Um dos livros mais lidos do mundo segue criando memórias afetivas que passam de geração em geração
Sucesso mundial, “O pequeno príncipe” completa 80 anos de lançamento em 2023 e segue encantando gerações de leitores. Traduzido em mais de 250 idiomas e com mais de 145 milhões de cópias vendidas, é recomendado ir além das frases célebres para alcançar sua complexidade.
A história do garoto de cabelos dourados que encontra um piloto em pleno deserto na Terra com quem partilha suas andanças por diversos planetas e suas impressões sobre distinguir o que vale a pena do que é supérfluo e passageiro tem conquistado leitores ao longo de oito décadas, com o livro “O pequeno príncipe”.
Ana Paula Mira ganhou da avó o livro quando tinha 13 anos, logo depois de perder um relógio novinho no mar. “A melancolia e a solidão que sentia se misturaram à leitura. Acho que ela me deu a obra para falar do que realmente importa na vida, sobre amizade e pertencimento. Embora não tenhamos conversado sobre isso, entendi que essa era sua estratégia para me dizer algo: oferecer um livro”, conta. Agora, mãe da Malu, de 14 anos, Mira torce para que a menina releia a história para ter uma experiência diferente do primeiro contato, quando, aos sete anos, lia um pouco do livro a cada noite e reproduzia o desenho da cobra com o elefante dentro.
Assim como Mira, há quem leu “O pequeno príncipe” na infância, criou memórias afetivas e o releu na vida adulta. Há os que tiveram contato com a obra apenas adultos. Os que releram várias vezes ao longo da vida e, a cada leitura, experimentam novos significados e reflexões. E aqueles que, embora não tenham lido a obra, a conhecem por suas frases célebres como “tu te tornas responsável por aquilo que cativas” e “o essencial é invisível aos olhos”.
Léla Mayer fez a primeira leitura da obra com o filho Arthur ao pé de uma jabuticabeira, em 2016, ano em que o menino teve uma parada cardíaca em seu colo. Dois anos mais tarde, depois de 65 dias internado em uma UTI, Arthur, que tinha 8 anos, despediu-se de sua mãe e foi morar no asteroide B-612 para ajudar o pequeno príncipe a cuidar da rosa, que estava muito exigente. Foi com essa metáfora que Mayer passou pelo luto da perda de seu filho caçula.
“Já havíamos passado por muitas internações difíceis. Nesta última, pedi pro Papai do Céu me dar tempo suficiente para reler ‘O pequeno príncipe’ com o Arthur e Ele me deu”, conta. “Depois do que vivemos em 2016, reler a passagem que diz ‘O sentimento do irremediável me fez gelar de novo. E eu compreendi que não podia suportar a ideia de nunca mais escutar aquele riso’, tomou outra dimensão. A história desse principezinho solitário me ajudou a acomodar dentro de mim um luto que, talvez, sem ele, fosse muito mais difícil de ser elaborado”, reflete.
Mayer, que assistia ao filme com o pai, na década de 1970, quando era criança, tem pelo menos mais outro motivo de conexão com o livro, porque o exemplar que tem em casa foi presente de uma professora, quando o João, seu filho mais velho, hoje com 19 anos, ingressou no ensino fundamental.
Por ser uma obra tão conhecida, é comum que o excesso de exposição traga a ideia de que é um livro com mensagens bonitas e final feliz, mas, conhecer a obra na íntegra, mostra como essa narrativa atemporal dialoga com os mais diversos públicos e idades.
“Só li o livro adulta. Embora já conhecesse a obra, nunca me despertou interesse. Quando engravidei do meu primeiro filho, Miguel, ganhei um exemplar do meu marido, que já tinha lido na infância. O livro ficou guardado por anos, até que, em 2020, durante o isolamento social pela pandemia de covid-19 decidimos fazer a leitura em capítulos. Foram momentos muito especiais em que meu caçula, Joaquim, pedia todas as noites para ouvir a história do ‘príncipe pequeno’”, conta Elis Alves Silva, mãe do Miguel, 9 anos, e do Joaquim, 5. “Tivemos muitas conversas em família sobre a persistência do príncipe, a amizade com a rosa e a necessidade de sair do seu planeta para reconhecer o amor. Hoje a história é muito querida por aqui”. Para o pequeno Miguel, é preciso reler “O pequeno príncipe” todos os anos, porque “ele traz mensagens boas para nós, como a de não desistir. Precisamos sempre ter esperança.”
