A educação antirracista é fundamental para criar crianças livres de preconceitos, uma tarefa que se inicia pelo autoquestionamento dos próprios adultos
Para abordar o racismo com as crianças, as famílias devem estar preparadas para uma conversa franca: explicar, desconstruir estigmas, estimular a empatia e alargar seus espaços de convivência são peças fundamentais para uma educação antirracista.
As experiências vividas pelas crianças influenciam sua formação intelectual, cognitiva e socioemocional. E impactam direta e indiretamente na sua autoestima e no senso de empatia. Por isso, cidades, escolas, famílias e todos os espaços de convívio da criança devem ser construídos sobre os pilares da diversidade, incentivando infâncias livres de qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Acreditando que a educação antirracista enriquece o mundo e constrói um futuro mais justo e plural, o Lunetas listou algumas ideias para conversar sobre racismo com as crianças!
Desde cedo, o repertório de brincadeiras, músicas, livros, histórias, filmes e desenhos tem um papel-chave na construção das identidades e no modo como enxergamos as pessoas. Para crianças não negras, por exemplo, famílias podem aproveitar as oportunidades de conversa para abordar sem rodeios o tema do racismo. E enfatizar valores como igualdade e diversidade.
Para crianças negras, nada menos que compartilhar referências positivas que as façam enxergar toda a sua potência e as ajudem a se empoderar. Inclusive, frente aos desafios e às lutas em uma sociedade ainda marcada pelo racismo. De todas as formas, ignorar o tema ou desconsiderar situações que acontecem no dia a dia das crianças é a pior das alternativas.
Buscar informação de qualidade é necessário para que todos e todas possam entender como funciona o racismo e como ele organiza a sociedade. Especialmente para famílias não negras, aprofundar suas reflexões e percepções sobre as formas de discriminação e de desigualdade étnico-racial, reconhecer privilégios e tomar para si a responsabilidade de alargar os diferentes cenários de convívio das crianças é o primeiro passo para uma educação antirracista.
O livro escrito pela filósofa e ativista Djamila Ribeiro trata de diversos temas relacionados às relações raciais e à promoção da igualdade racial. Em onze capítulos curtos, a autora apresenta caminhos para identificar, interpretar e desconstruir ideias racistas.
Curiosas como são, as crianças estão a todo o momento fazendo perguntas sobre o mundo ao redor. Mesmo que possam ser pegas de surpresa por assuntos delicados, as famílias devem se lembrar de respondê-las com honestidade. Se os adultos não tiverem a resposta, não há problema em dizer que vão pesquisar e depois retomar aquela conversa. A simples repreensão, além de pouco efetiva, pode indicar um receio dos próprios adultos em abordar o tema e a olhar para suas próprias atitudes e comportamentos. Afinal, elas podem estar reproduzindo um pensamento alheio ou apenas sendo curiosas.
As palavras carregam sentido e história. “Cabelo duro”, “humor negro” e “inveja branca” são apenas algumas das expressões racistas que estão impregnadas no vocabulário brasileiro. Os pequenos também estão descobrindo o mundo a partir da linguagem, por isso os adultos podem orientá-los pela força do exemplo, não naturalizando termos, estigmas, piadas racistas ou comentários pejorativos. Por que não compartilhar com as crianças um vocabulário positivo, que demonstre conhecimento, respeito e ofereça prestígio à cultura afro-brasileira?
Este guia disponível gratuitamente para baixar ajuda nesta tarefa.
Brincar é a expressão livre da criança em contato com o ambiente ao seu redor. Por meio das brincadeiras, as crianças constroem identidade e imaginam um mundo possível. Ampliar o repertório de conteúdos e materiais com que entram em contato, atentando não só para as mensagens, mas também para o grau de representatividade racial presente em cada um deles é uma forma de transmitir valores antirracistas. O Lunetas é fã de filmes, músicas e livros costurados pela diversidade e que celebram a potência da cultura afro-brasileira.
A escravização é um dado histórico, mas ela não define as populações, as tradições, os valores e os saberes de matriz africana e da diáspora negra. É preciso tomar cuidado com o modo de abordagem e com a ênfase que é dada à questão. As crianças devem sobretudo ter acesso a referências positivas sobre as culturas dos diversos países do continente africano e sobre a cultura afro-brasileira.
Ressaltar a contribuição de diversas civilizações africanas, as genealogias de reis e rainhas negras, as tecnologias ou cosmovisões de diferentes regiões e sua contribuição para a formação do Brasil é essencial. O número de materiais recreativos, didáticos e paradidáticos cresceu em língua portuguesa desde a edição da Lei 10.639/03 (que estabelece diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo a temática “História e Cultura Afro-Brasileira”), mas ainda há muito a aprimorar, inclusive do ponto de vista do acesso.
