Conselhos escolares: garantir a participação jovem agora é lei

Toda comunidade escolar é agente de mudança; veja como conselhos escolares estimulam a participação ativa dos estudantes nos rumos da escola

Eduarda Ramos Publicado em 03.08.2023
Um grupo multiétnico de quatro meninas em uma sala de aula. Todas sorriem. A imagem possui intervenções de rabiscos coloridos.
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Resumo

Estudantes que participam ativamente na construção de uma escola melhor impactam o dia a dia deles e das próximas gerações. Conheça projetos para inspirar um conselho escolar na sua cidade.

A construção de um espaço bom para todo mundo e ainda melhor para os estudantes que virão depois agora é lei. Por meio dos conselhos escolares, crianças e adolescentes podem ser responsáveis por suas próprias experiências no ambiente escolar, reforçando sentimentos de valorização e de pertencimento.

Previstos pela Lei Geral de Diretrizes e Bases, os conselhos escolares são órgãos colegiados que promovem a participação ativa da comunidade no cotidiano da escola. Com a aprovação da Lei 14.644/2023, escolas de todo o país precisarão garantir sua presença.

Como funcionam os conselhos escolares?

Os conselhos escolares buscam incentivar uma gestão democrática do ensino por meio do fortalecimento da relação entre toda a comunidade escolar: alunos, professores, funcionários da escola, pais e responsáveis. Assim, a comunidade escolar e os agentes públicos (secretários de educação, supervisores, diretores, professores etc.) podem debater e tomar decisões conjuntas sobre os rumos da escola.

A importância da participação

“A participação escolar está ligada diretamente à democratização do acesso à educação”, comenta a educadora Maria Lúcia Salgado. Para ela, isso permite à comunidade escolar acessar informações do investimento financeiro, acompanhar o controle da aplicação dos recursos e que as pessoas conheçam e colaborem com o projeto político-pedagógico da escola. Assim, se garantem escolhas melhores de acordo com o que cada escola pode oferecer para que seja boa para todos que a frequentam e para o entorno.

Para Gabriel Maia Salgado, coordenador de educação no Instituto Alana, é importante garantir que crianças e adolescentes participem ativamente desta construção “porque eles são os principais agentes do processo de construção de conhecimento no chão da escola”. Uma educação de qualidade também envolve pensar na formação da cidadania e preparação para o mundo do trabalho.

O Lunetas conversou com estudantes para conhecer experiências de conselhos escolares e projetos estudantis que têm impactos dentro e fora da escola. Quem sabe as experiências possam inspirar jovens a criarem um conselho em suas escolas!

Conselho Escolar na Escola Técnica Estadual Professora Maria Amélia de Freitas Araújo (Cabrobó, PE)

Com menos de um ano de vida, a ETE Cabrobó, inaugurada em setembro de 2022, já possui conselho estudantil ativo. Lá, os docentes participam das decisões da escola e de projetos extracurriculares. Além disso, toda a comunidade escolar busca prevenir danos causados ao meio ambiente por meio do projeto “Restaura Natureza”. Já no “Ideathon”, evento realizado em parceria com o Sebrae, a comunidade é convocada a pensar soluções para questões do município. Em 2023, os temas abordados foram zelo do patrimônio e projeto de vida dos estudantes, com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU.

“A gente trabalha muito nessa questão de dar voz aos alunos”, conta a conselheira Yasmin de Sena, 15. Nas reuniões com a comunidade escolar, ela compartilha que é valorizada a autonomia do aluno, que pode manifestar interesse nos projetos desenvolvidos com a comunidade. Na opinião de Sena, a participação ativa estudantil aprimora a comunicação, noções de responsabilidade e trabalho em grupo, mas é necessário que os professores não sufoquem os alunos e confiem neles para fazer acontecer.

“Tudo que é bom exige compromisso e responsabilidade”

Consciência Feminina na Escola – CFE (São Paulo, SP)

Sete meninas com a vontade de falar sobre sororidade e a importância de valorizar as belezas de cada uma. Assim, nasce o CFE. Primeiro, vieram intervenções de cartazes e pinturas abordando os temas, em 2019, na EMEF Padre José Pegoraro. Violência doméstica, assédio, feminismo, sexualidades e menstruação viraram assunto na escola localizada no Grajaú, Zona Sul de SP, com o apoio da educadora Lucidalva Azevedo. Nesse meio tempo, as veteranas passaram a ser chamadas de “matriarcas” pelas mais novas.