“O pequeno príncipe” completa 80 anos de publicação em abril de 2023. Lançado em inglês e francês, tem traduções para mais de 250 idiomas, com mais de 145 milhões de exemplares vendidos. É considerado um clássico e está entre os livros mais lidos e vendidos do mundo. Esta edição traz o texto na íntegra, aquarelas do autor e um posfácio rico em detalhes sobre a vida do autor e da obra, com fotos inéditas. A tradução e o posfácio são de Mônica Cristina Corrêa, uma das maiores especialistas na obra de Saint-Exupéry.
No Brasil, “O pequeno príncipe” é o segundo livro mais lido, segundo a última pesquisa Retratos de Leitura, ficando atrás apenas da bíblia. Está também entre os livros mais lembrados pelos leitores. Mas, afinal, o que faz desta narrativa um sucesso editorial?
“Entre os muitos aspectos que a obra aborda, Antoine de Saint-Exupéry fala de forma magistral de algo que é universal, comum a todos: a efemeridade e a morte. Repare que o que abre a narrativa é o desenho da jiboia engolindo uma fera”, destaca a tradutora e pesquisadora da obra do autor, Mônica Cristina Corrêa.
Embora o ponto de partida seja a morte, representada de forma simbólica ao longo da narrativa, o encontro entre o piloto, que é o narrador, e o príncipe nos convida a refletir sobre a vida e o que vale a pena. “Saint-Exupéry deu sequência ao que já dizia em seu livro ‘Piloto de guerra’: “Morre-se unicamente por aquilo por que se pode viver”, acredita Corrêa.
É também em “Piloto de guerra” que o autor escreve sobre a infância como um “grande território de onde cada um veio! De onde sou? Sou da minha infância. Sou da minha infância como de um território…” e que mais tarde essa ideia de imaginar os meninos que habitam todo adulto se repetiria na dedicatória de “O pequeno príncipe”, como aponta a especialista, convidando os leitores a enxergar o essencial que fica guardado na infância.
Para Léon Werth
Peço perdão às crianças por ter dedicado este livro a uma pessoa adulta. Tenho uma boa desculpa: essa pessoa adulta é o melhor amigo que tenho no mundo. Tenho outra desculpa: essa pessoa adulta consegue entender tudo, até os livros para crianças. Tenho uma terceira desculpa: essa pessoa adulta mora na França, onde passa fome e frio. Ela precisa ser consolada. Se todas essas desculpas não bastam, gostaria então de dedicar este livro à criança que foi outrora essa pessoa adulta. Gente grande primeiro foi criança. (Mas poucos se lembram disso.) Corrijo portanto a minha dedicatória:
Para Léon Werth, quando ele era menino
No posfácio da edição da Cia das Letrinhas, Corrêa traz uma confidência do autor: “Tive muita dificuldade em persuadir meus editores de que a história devia terminar com a morte do pequeno príncipe. Eles me disseram que uma história para crianças nunca deve acabar mal. Eu lhes demonstrei que estavam errados. As crianças aceitam tudo o que é natural. E a morte é natural. Nenhuma criança vai se sentir transtornada pela partida do pequeno príncipe”.
Para ir além das frases mais conhecidas e alcançar a complexidade da obra, é essencial saber o contexto em que o livro foi escrito e quem era seu autor. Antoine de Saint-Exupéry, o terceiro de cinco filhos, nasceu na França, em junho de 1900, numa família de aristocratas. Viveu uma vida cheia de aventuras que daria um livro.
Já na infância demonstrou interesse por desenho e música, mas sua grande paixão foi a aviação. A primeira experiência aérea foi aos 12 anos como passageiro e, ao se alistar ao serviço militar, ele tornou-se piloto. Entre muitas aventuras – que incluíram panes, acidentes, dias em coma, quedas no mar e no deserto e atuar como combatente de guerra pilotando aviões – foi um dos primeiros a transportar correspondências por via aérea e voou para diversos países, inclusive para o Brasil.
