Ansiedade, Vergonha, TĂ©dio e Inveja marcam o fim da infĂąncia e começo da puberdade na sequĂȘncia da franquia
As emoçÔes apresentadas em âDivertida Mente 2â motivam crianças e adolescentes a pensar sobre os desafios que acontecem na sala de controle da mente de cada um. Para especialistas, a fase de transição entre infĂąncia e puberdade deve ser vivida com afeto e equilĂbrio.
Maria Flor, 8, brincou de ser repĂłrter por um dia ao levar o gravador para a escola, em SĂŁo Paulo, por sugestĂŁo do pai, Madson Moraes. Depois da sessĂŁo do primeiro filme da franquia âDivertida Menteâ promovida pela escola, a menina investigou o que os colegas acharam das emoçÔes que assumem a sala de controle na mente de Riley e como veem as novidades da adolescĂȘncia que Ă© o tema de âDivertida Mente 2â.
Quase dez anos separam as duas produçÔes. Na primeira, Riley é uma criança um pouco mais velha do que Maria Flor e suas amigas. Aos 11 anos, ela se apoia na Alegria, na Tristeza, na Raiva, no Medo e em Nojinho, para enfrentar uma mudança de cidade e de escola. Jå na segunda animação, em cartaz atualmente nos cinemas, a personagem estå com 13 anos e vai lidar com outros desafios. De aparelho nos dentes e espinha no rosto, Riley vive conflitos com os pais e quer muito ser aceita em novos grupos, enquanto suas emoçÔes (a Ansiedade, a Inveja, a Vergonha e o Tédio) operam uma revolução dentro dela.
Nas entrevistas, as crianças contaram que sentiram raiva da Ansiedade e vibraram muito com a Alegria. Curiosamente, a parte favorita, para elas, não foi uma emoção, mas um acessório 2D que vem lå das memórias da primeira infùncia da personagem principal dessa história, garantindo cenas bem engraçadas.
A Pochete merece mesmo um filme sĂł para ela. E sĂł dĂĄ para contar atĂ© aqui sem spoiler, mas quem assistir vai entender a brincadeira nas gravaçÔes de Maria Flor: âĂ, Pocheteeeee!â
âDivertida Mente 2â marca a estreia de Kelsey Mann como diretor e jĂĄ bateu o recorde de terceira maior bilheteria de animação nos Estados Unidos e no Brasil. Um dos motivos do sucesso Ă© a identificação que as novidades da fase tĂȘm gerado entre o pĂșblico adolescente.
Catarina, 12, e Riley estĂŁo crescendo juntas, com apenas um ano de diferença. Depois de comemorar o aniversĂĄrio de sete anos com o tema do primeiro filme, para ela, a sequĂȘncia âĂ© bem mais complexaâ. Isso porque âadiciona novas mecĂąnicas na sala de controle e consegue nos apresentar tudo o que passa em nossa cabeça de forma clara e divertidaâ.
Sua emoção preferida foi a Inveja. âAdorei como a aparĂȘncia dela mostra um ser menor do que todos os outros, mas que tem olhos enormes, com isso achando que todos sĂŁo maiores e melhores do que ela.â Mas ela tambĂ©m projeta o futuro, chegando a versĂ”es onde a personagem Nostalgia enfim ganha destaque. âSe fizerem filmes da Riley atĂ© sua velhice, vou sentir essa emoção a cada estreia.â
JĂĄ o baiano Enzo, 11, continua se identificando mais com a Alegria. Apesar de considerar a continuação da histĂłria muito legal e o final surpreendente, ele achou âa Ansiedade meio chatinhaâ. Isso porque âobrigava a menina fazer coisas que ela nĂŁo queriaâ, explica. Ele ensina que, na vida real, as emoçÔes vĂȘm juntas, como raiva e tristeza. Se pudesse escolher uma que ficou de fora do novo filme, mas que tem muito a ver com ele, nĂŁo pensaria duas vezes: âseria afetoâ.