Em outubro de 2020, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou o “Deixa que eu Conto”, um programa de rádio voltado ao público infantil, com os 50 primeiros episódios inspirados na cultura afro-brasileira. O conteúdo também pode ser ouvido em formato de podcast e acessado gratuitamente pelo Spotify.
A diversidade não é apenas um discurso, mas um valor que precisa ser vivenciado e processado. Como recorda a escritora Kiusam de Oliveira, autora dedicada a tantas obras de encantamento negro na literatura infantil, o processo de aprendizado da criança acontece de corpo inteiro e não apenas pelo pensamento. Por isso, ela defende que o corpo precisa estar mergulhado em experiências que tragam significado.
É por isso que a quinta ideia para conversar com as crianças sobre racismo não envolve um diálogo direto. Mas a transformação dos espaços de convívio. Famílias brancas, por exemplo, podem se questionar se há pessoas negras em suas relações e nas das crianças.
Sair da zona de conforto, onde circulam apenas famílias de um mesmo perfil racial, é uma das dicas da publicitária, professora e uma das criadoras do projeto “Criando crianças pretas”, Deh Bastos. Ela tem se dedicado à educação antirracista, dando dicas de como falar sobre o assunto com as crianças.
Lembre-se de que muitos territórios são marcados por divisões raciais. Antes de conversar com os pequenos sobre racismo, observe os lugares que a família frequenta. Que tipo de mensagem eles transmitem? São espaços que valorizam a diversidade? Pessoas negras estão assumindo lugares de comando e protagonismo ou ocupam funções subalternas? Escolhas pessoais, afetivas e profissionais também refletem contextos políticos e merecem ser objeto de reflexão dos adultos engajados numa educação antirracista.
Emicida, Dandara, Lázaro Ramos, Conceição Evaristo: das artes à ciência, quem são as referências positivas das famílias? Conhecer artistas, políticos, ativistas e cientistas negros e negras é ampliar o leque de repertório das crianças, inclusive permitindo a muitas delas identificar-se e imaginar carreiras e futuros dos mais diferentes para si.
Pensando nisso, o Projeto de Extensão da Universidade Federal do Paraná “Meninas e Mulheres nas Ciências” lançou o livro de passatempos “Cientistas Negras: Brasileiras – Volume 1”. Com caça-palavras, palavras cruzadas e desenhos para colorir, o material é dedicado a adultos, jovens e crianças, com o objetivo de divulgar o protagonismo das cientistas negras brasileiras, a partir de uma perspectiva humanizadora.
A escola é um ambiente de convívio, troca e experimentação, sem a tutela permanente dos pais. Tanto famílias com crianças negras como famílias com crianças não negras devem estar atentas, com o apoio da escola, para prevenir ou denunciar qualquer situação de racismo e discriminação (não apenas envolvendo as crianças, mas também os adultos), unindo-se aos educadores na tarefa do diálogo.
A depender da escola, pode haver poucas pessoas negras entre os estudantes e os profissionais, o que tem influência nas (auto)percepções raciais de cada um e cada uma. Quanto mais plural e diverso o ambiente, maior a chance de que todas e todos estejam mais confortáveis nele e maior o nível de desenvolvimento pessoal e de grupo. Observe e converse com as crianças se há colegas e professores negros. Se não, incentive a escola a ampliar a diversidade de sua equipe.
Como defender a educação antirracista nas escolas?
Como as questões étnico-raciais atravessam as práticas pedagógicas da comunidade escolar? Observe quais documentos orientam a prática educativa e cobre abordagens “afrocentradas” e ações com foco na Lei 10.639/03, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Famílias e professores podem se unir à tarefa de proporcionar uma educação antirracista às crianças, conversando sobre situações do cotidiano da escola e fazendo com que a diversidade atravesse as salas de aula em sua decoração, livros, brincadeiras e ideias compartilhadas, muito para além de estereótipos e datas comemorativas.
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Adultos, fiquem ligados!
Para adultos que buscam mais informação para valorizar o legado negro na história, indicamos o podcast Negro da Semana, uma fonte que resgata personalidades negras nacionais e internacionais. O programa foi criado por Alê Garcia, escritor e um dos 20 criadores digitais negros mais inovadores, segundo a Forbes. No podcast, você fica por dentro da história de Nelson Mandela, Angela Davis, Carolina Maria de Jesus e muitos outros nomes que podem começar a fazer parte da vida das crianças.
Há também o podcast “Vidas Negras”, apresentado pelo jornalista Tiago Rogero, que entrelaça a trajetória e a obra de personalidades da história e da atualidade.