Licença para cuidar: mais presença pode transformar a paternidade

Pais relatam como a presença nos primeiros dias do bebê fortalece o vínculo afetivo e dão conselhos para homens que terão filhos em breve

Camila Salmazio Publicado em 08.08.2025
Um homem de barba e regata preta está debruçado num berço branco olhando para um bebê de olhos claros. A matéria fala da licença dos pais como oportunidade de cuidar dos filhos desde o começo da vida e criar vínculos afetivos.
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Resumo

Cada vez mais homens estão repensando seu papel como pais e buscando estar presentes desde o início da vida dos filhos, impulsionando uma mudança cultural em torno da paternidade ativa, afetiva e compartilhada.

“A licença não é um benefício do adulto, mas um direito da criança”, diz Daniel Endebo, do blog “Licença paternidade”. Ainda assim, ele tem um histórico de demissões: a primeira após retornar da licença de 40 dias e a outra durante a segunda gestação da esposa. “Quando falei com meu chefe que ela estava grávida, fui demitido no mesmo dia. Alegaram que a empresa estava em uma fase que não era compatível com a minha ausência.”

A licença-paternidade de cinco dias, prevista em lei no Brasil, ainda não é usufruída por 68% dos pais com carteira assinada, segundo estudo do Instituto Promundo de 2019. A baixa adesão está relacionada à falta de clareza sobre o benefício, mas também ao receio de que o afastamento prejudique a carreira.

Por isso, ao saber que poderia tirar 30 dias de licença, Lendric Silva, teve dúvidas. “Mas minha gerente não só me tranquilizou como me promoveu durante esse período”, conta. Ao fim da licença ainda permaneceu mais 30 dias em home office, o que possibilitou acompanhar de perto os primeiros meses do filho Pedro.

Então, ele mergulhou nas rotinas do recém-nascido: trocas de fralda, banhos e noites maldormidas. “A privação de sono foi a parte mais difícil, mas conseguimos nos revezar. Isso impactou menos a relação com a minha esposa também.”

“Foi muito mais positivo do que eu imaginava, pela conexão que consegui criar com o meu filho. Uma semana seria muito pouco para isso”, diz. Segundo avalia, o vínculo que construiu com o filho durante esse tempo vai se estender para a vida. “A mãe sente o filho desde a barriga. O pai não. Ele cria o filho na imaginação. Então, quando você tem essa experiência, tudo muda. Você entende o que é ser pai na prática.”

Na segunda gestação da esposa, Felipe Basílio Oliveira decidiu mudar de carreira para estar mais presente. “Claro que tive medo. Mas precisava escolher o que era prioridade naquele momento”, lembra.

Hoje, ao falar sobre masculinidade e paternidade no canal @pode.pai, no YouTube, ele percebe que os homens estão mais dispostos a conversar, refletir e se transformar. Além disso, como embaixador da CoPai, uma aliança entre pessoas e empresas que lutam por uma licença-paternidade estendida, remunerada e obrigatória, ele vê o desejo crescente entre homens de participarem mais ativamente da criação dos filhos como um sinal de mudança cultural.

De acordo com a pesquisa “Radar da parentalidade”, realizada pela consultoria “Filhos no currículo”, oito em cada 10 pais querem mais dias de licença.

Conselhos de pai para pai

Para os homens que estão prestes a se tornar pais e vão ouvir em breve o chorinho de um novo ser, Felipe recomenda duas atitudes: seja curioso e aproveite a caminhada.

Lendric também sugere curiosidade. Para ele, “ser curioso é poder fazer sempre melhor”. Então, ele aconselha entregar-se à experiência. “À medida que você vai vendo o movimento do seu filho ou filha, dificilmente vai ficar alheio ao choro e também à alegria.”

Além disso, ele fala sobre “se desprender de determinados dogmas”. Por exemplo, “de que o homem não pede ajuda, não levanta a mão para pedir socorro e não sabe cuidar”, diz.

