Amorosos, fofos e parceiros, os bichinhos podem ser a ajuda que faltava para as crianças deixarem os eletrônicos em segundo plano
Além dos benefícios emocionais, ter animais de estimação em casa pode estimular as crianças a usarem menos os eletrônicos. Especialistas e famílias contam se ter um bichinho em casa realmente ajuda a diminuir o tempo de telas.
Animais de estimação correm pela casa, interagem com as crianças, demandam atenção e são divertidos. Por isso, quando a gatinha Vera chegou na casa de Celina, 5, em Salvador (BA), um mundo de possibilidades se abriu para a menina. A ideia de adotar o bichinho foi da mãe, Renata Moreira Lisboa. Ela buscava uma companhia para a filha brincar, já que no novo condomínio não havia crianças, e Celina estava recorrendo às telas para se entreter.
“As crianças têm usado as telas cada vez mais cedo”, observa Andreia Convento, psicóloga e psicopedagoga, especialista em saúde mental e atenção psicossocial. Essa é uma preocupação não apenas das famílias, mas de toda a sociedade, que discute os prejuízos da presença de telas ao desenvolvimento humano. “A primeira infância é uma época de extrema importância na organização estrutural e na plasticidade cerebral”, explica a psicóloga.
De acordo com Andreia, o uso excessivo de eletrônicos tem gerado cada vez mais prejuízos, como sedentarismo, problemas de visão e de saúde mental, isolamento social e dificuldades de sono. “Com a facilidade que as redes sociais trazem, notamos também que as relações estão ficando cada vez mais distantes e rasas”, avalia.
Sendo assim, ela afirma que as famílias podem aproveitar a relação de afeto da criança com seu animal de estimação e dar alternativas de atividades para fazerem juntos.
Como os animais trazem momentos de interação e são companheiros excelentes para as crianças se movimentarem, podem ajudá-las a deixar os eletrônicos em segundo plano. Mas, para a médica veterinária Letícia Alves, “não é viável passar para os pets a responsabilidade em reduzir o tempo de telas utilizadas pelos filhos”.
Ter um cachorrinho, gato ou outro pet doméstico pode ajudar a criança a desenvolver habilidades cognitivas, motoras, sociais e emocionais, como autoconfiança, comunicação, construção de vínculos afetivos e responsabilidade.
“A convivência com os pets apresenta resultados positivos na saúde mental e bem-estar emocional das crianças”, observa a veterinária. Ela explica que essa interação tem demonstrado “redução nos níveis de estresse e ansiedade, propiciando um ambiente mais confortável e melhorias na qualidade de vida”.
Além disso, um pet pode contribuir para a diminuição do sedentarismo, estimulando o contato com a natureza e a realização de atividades físicas, como ressalta a psicóloga.
Em São Bernardo do Campo (SP), os animais ajudaram Giovana, 16, e Gabriel, 23, a deixarem um pouco as telas de lado. A mãe, Adriana Alves, conta que esse era um sonho antigo dos filhos e que a decisão de adotar a primeira cachorrinha ocorreu quatro meses antes do início da pandemia. “Com certeza a presença da [cachorrinha] Lili tirou os dois um pouco da frente das telas”, lembra. “Nos fez tão bem que, ano passado, nós adotamos mais uma, a Farofinha”, diz.
Já na casa de Maria Clara, 8, as duas cachorrinhas não fizeram tanta diferença. A mãe, Mara da Silva, conta que apesar de a filha não ser muito de celular, nem tablet ou computador, passa mais tempo vendo filmes na TV. “Acho que o bichinho não interfere tanto em tirar das telas porque ela passa semanas sem ver as cachorras”.
O tempo de qualidade que os pets podem trazer à família em substituição aos eletrônicos também depende de uma boa intermediação dos adultos. “Sempre falei para ela: ‘você tem 15 minutos para assistir ou brincar com a Vera para a gente cumprir com as obrigações. O que prefere?’. E ela sempre escolhe a Vera”, diz Renata, mãe de Celina.
A psicóloga Andreia Convento também sugere os bons e velhos acordos. “Nos tempos de hoje, não há como proibir o uso de eletrônicos, porém é importante um diálogo e negociações para estabelecer regras e limites”, afirma. Ela sugere que as famílias mantenham uma conversa aberta com os filhos sobre os riscos online e prejuízos do uso excessivo das telas, em um acordo estimulando o tempo de uso, para não atrapalhar outras atividades.
Mas, para que o diálogo funcione, os adultos também precisam ser bons exemplos e os aparelhos não podem servir como “babá”. “Hoje em dia, mesmo as pessoas estando juntas, estão nos seus celulares. Os amigos não conversam, as crianças não brincam, os casais não namoram. Todos estão em suas telas deixando um momento precioso passar”, avalia.
“É preciso rever e pensar que nada pode substituir os momentos que se passam com as pessoas. Quantos passeios, brincadeiras e troca de afeto se perdem?”
Nesse sentido, cachorros, gatos e outros pets podem ser ótimos aliados, mas a negociação sobre a hora de desligar os eletrônicos continua sendo uma tarefa dos adultos.
“É preciso ter convicção do desejo de assumir essa responsabilidade, que além de trazer amor, acarreta demanda de tempo elevada e investimento financeiro”, acrescenta a veterinária Letícia Alves. “É uma linda relação, desde que os adultos envolvidos tenham responsabilidade e consciência de que aquele animal dependerá deles por, pelo menos, 15 anos”, atenta.
A veterinária Letícia Alves responde cinco dúvidas antes de receber um pet em casa: