ChatGPT: como crianças podem aprender a fazer melhores perguntas?

Entre vantagens e desvantagens, o uso da ferramenta de inteligência artificial por crianças entre 6 e 12 anos pede atenção

Michele Bravos Publicado em 24.02.2023
Uma mulher acompanha um menino enquanto faz a lição da escola. Ambos têm pele clara e vestem roupa branca. Além do caderno, há um computador na mesa.
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Resumo

O ChatGPT requer atenção de famílias com crianças entre 6 e 12 anos, um período determinante para o desenvolvimento da linguagem e de relações interpessoais. Na escola, metodologias que estimulem mais criatividade e espontaneidade serão necessárias.

O assunto ChatGPT acompanhado das palavras educação e crianças tem gerado preocupação entre famílias e educadores. Mas, para aqueles que estão comprometidos com o desenvolvimento infantil, essa pode ser mais uma das múltiplas oportunidades – e não dificuldades – do percurso de educar. “Vamos olhar de forma sistêmica para o novo, considerando vantagens e desvantagens”, é o convite que faz a professora e especialista em tecnologias aplicadas à educação Estela Endlich, atualmente diretora responsável pela área de inovação e tecnologia na Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (PR).

Endlich adianta que os possíveis efeitos do ChatGPT sobre o desenvolvimento de crianças entre 0 e 5 anos, que estão no ensino infantil, ainda não precisa ser motivo de preocupação. A atenção e os esforços devem estar nas crianças entre 6 e 12 anos, que estão no ensino fundamental, período em que as crianças iniciam suas relações com múltiplas linguagens, conhecendo o alfabeto, os números, os sinais e as representações por meio de signos, indicam as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), documento orientador da educação básica brasileira.

Como nessa fase as crianças irão aprender a se expressar com mais complexidade de forma oral e escrita, e o ChatGPT justamente possui uma avançada inteligência artificial capaz de processar linguagem natural (linguagem humana), o uso deve ser acompanhado com atenção.

O uso do ChatGPT por crianças

Segundo Heliane Borges, pedagoga e diretora do Colégio Marista Palmas (TO), as principais desvantagens são:

  • prejudicação da consciência fonológica e as fases da escrita;
  • perda da escrita espontânea, explorando hipóteses;
  • menor potencial imaginativo e criativo;
  • falta de apreço pela leitura e histórias;
  • limitação no exercício da escuta com atenção e compreensão dos outros;
  • dificuldade em transmitir informações oralmente, com coerência e clareza de ideias.

Considerando um olhar sistêmico, em que tudo tem dois lados, a aluna Bianca, 12, que está no 8º ano da Escola Municipal Prefeito Omar Sabbag, de Curitiba (PR), traz um contraponto a partir da sua experiência com o grupo de robótica do qual faz parte e no qual interage com novas tecnologias diariamente. “Eu nunca gostei de apresentar trabalho na escola. Preferia fazer tudo e deixar meus colegas falarem por mim. A robótica me ajudou a me comunicar melhor, uma vez que, aprendendo tantas coisas novas, eu ganhei mais autoconfiança”. 

Na imagem, Bianca (segunda da esq. para dir.) apresenta um projeto junto com seu grupo de robótica, no qual tem contato constante com novas tecnologias e também desenvolve habilidade socioemocionais

Para Endlich, o sucesso da interação das crianças com as novas tecnologias está na intencionalidade, seja por parte da família ou da escola. “O uso das novas tecnologias não deve ser visto como algo informal. Para ser um uso seguro e saudável, precisa ser assistido, com atividades dirigidas, que provoquem a criança a desafiar as ferramentas e a se desafiar“, afirma.

Embora tenha preocupações sobre o uso precoce de novas tecnologias, Dalmi Silva, pai de Tomás, 10, e Bárbara, 4, reconhece que, se usadas com acompanhamento de um adulto e com objetivos que extrapolem o entretenimento superficial, elas podem favorecer o desenvolvimento da criança. Para os filhos, que estão no ensino fundamental na cidade de Palmas (TO), “os vídeos – que são tão comuns entre essa geração – são restritos ao campo didático e cultural clássico”, diz.

E as vantagens do uso do ChatGPT por crianças

Com o uso mediado, a pedagoga Borges tranquiliza que algumas habilidades importantes no processo de aprendizagem podem ser desenvolvidas:

  • vivenciar situações de pesquisa e investigação sobre o cotidiano;
  • fazer perguntas sobre o ambiente à sua volta;
  • agregar novas palavras e seus significados ao vocabulário.

Além do desenvolvimento da linguagem, ainda segundo a DCN, é entre 6 e 12 anos que as crianças avançam em sua autonomia e se tornam conscientes que são parte de um coletivo e que, portanto, existem normas de convivência para que as diferenças sejam respeitadas.

Não à toa, uma das preocupações de Silva é em relação à diminuição de senso de responsabilidade entre as crianças. “À medida que as inteligências artificiais evoluem e passam a resolver tudo por nós, até mesmo questões banais do dia a dia, onde fica a nossa responsabilidade?”, questiona o pai.

Quem traz uma possível resposta é a aluna Bianca, que é apaixonada por tecnologia, inovação e seu grupo de robótica. “Quando eu entrei na robótica, eu costumava fazer tudo sozinha e não respeitava muito a opinião das pessoas. Depois de vários encontros, eu aprendi a dividir tarefas, fazendo trabalhos em equipe, e a considerar a opinião dos outros. Eu aprendi a incluir as pessoas”, afirma.

Diante das vantagens e desvantagens da inserção do ChatGPT na vida das crianças, a especialista em tecnologias aplicadas à educação Endlich reforça a importância da intencionalidade empenhada por parte dos adultos na orientação dos mais novos e sugere que a chegada dessa ferramenta deve impulsionar a família e a escola a incentivarem as crianças a fazer perguntas, sendo esse talvez o maior benefício do ChatGPT para o momento atual. “Se o ChatGPT vem dar respostas, então quais perguntas inteligentes podemos ensinar às crianças, para que desenvolvam senso crítico e habilidades analíticas?”

Famílias contam com a escola

O pai de dois, Silva, diz contar com a escola para ensinar a seus filhos que os seres humanos têm capacidade de criar soluções para problemas reais da sociedade, sempre valorizando as interações sociais.

Na opinião de Endlich, o papel da escola é olhar para onde estamos caminhando e propor ações para integrar esses caminhos com o ensino e a vivência das crianças naquele espaço. “A escola não pode estar à margem do que acontece fora dela. É preciso que haja interação”.

Enquanto diretora de inovação e tecnologia da secretaria de educação de Curitiba, Endlich reforça que revoluções anunciadas como a do ChatGPT podem despertar a escola para mudanças positivas. “Professoras e professores estão sendo desafiados a serem criativos, criando metodologias mais interativas”. Como exemplo de como o ChatGPT poderia ser incorporado no ensino fundamental, ela sugere uma atividade: o estudante deve criar um pequeno texto sobre determinado assunto a partir das suas ideias. Em seguida, o mesmo aluno poderia usar a ferramenta para produzir a redação. Por fim, ele precisa comparar as duas produções e expressar comentários. “Nessa situação, o aluno teve, em um primeiro momento, a oportunidade de expressar uma ideia própria por meio da escrita; e, em um segundo momento, também a chance de desenvolver uma análise”, afirma.

A pedagoga Borges complementa que as metodologias que visam integrar as novas tecnologias ao dia a dia das crianças na escola devem favorecer o apreço por processos colaborativos, a curiosidade para a pesquisa, a disposição para o diálogo e a vontade de produzir conhecimento. Ela afirma que, sobretudo neste momento de mudanças, é importante que a criança seja convidada a estar engajada com a sua própria aprendizagem, vendo valor no que é ensinado na escola.

No Colégio Marista Palmas (TO), dirigido por Borges, a escola busca acompanhar os movimentos da sociedade como forma de inspirar a criança a construir esse olhar de valorização, principalmente com atividades que gerem ou mantenham a criatividade e espontaneidade – características que podem ser prejudicadas pelo uso de novas tecnologias e inteligências artificiais, como alertam especialistas, mas que são de extrema importância para o desenvolvimento da aprendizagem e do conhecimento.

Não há nada a temer

Pela perspectiva da aluna Bianca, as novas tecnologias e inteligências artificiais existem para o nosso bem. “Não acredito que vá se tornar realidade aquilo que vemos em filmes de ficção científica, em que as máquinas perseguem seres humanos e dominam o mundo”.

Por mais que essa realidade inventada fique restrita ao cinema e à literatura, Silva se preocupa exatamente com a imagem transmitida pela mídia acerca de um mundo mais tecnológico. “Tenho medo de que o fascínio midiático induza nossos filhos a acreditarem que as soluções para questões futuras decorrem exclusivamente das propostas de alguma IA – o que não é verdade”. O pai de dois ainda reforça que, em sua opinião, as soluções mais importantes para os seres humanos vão derivar do empenho, da reflexão e dedicação de cada indivíduo.

Bianca, que tem apenas 12 anos e cresceu numa época de bastante interação com tecnologias avançadas, acredita que as IAs podem ser nossas aliadas e lembra que isso depende de nós. “As IAs não se programam sozinhas. Para uma IA fazer o bem, ela precisa ser programada por um ser humano. Existem limitações sobre o que elas devem fazer e o que podem fazer.

Além de exaltar o lado positivo das IAs, mencionando que “algumas já desempenham trabalhos de alto risco para o trabalhador, diminuindo acidentes”, a menina conta sobre sua participação no projeto Cyberpower, que criou um equipamento para monitorar a “fuga e/ou furto” de energia elétrica através de sensores, como forma de contribuir com a diminuição do aquecimento global, uma vez que seria produzido apenas o necessário para o consumo. “O projeto explica o futuro para mim”, resume.

Dos muitos aprendizados adquiridos por Bianca nas aulas de robótica, que promovem a interação constante com novas tecnologias, a aluna lembra uma linha de evolução tecnológica: “Já inventamos a máquina de escrever, que depois foi substituída por um computador”, diz.

“Na época em que os computadores chegaram à escola, dizia-se que substituiriam o professor”, relembra a especialista em tecnologias aplicadas à educação Endlich. Para ela, com esses exemplos em mente, é importante se situar no tempo-espaço para não se desesperar diante de novas tecnologias. “Vamos olhar para o passado para entender o presente e prospectar o futuro”. Talvez, seja a hora certa de perguntar ao ChatGPT: como a sua IA pode ser aliada da humanidade hoje e amanhã?

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