Felipe defende que os homens se permitam sentir, pedir ajuda e criar novas formas de se relacionar com a paternidade. “É um convite para se vulnerabilizar. O homem sempre foi cobrado para saber tudo, mas ser pai é também reconhecer que não sabemos e seguir aprendendo.”

Por fim, ele enfatiza que dizer que a fase da primeira infância passa rápido não é exagero. “Claro que é muito complicado você falar isso para um pai e para uma mãe quando estão às 3h30 da manhã acordados com um bebê com cólicas. Mas é uma fase que passa voando. Minha filha mais velha já tem 10 anos.”

Um novo jeito de ser pai está em curso

Atualmente, projetos de lei visam ampliar a licença-paternidade para até 120, de forma escalonada. “Esses projetos refletem o desejo da sociedade de ver os homens mais próximos da criação dos filhos. O objetivo é que a lei mostre o caminho, para que os pais não precisem lutar sozinhos”, destaca Felipe Basílio Oliveira.

Além de fortalecer os vínculos familiares, ele avalia que a presença ativa dos pais “tem um poder cívico e um poder de criação de cidadania muito forte”, inclusive com o potencial de “ajudar a reduzir casos de feminicídio e violência doméstica, e melhorar os índices de saúde mental entre jovens”.

Em 2024, o número de registros de crianças sem o nome do pai caiu pela primeira vez em cinco anos, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, apontando para uma tendência de maior reconhecimento e envolvimento paterno. Desde 2016, foram mais de 1,2 milhão de registros, a maioria concentrada no Sudeste.

Para Felipe, a pandemia foi uma virada de chave. “Muita gente pôde vivenciar o quão exaustivo e essencial é o cuidado dentro de casa.” Ainda assim, falar sobre paternidade continua cercado de tabus. “Quando uma mulher anuncia a gravidez, recebe apoio e conselhos. Quando é o homem, ouve piadas e alerta sobre o custo da criança. Falta acolhimento para essa transformação que ele também vive”, observa.

Ações possíveis para uma licença com mais cuidado

Enquanto a nova lei não é aprovada, empresas podem tomar iniciativas. Uma delas é aderir ao programa Empresa Cidadã, que amplia a licença de cinco para 20 dias, em troca de incentivos fiscais. No entanto, pouco mais de 21 mil empresas, de um total de mais de 23 milhões ativas no país, participam do programa.

O jornalista Rodrigo Gomes só conseguiu ampliar sua licença porque ele mesmo buscou informações e ajudou a empresa a se cadastrar. “Achei fundamental estar com a minha filha desde o início”, diz.

Não há dados oficiais sobre o número de homens que tiram licença-paternidade no Brasil. Isso porque os afastamentos por nascimento são registrados no mesmo sistema que os de saúde, o que dificulta o acompanhamento.

5 reflexões para exercer uma paternidade responsável

  1. Participação desde o planejamento reprodutivo
    Homens são convidados a compartilhar decisões e responsabilidades desde o início, reconhecendo que a parentalidade começa antes mesmo da gravidez e segue até a vida adulta dos filhos.
  2. Presença no pré-natal e durante a gestação
    Acompanhar consultas, entender as transformações da gestação e oferecer apoio físico e emocional à gestante ajuda a fortalecer os laços familiares desde cedo.
  3. Apoio no parto e no puerpério
    Estar ao lado da mãe no momento do parto e nos primeiros dias após o nascimento é fundamental para o bem-estar da família, além de contribuir para a saúde mental materna e o vínculo pai-bebê.
  4. Cuidado contínuo
    A paternidade responsável não se encerra nos primeiros meses: envolve o compromisso com a criação, a proteção e o afeto ao longo de todo o desenvolvimento da criança.
  5. Afeto é responsabilidade também
    Paternidade não é só presença material, mas vínculo, afeto e compromisso real. O Dia Nacional de Conscientização sobre a Paternidade Responsável, em 14 de agosto, convida os homens a romperem estereótipos, se vulnerabilizarem e assumirem seu papel com consciência e empatia.

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