As novas emoçÔes da adolescĂȘncia em ‘Divertida Mente 2’

Ansiedade, Vergonha, TĂ©dio e Inveja marcam o fim da infĂąncia e começo da puberdade na sequĂȘncia da franquia

Carla Bittencourt Publicado em 12.07.2024
imagem de capa mostra uma cena do filme Divertida Mente 2, em que a personagem Ansiedade, de cor laranja, estĂĄ comandando a sala de controle.
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Resumo

As emoçÔes apresentadas em “Divertida Mente 2” motivam crianças e adolescentes a pensar sobre os desafios que acontecem na sala de controle da mente de cada um. Para especialistas, a fase de transição entre infĂąncia e puberdade deve ser vivida com afeto e equilĂ­brio.

Maria Flor, 8, brincou de ser repĂłrter por um dia ao levar o gravador para a escola, em SĂŁo Paulo, por sugestĂŁo do pai, Madson Moraes. Depois da sessĂŁo do primeiro filme da franquia “Divertida Mente” promovida pela escola, a menina investigou o que os colegas acharam das emoçÔes que assumem a sala de controle na mente de Riley e como veem as novidades da adolescĂȘncia que Ă© o tema de “Divertida Mente 2”.

Quase dez anos separam as duas produçÔes. Na primeira, Riley é uma criança um pouco mais velha do que Maria Flor e suas amigas. Aos 11 anos, ela se apoia na Alegria, na Tristeza, na Raiva, no Medo e em Nojinho, para enfrentar uma mudança de cidade e de escola. Jå na segunda animação, em cartaz atualmente nos cinemas, a personagem estå com 13 anos e vai lidar com outros desafios. De aparelho nos dentes e espinha no rosto, Riley vive conflitos com os pais e quer muito ser aceita em novos grupos, enquanto suas emoçÔes (a Ansiedade, a Inveja, a Vergonha e o Tédio) operam uma revolução dentro dela.

Nas entrevistas, as crianças contaram que sentiram raiva da Ansiedade e vibraram muito com a Alegria. Curiosamente, a parte favorita, para elas, não foi uma emoção, mas um acessório 2D que vem lå das memórias da primeira infùncia da personagem principal dessa história, garantindo cenas bem engraçadas.

Qual foi a parte que vocĂȘ mais gostou?
Ah, da Pochete.

E qual foi a parte mais divertida?
Ah. Pochete, pochete
 Repita comigo: pochete, pochete! TrĂȘs, dois, um e fim!

A Pochete merece mesmo um filme sĂł para ela. E sĂł dĂĄ para contar atĂ© aqui sem spoiler, mas quem assistir vai entender a brincadeira nas gravaçÔes de Maria Flor: “Ô, Pocheteeeee!”

Identificação e a importùncia do senso de si

“Divertida Mente 2” marca a estreia de Kelsey Mann como diretor e jĂĄ bateu o recorde de terceira maior bilheteria de animação nos Estados Unidos e no Brasil. Um dos motivos do sucesso Ă© a identificação que as novidades da fase tĂȘm gerado entre o pĂșblico adolescente.

Catarina, 12, e Riley estĂŁo crescendo juntas, com apenas um ano de diferença. Depois de comemorar o aniversĂĄrio de sete anos com o tema do primeiro filme, para ela, a sequĂȘncia â€œĂ© bem mais complexa”. Isso porque “adiciona novas mecĂąnicas na sala de controle e consegue nos apresentar tudo o que passa em nossa cabeça de forma clara e divertida”.

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Arquivo pessoal

Catarina comemorou os 7 anos com o tema Divertida Mente e , assim, cresce junto com Riley, esperando mais versÔes do filme

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Arquivo pessoal

Se pudesse acrescentar uma emoção nova ao filme, Enzo criaria a personagem "Afeto"

Sua emoção preferida foi a Inveja. “Adorei como a aparĂȘncia dela mostra um ser menor do que todos os outros, mas que tem olhos enormes, com isso achando que todos sĂŁo maiores e melhores do que ela.” Mas ela tambĂ©m projeta o futuro, chegando a versĂ”es onde a personagem Nostalgia enfim ganha destaque. “Se fizerem filmes da Riley atĂ© sua velhice, vou sentir essa emoção a cada estreia.”

JĂĄ o baiano Enzo, 11, continua se identificando mais com a Alegria. Apesar de considerar a continuação da histĂłria muito legal e o final surpreendente, ele achou “a Ansiedade meio chatinha”. Isso porque “obrigava a menina fazer coisas que ela nĂŁo queria”, explica. Ele ensina que, na vida real, as emoçÔes vĂȘm juntas, como raiva e tristeza. Se pudesse escolher uma que ficou de fora do novo filme, mas que tem muito a ver com ele, nĂŁo pensaria duas vezes: “seria afeto”.

