criança. “Hoje se sabe que estas práticas violentas afetam o desenvolvimento da criança e sua saúde, tanto física quanto mental”, explica Altafim.
Lucas Lopes, secretário executivo da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes – uma articulação da sociedade civil dedicada à prevenção e ao enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes no Brasil – ressalta que a parentalidade positiva é uma estratégia baseada em evidências de qualidade que, associada a outras abordagens, previne violências e amplia os fatores de proteção.
De acordo com ele, a prioridade é potencializar no Brasil as estratégias INSPIRE, da Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes. O objetivo é auxiliar no enfrentamento das violações contra esta população. Em 2018, o país assumiu este compromisso, que foi renovado em 2023. Apesar disso, até o momento, não existe uma estratégia nacional de prevenção e resposta a todas as formas de violência.
“Palestras e rodas nas conversas nas escolas ajudam a disseminar os conhecimentos sobre práticas parentais positivas”, acrescenta Altafim. Contudo, evidências científicas apontam que, para uma mudança efetiva de comportamento de pais, mães e cuidadores – o que demanda tempo -, os programas de parentalidade são mais eficazes. Isso porque são estruturados com início, meio e fim. Nesse sentido, após a participação do programa de parentalidade em grupo, “pais e mães melhoram a regulação emocional e comportamental, incrementam a comunicação que têm com a criança e reduzem o uso de práticas negativas, como bater e gritar, passando a compreender sobre o desenvolvimento da criança”.
No Brasil, programas de parentalidade apoiam os cuidadores no uso de práticas positivas como forma de prevenção às violências contra crianças e adolescentes. De acordo com pesquisas, eles melhoram o vínculo entre pais e filhos e “ajudam a quebrar o ciclo de violência intergeracional”, diz Altafim.
Sancionada no último dia 21 de março, a Lei nº 14.826/2024 define a parentalidade positiva como o processo parental na família que leva em conta uma educação baseada no respeito, no acolhimento e na não violência. Além disso, estabelece que crianças e adolescentes têm direito ao brincar livre de intimidação ou discriminação, a se relacionar com a natureza, a viver em seus territórios originários e a receber estímulos parentais lúdicos que proporcionem seu desenvolvimento. Com isso, cabe à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios criarem, no âmbito das políticas de assistência social, educação, cultura, saúde e segurança pública, ações de fortalecimento da parentalidade positiva e de promoção do direito ao brincar.