Nesta biografia escrita e ilustrada por Peter Sís, os leitores vão descobrir, entre muitas histórias, como Saint-Exupéry ajudou a criar rotas para lugares distantes, os acidentes que sofreu e as suas reflexões enquanto estava nos céus – experiências que depois o inspiraram a escrever suas obras.
Durante a Segunda Guerra Mundial, participou de missões militares para fotografar territórios franceses invadidos pelos alemães. Exilou-se em Nova Iorque, onde ficou por quase dois anos, antes de conseguir voltar ao combate apesar das sequelas dos acidentes que sofreu, da idade considerada avançada para pilotar – eram aceitos pilotos de até 35 anos e ele já passava dos 40 – e da modernização dos aviões. Nesse período, escreveu três livros: “Piloto de guerra”, “Cartas a um refém” e “O pequeno príncipe”, seu último livro e também o único escrito para crianças, que veio após um questionamento de seus editores americanos: “Por que você não escreve um conto infantil?”.
Foi então que o piloto-escritor começou a trabalhar na obra que se tornaria uma das mais lidas no mundo. “Com lápis e aquarela fez as ilustrações e trouxe sua vida e aventuras como piloto para a narrativa, sem deixar de lado a solidão do deserto e a melancolia da guerra”, destaca o posfácio da edição da Cia das Letrinhas. O amigo a quem ele dedicou a obra era judeu e vivia os horrores da guerra na França.
“Gente grande nunca entende nada sozinha, e para as crianças é cansativo ter que dar explicações o tempo todo.” – O piloto, quando criança, no livro “O pequeno príncipe”
Saint-Exupéry saiu para uma missão, em julho de 1944, e nunca mais voltou. Não soube que seu pequeno príncipe cativa até hoje milhões de leitores em todo o mundo. Seu desaparecimento permaneceu um mistério por muitas décadas e, quando desvendado, como toda a sua vida, pareceu surpreendente: um pescador encontrou em sua rede algo brilhante, era o bracelete de Saint-Exupéry, distante do local onde se supunha que o avião havia caído. Na verdade, ele foi abatido por um jovem piloto alemão, que havia lido seus livros e que guardou este segredo por décadas.
Entre as inúmeras versões do livro, muitas preservam o texto integral e as ilustrações originais do autor. É, por isso, um item colecionável, como para Mirian Gama. “Quando criança sempre ouvia falar do pequeno príncipe, mas nessa época não tinha acesso a livros. Assim que tive a oportunidade, comprei um exemplar de bolso com meu salário de adolescente. Devorei. De tanto ver referência, achava que sabia tudo sobre a história e não sabia nada! Depois, comprei uma edição caprichada, com ilustrações e me apaixonei ainda mais”, revela.
“Quando fiz minha primeira viagem a Portugal, vi o ‘Principezinho’ na livraria mais antiga do mundo. Já colecionava edições em português e passei a colecionar versões em diversas línguas”, segue ela. A paixão de Gama foi passada ao filho Lucca, hoje com 4 anos. “Em 2019, apresentei ao meu filho, ainda bebê, uma das versões. Ano passado, começamos a ler juntos. Ele prestava atenção e fazia muitas perguntas. Quero voltar ao livro quando ele for maior para lermos juntos novamente”, diz.
Para quem quer explorar outras formas de ter contato com a obra, tem versões em audiobook para pessoas com deficiência visual ou para quem quer experimentar a escuta da obra antes de dormir, por exemplo, e uma edição inclusiva que, além do audiobook, apresenta a aventura do principezinho com ilustrações sugestivas, passatempos e atividades divertidas que consolidam a compreensão do texto, para pessoas com dificuldade de aprendizado ou deficiência cognitiva, como autismo e síndrome de Down.
E se em vez de “O pequeno príncipe” quem nos convidasse a redescobrir sua infância e aprender que o que importa só pode ser visto com o coração fosse “A pequena garota”? Do diretor Mark Osborne, a primeira adaptação animada da obra de Saint-Exupéry traz a jornada da pequena garota pela sua própria imaginação – e pelo universo do pequeno príncipe – enquanto está sendo preparada por sua mãe para o “mundo adulto”. Mas ela é interrompida por seu excêntrico e amável vizinho, o aviador, que lhe apresenta a um mundo extraordinário, no qual tudo é possível, ao qual ele mesmo foi apresentado há muito tempo pelo pequeno príncipe.
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