Para a escritora e psicanalista ClĂĄudia Barral, mĂŁe de Catarina, que acompanhou a filha no cinema, em SĂŁo Paulo, o recado principal Ă© para as adolescentes olharem para si mesmas com bondade. “Em nossa sociedade, as meninas ainda se olham de forma muito cruel. É um tal de ‘sou gorda’ ou ‘estou feia’ que sai com muita facilidade na fala delas”.

EntĂŁo, segundo ela, a mensagem que melhor traduz essa animação Ă© o ensinamento sobre o senso de si. “Para Freud, as experiĂȘncias de prazer e de desprazer vĂŁo fazendo marcas psĂ­quicas que ele chamou de rios. Toda vez que Riley bota uma emoção no rio, um fio sobe e vai criando uma marca. Por isso, as vivĂȘncias na primeira infĂąncia sĂŁo tĂŁo importantes. Crianças que crescem em ambiente de tranquilidade serĂŁo marcadas, assim como aquelas que sofrem abusos, e isso Ă© muito difĂ­cil de mudar.”

O senso de si, explica, faz parte da construção da identidade e estĂĄ muito ligado ao olhar da mĂŁe para o filho ou filha desde que o bebĂȘ nasce. “É esse olhar que vai construir na criança o que ela acredita sobre si mesma”. No filme, Riley vive o impasse entre “ser uma pessoa legal” e “nĂŁo ser boa o bastante”. ClĂĄudia pondera que, Ă s vezes, a mĂŁe estĂĄ cansada, ou atĂ© adoecida, e pode nĂŁo ter um olhar tĂŁo amoroso. Mas, se isso for algo pontual e nĂŁo a tĂŽnica das relaçÔes, estĂĄ tudo bem.

Curiosa Mente

As experiĂȘncias de Riley podem inspirar crianças e adolescentes que atravessam questĂ”es parecidas, compreendendo mudanças e a chegada de novas emoçÔes. A psicanalista ClĂĄudia Barral deixa algumas pistas:

  1. O mundo interno e o externo estĂŁo em constante diĂĄlogo em todos nĂłs. NĂŁo por acaso, o nome original do filme Ă© Inside Out (algo como “De dentro para fora”, em inglĂȘs). O ideal Ă© que exista equilĂ­brio. Se apenas uma emoção assume o controle de forma enrijecida, hĂĄ o adoecimento.
  2. O filme mostra o recalque como o que a gente nĂŁo quer, porque Ă© desconfortĂĄvel ou difĂ­cil de lidar, e entĂŁo mandamos para longe. O problema Ă© que esse “longe” ainda Ă© dentro da gente. AĂ­, qualquer coisinha do mundo externo Ă© capaz de nos balançar e nĂłs teremos que resolver. Dica: em vez de fazer de conta que esqueceu, encontre um jeito eficiente de se expressar. Brigou na escola? No lugar de xingar ou gritar, que tal escrever uma carta dizendo como se sente?
  3. Ter um espaço para falar tambĂ©m Ă© muito importante e, na adolescĂȘncia, conversar com o pai ou a mĂŁe pode nĂŁo ser suficiente. Adultos devem estar atentos e os mais jovens podem pedir ajuda. Dica: a terapia Ă©  um lugar seguro e profissional onde podem se expressar e lidar com emoçÔes e transformaçÔes.
  4. EmoçÔes nĂŁo sĂŁo apenas boas ou ruins. Elas sĂŁo complexas e se conectam. Por isso, Ă© possĂ­vel ver a Alegria sentir Raiva e o Raiva sendo muito feliz. A Tristeza, por exemplo, que muita gente nĂŁo quer sentir, pode arrumar a bagunça em momentos de muitas transformaçÔes.  Mais uma vez, tudo Ă© uma questĂŁo de equilĂ­brio.
  5. A adolescĂȘncia pode ser um perĂ­odo de muita exigĂȘncia para ser aceita ou aceito em determinados grupos. Tem quem muda de propĂłsito, passando por cima do que gosta ou acredita, apenas para fazer parte. Outra dica: nĂŁo seja muito elĂĄstico para pertencer. DĂĄ para ir negociando esse pertencimento sem deixar de ser quem vocĂȘ Ă©.

Diversa Mente

“Eu sou cego, mas fui ao cinema assistir Divertida Mente 2”. Com essa frase, Pedro, 13, que tambĂ©m Ă© autista nĂ­vel 1 de suporte, abre um vĂ­deo em que explica a audiodescrição, um recurso que traduz imagens em palavras. Assim, ele pĂŽde escutar o filme, em uma sessĂŁo acessĂ­vel em BrasĂ­lia, onde mora, e fez questĂŁo de compartilhar detalhes sobre o aplicativo, para que outras pessoas com deficiĂȘncia visual pudessem ter a mesma experiĂȘncia. Para ele, o filme 2 deixa a mensagem: “Os adolescentes precisam equilibrar as emoçÔes antigas com as novas.”

A mĂŁe de Pedro, Tatiana Maron, destaca como conseguiram falar, de forma lĂșdica, de regulação emocional, muito vivenciada por famĂ­lias atĂ­picas. “A abordagem da crise de Ansiedade foi muito esclarecedora. Isso contribui para que outras crianças e adolescentes aprendam sobre o assunto.”