Para a escritora e psicanalista ClĂĄudia Barral, mĂŁe de Catarina, que acompanhou a filha no cinema, em SĂŁo Paulo, o recado principal Ă© para as adolescentes olharem para si mesmas com bondade. âEm nossa sociedade, as meninas ainda se olham de forma muito cruel. Ă um tal de âsou gordaâ ou âestou feiaâ que sai com muita facilidade na fala delasâ.
EntĂŁo, segundo ela, a mensagem que melhor traduz essa animação Ă© o ensinamento sobre o senso de si. âPara Freud, as experiĂȘncias de prazer e de desprazer vĂŁo fazendo marcas psĂquicas que ele chamou de rios. Toda vez que Riley bota uma emoção no rio, um fio sobe e vai criando uma marca. Por isso, as vivĂȘncias na primeira infĂąncia sĂŁo tĂŁo importantes. Crianças que crescem em ambiente de tranquilidade serĂŁo marcadas, assim como aquelas que sofrem abusos, e isso Ă© muito difĂcil de mudar.â
O senso de si, explica, faz parte da construção da identidade e estĂĄ muito ligado ao olhar da mĂŁe para o filho ou filha desde que o bebĂȘ nasce. âĂ esse olhar que vai construir na criança o que ela acredita sobre si mesmaâ. No filme, Riley vive o impasse entre âser uma pessoa legalâ e ânĂŁo ser boa o bastanteâ. ClĂĄudia pondera que, Ă s vezes, a mĂŁe estĂĄ cansada, ou atĂ© adoecida, e pode nĂŁo ter um olhar tĂŁo amoroso. Mas, se isso for algo pontual e nĂŁo a tĂŽnica das relaçÔes, estĂĄ tudo bem.
As experiĂȘncias de Riley podem inspirar crianças e adolescentes que atravessam questĂ”es parecidas, compreendendo mudanças e a chegada de novas emoçÔes. A psicanalista ClĂĄudia Barral deixa algumas pistas:
âEu sou cego, mas fui ao cinema assistir Divertida Mente 2â. Com essa frase, Pedro, 13, que tambĂ©m Ă© autista nĂvel 1 de suporte, abre um vĂdeo em que explica a audiodescrição, um recurso que traduz imagens em palavras. Assim, ele pĂŽde escutar o filme, em uma sessĂŁo acessĂvel em BrasĂlia, onde mora, e fez questĂŁo de compartilhar detalhes sobre o aplicativo, para que outras pessoas com deficiĂȘncia visual pudessem ter a mesma experiĂȘncia. Para ele, o filme 2 deixa a mensagem: âOs adolescentes precisam equilibrar as emoçÔes antigas com as novas.â
A mĂŁe de Pedro, Tatiana Maron, destaca como conseguiram falar, de forma lĂșdica, de regulação emocional, muito vivenciada por famĂlias atĂpicas. âA abordagem da crise de Ansiedade foi muito esclarecedora. Isso contribui para que outras crianças e adolescentes aprendam sobre o assunto.â
TambĂ©m em BrasĂlia, Ravi, 10, e a mĂŁe, JĂ©ssica Borges, ambos autistas, estĂŁo âesperando passar o alvoroço do lançamento para ir [ver o filme]â. Para o menino, ir ao cinema ainda Ă© complicado. AtĂ© hoje, sĂł assistiu a dois filmes â âSuper Marioâ e âSonicâ â porque estavam em seu hiperfoco. Para esse pĂșblico, cinemas tĂȘm promovido sessĂ”es especiais, com salas climatizadas, luzes levemente acesas e o volume do filme mais baixo, por exemplo.