O CFE foi selecionado pelo Fundo Malala, ganhou o Prêmio Paulo Freire e o Prêmio Criativos da Escola. Samara Moraes, 14, compartilha que o projeto cresceu a ponto de realizar ações fora da escola e hoje conta com aproximadamente 50 alunas participantes. Entre as ações desenvolvidas, estão:

  • Conversas sobre as temáticas que o projeto aborda (on-line e presencial)
  • Confecção de mantas de crochê (doadas a idosas em casas de repouso)
  • Apoio ao Maio Laranja (mês de combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes)
  • Apoio ao mês do orgulho LGBTQIA+

“Os projetos extracurriculares da nossa escola garantem que as meninas cuidem e protejam umas às outras”

Wakanda na Escola (São Paulo, SP)

Após um episódio de racismo contra Kaue Kelvin, 13, e uma amiga, o “Wakanda na Escola” nasce como um projeto antirracista na EMEF Padre José Pegoraro. Em parceria com a professora Lucidalva Azevedo, o adolescente passou a realizar intervenções, como colar cartazes abordando temáticas raciais nas paredes da escola. As ações levaram a comunidade escolar a denunciar mais casos e a falar sobre o assunto com mais frequência.

Esse foi o passo inicial para uma série de ações coletivas, tais como:

  • Confecção de adinkras (conjunto de símbolos dos ashanti, povo que habita o território de Gana)
  • Realização de slams
  • Produção pelos alunos do podcast “Padrecast” sobre assuntos diversos
  • Sessões com filmes que abordam a negritude
  • Palestras e seminários sobre a temática racial

“É gratificante participar de um projeto que tem um potencial enorme. Espero que o Wakanda seja da escola para o mundo”

A experiência protagonista de Alex Farias (Macapá, AP)

Levando política para escola, o então estudante Alex Farias, em 2017, começou seu caminho no protagonismo estudantil defendendo a importância da inclusão. Com pequenas atitudes cotidianas, como limpar a mesa após o almoço, ele se “elegeu” vereador com outros 23 jovens da cidade, no programa “Jovem Vereador”. Posteriormente, também se elegeu presidente da Câmara Jovem.

Com uma trajetória de militância estudantil intensificada ao participar da União dos Estudantes dos Cursos Secundários do Amapá (UECSA), Farias recebeu um convite para trabalhar na Secretaria do Estado de Educação do Amapá. Lá, se tornou ativista dos interesses da juventude, promovendo diálogos entre a comunidade escolar e movimentos estudantis, reforçando a importância do protagonismo estudantil na escola.

Depois de receber comendas por contribuir na política educacional e com a retomada de programas de capacitação técnica e renda no estado, Farias, 22, é uma das lideranças jovens do Amapá na Fundação Protagonistas (organização dedicada à defesa dos estudantes e da juventude), bem como tem pautado e discutido orientações para criar guias de grêmio estudantil. Tornou-se o primeiro estudante no Brasil a ocupar a presidência do conselho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e o primeiro estudante do Amapá a ocupar o Fórum Nacional de Educação.

“[Naquela época] eu não sabia o que era ser um protagonista estudantil, mas minha atitude tinha uma presença muito marcante na escola”

Animais Gritam por Socorro (Sumaré, SP)

Hevellin Nascimento, 13, se considerava uma menina muito tímida, com dificuldades de se expressar e de falar em público. Ao mudar de escola, ela assistiu a animação “Salve o Ralph”, que mostra o impacto das cobaias em testes em animais. No entanto, como fazer a causa ganhar espaço entre os alunos da Escola Professora Leila Mara Avelino, em Sumaré, interior de São Paulo?

Desde 2021, Hevellin, a educadora Ana Paula e as amigas Joice e Larissa estão à frente do projeto “Animais Gritam por Socorro”, em que levam conscientização sobre testes em animais por meio do audiovisual e de textos nas redes sociais. O projeto ganhou o Prêmio Criativos da Escola em 2021 e ficou em primeiro lugar na categoria “Ciências Humanas” dos anos finais do Fundamental II da Feira Brasileira de Iniciação Científica (Febic), em 2022. Posteriormente, Hevellin se tornou talento promissor para o futuro e conselheira estadual do Grêmio Estudantil Paulista (Diretoria Estadual de Sumaré). Ela conta que o projeto a ajudou com sua oralidade e escrita e isso a motiva a seguir aprimorando-o.

“Queremos impactar de forma positiva a causa de testes em animais e que o mundo todo reconheça esse projeto!”

Participação é coisa séria

Com a lei 14.644/2023, conselhos e fóruns escolares deverão estar presentes em todo país. Escolas estatais, municipais e do Distrito Federal definirão as normas de gestão democrática, garantindo a participação das comunidades escolar e local nos conselhos após eleições.

Conforme aponta Gabriel Maia Salgado, a aprovação do projeto de lei “reforça a importância dos conselhos e convida todo o país a ampliar mecanismos de participação”. Ele diz que a participação estudantil não pode ser apenas figurativa, mas “considerar cada estudante, as diferentes faixas etárias, as culturas infantojuvenis e ter consequências positivas na realidade de cada um”.

“O PL possibilita pactuar coletivamente qual é o nosso compromisso com a participação dos estudantes. É para eles nossos esforços estão aplicados e reunidos”.

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