TambĂ©m em BrasĂ­lia, Ravi, 10, e a mĂŁe, JĂ©ssica Borges, ambos autistas, estĂŁo “esperando passar o alvoroço do lançamento para ir [ver o filme]”. Para o menino, ir ao cinema ainda Ă© complicado. AtĂ© hoje, sĂł assistiu a dois filmes – “Super Mario” e “Sonic” – porque estavam em seu hiperfoco. Para esse pĂșblico, cinemas tĂȘm promovido sessĂ”es especiais, com salas climatizadas, luzes levemente acesas e o volume do filme mais baixo, por exemplo.

AtĂ© lĂĄ, a famĂ­lia vai criando estratĂ©gias de aproximação. Esses dias, junto com o pai, FĂĄbio, fizeram uma sessĂŁo de “Divertida Mente 1” na TV. Ravi, entĂŁo, mostrou interesse pelas cores, pela linguagem simples das personagens e todos os efeitos sonoros chamaram sua atenção, conta a mĂŁe. “A expectativa Ă© que ele possa se divertir e conhecer os novos sentimentos, jĂĄ tĂŁo famosos”. A cada resenha que lĂȘ, JĂ©ssica acredita que tambĂ©m vai entrar para o grupo de pessoas que se identificam com o filme. “Sobretudo na dificuldade de reconhecer, compreender e regular essas emoçÔes.”

Imagem mostra JĂ©ssica, uma mulher branca, de cabelos longos lisos, ao lado de Ravi, um menino branco, de cabelos curtos.
Ravi e JĂ©ssica estĂŁo esperando um momento mais tranquilo para vencer o desafio de ir ao cinema e assistir “Divertida Mente 2”.

Educação emocional para a família toda

Se nĂŁo rouba a cena neste segundo filme, a Ansiedade tenta, e dĂĄ muito trabalho para Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho. Com essa imagem da adolescĂȘncia, o pĂșblico assiste uma emoção que pode levar qualquer jovem a agir por impulso, mas tambĂ©m a pensar no futuro, tentando evitar erros e sabendo que suas açÔes tĂȘm consequĂȘncias, analisa Telma AbrahĂŁo, especialista em neurociĂȘncia e desenvolvimento infantil.

A biomĂ©dica ensina que a gente nĂŁo consegue impedir uma emoção, mas a razĂŁo nos ajuda a lidar com o que sentimos. Isso se chama educação emocional. “É algo que as geraçÔes passadas nĂŁo tiveram acesso, mas agora, com o avanço da neurociĂȘncia, temos condiçÔes de refletir antes de agir por impulso”. A adolescĂȘncia, diz a especialista, Ă© o momento de aprender isso. Para crianças, a capacidade de autorregular demanda o apoio de um adulto que esteja calmo. “Por isso, Ă© essencial se reeducar e aprender a lidar com as prĂłprias emoçÔes para sĂł entĂŁo educar a criança e o adolescente para lidar com as emoçÔes deles.”

De acordo com ela, “quando o adulto entende que a criança nĂŁo tem como atingir aquela expectativa irreal, de que ela seja perfeita, de que nĂŁo erre, de que seja 100% obediente e faça tudo que o adulto estĂĄ pedindo, quando ele entende que isso nĂŁo Ă© compatĂ­vel com a nossa biologia, a gente começa a mudar nossas lentes para a infĂąncia”. Assim, podemos atuar no que muitas vezes acaba sendo a raiz da violĂȘncia contra a criança.

Quando a Raiva faz protesto e a Alegria quase vira Tristeza

A estreia do filme foi uma oportunidade para Maria JĂșlia Moreira, 13, e Isabelle de Abreu, 15, regularem as prĂłprias emoçÔes. As duas amigas de Salvador se vestiram de Raiva e de Alegria, personagens originĂĄrias da histĂłria, mas, chegando ao cinema, encontraram os ingressos esgotados. Orientadas a esperar, enfrentaram, entĂŁo, uma longa fila atĂ© receberem um “nĂŁo” pela segunda vez.

A Raiva então assumiu direitinho o seu papel enquanto a Alegria virou Tristeza. Junto com outros amigos também fantasiados, as meninas fizeram um protesto na porta do cinema. O vídeo viralizou e elas conseguiram entrar no mesmo dia para ver Riley.

“Eu me vesti de Raiva porque me identifico muito com esse personagem quando estou estressada”, conta Maria JĂșlia, que tem a mesma idade de Riley e para quem o segundo filme trouxe uma aprendizagem. “Achei incrĂ­vel, porque o Raiva fica feliz em vĂĄrios momentos e consegue se controlar”. Para Isabelle, o filme retrata muito bem a transição da infĂąncia para a adolescĂȘncia, mostrando que nĂŁo Ă© fĂĄcil lidar com novas emoçÔes. A Alegria segue a sua preferida, “ainda mais agora, quando nem a prĂłpria Alegria consegue ser alegre o tempo todo”, resume.

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