AtĂ© lĂĄ, a famĂlia vai criando estratĂ©gias de aproximação. Esses dias, junto com o pai, FĂĄbio, fizeram uma sessĂŁo de âDivertida Mente 1â na TV. Ravi, entĂŁo, mostrou interesse pelas cores, pela linguagem simples das personagens e todos os efeitos sonoros chamaram sua atenção, conta a mĂŁe. âA expectativa Ă© que ele possa se divertir e conhecer os novos sentimentos, jĂĄ tĂŁo famososâ. A cada resenha que lĂȘ, JĂ©ssica acredita que tambĂ©m vai entrar para o grupo de pessoas que se identificam com o filme. âSobretudo na dificuldade de reconhecer, compreender e regular essas emoçÔes.â
Se nĂŁo rouba a cena neste segundo filme, a Ansiedade tenta, e dĂĄ muito trabalho para Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho. Com essa imagem da adolescĂȘncia, o pĂșblico assiste uma emoção que pode levar qualquer jovem a agir por impulso, mas tambĂ©m a pensar no futuro, tentando evitar erros e sabendo que suas açÔes tĂȘm consequĂȘncias, analisa Telma AbrahĂŁo, especialista em neurociĂȘncia e desenvolvimento infantil.
A biomĂ©dica ensina que a gente nĂŁo consegue impedir uma emoção, mas a razĂŁo nos ajuda a lidar com o que sentimos. Isso se chama educação emocional. âĂ algo que as geraçÔes passadas nĂŁo tiveram acesso, mas agora, com o avanço da neurociĂȘncia, temos condiçÔes de refletir antes de agir por impulsoâ. A adolescĂȘncia, diz a especialista, Ă© o momento de aprender isso. Para crianças, a capacidade de autorregular demanda o apoio de um adulto que esteja calmo. âPor isso, Ă© essencial se reeducar e aprender a lidar com as prĂłprias emoçÔes para sĂł entĂŁo educar a criança e o adolescente para lidar com as emoçÔes deles.â
De acordo com ela, âquando o adulto entende que a criança nĂŁo tem como atingir aquela expectativa irreal, de que ela seja perfeita, de que nĂŁo erre, de que seja 100% obediente e faça tudo que o adulto estĂĄ pedindo, quando ele entende que isso nĂŁo Ă© compatĂvel com a nossa biologia, a gente começa a mudar nossas lentes para a infĂąnciaâ. Assim, podemos atuar no que muitas vezes acaba sendo a raiz da violĂȘncia contra a criança.
A estreia do filme foi uma oportunidade para Maria JĂșlia Moreira, 13, e Isabelle de Abreu, 15, regularem as prĂłprias emoçÔes. As duas amigas de Salvador se vestiram de Raiva e de Alegria, personagens originĂĄrias da histĂłria, mas, chegando ao cinema, encontraram os ingressos esgotados. Orientadas a esperar, enfrentaram, entĂŁo, uma longa fila atĂ© receberem um ânĂŁoâ pela segunda vez.
A Raiva entĂŁo assumiu direitinho o seu papel enquanto a Alegria virou Tristeza. Junto com outros amigos tambĂ©m fantasiados, as meninas fizeram um protesto na porta do cinema. O vĂdeo viralizou e elas conseguiram entrar no mesmo dia para ver Riley.
âEu me vesti de Raiva porque me identifico muito com esse personagem quando estou estressadaâ, conta Maria JĂșlia, que tem a mesma idade de Riley e para quem o segundo filme trouxe uma aprendizagem. âAchei incrĂvel, porque o Raiva fica feliz em vĂĄrios momentos e consegue se controlarâ. Para Isabelle, o filme retrata muito bem a transição da infĂąncia para a adolescĂȘncia, mostrando que nĂŁo Ă© fĂĄcil lidar com novas emoçÔes. A Alegria segue a sua preferida, âainda mais agora, quando nem a prĂłpria Alegria consegue ser alegre o tempo todoâ, resume.
Qual foi a parte que vocĂȘ mais gostou?
Ah, da Pochete.
E qual foi a parte mais divertida?
Ah. Pochete, pochete⊠Repita comigo: pochete, pochete! TrĂȘs, dois, um e fim!