Oficina promove penteados afro e mostra como ações que envolvem escola, famílias e comunidade ajudam na autoestima e no combate ao racismo
Oficinas de tranças afro fortalecem a autoestima de crianças negras e promovem ações antirracistas. Além da representatividade, especialista aponta que o combate ao racismo exige prevenção, proteção e promoção de uma cultura escolar inclusiva por todos.
O dia mais especial na semana de Conceicinha é o dia de fazer tranças. Entre tranças, bantu knots (coques bantu) e cabelos com lacinhos, a história de “Trançando o amor” saiu das páginas e chegou a escolas por mediação da autora Lorrane Fortunato.
Após a leitura, Lorrane reúne professores, familiares e crianças para produzirem os penteados da personagem, uma garotinha negra que tem o nome inspirado na escritora Conceição Evaristo. Assim, nas oficinas de penteados afro, mães e pais trançam o cabelo de seus filhos, alunos e alunas trançam os dos professores.
A inspiração para promover as oficinas de penteados foi conhecer o valor da representatividade. “Quando uma pessoa não se enxerga no que consome ou nos lugares que frequenta, pode ter muitos danos à autoestima”, diz a autora. “Quando se vê representada, ganha então muitas possibilidades, novos futuros.”
Então, além de ser uma oportunidade para as crianças negras se verem representadas positivamente, para Lorrane, “é uma troca de afetos muito enriquecedora e importante”. Segundo ela, “as crianças adoram a Conceicinha por verem nela uma referência de beleza e amor.”
Para a educadora Fernanda de Oliveira, que recebeu a oficina na EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Juscelino Kubitschek, em Araçariguama, interior de São Paulo, “isso reafirma suas origens e mostra que sua identidade é motivo de orgulho. Ao mesmo tempo, ajuda a promover empatia e respeito entre todos, construindo uma escola mais inclusiva e consciente.”
“Eu queria ser invisível, não queria as pessoas reparando em mim.” É assim que Janaína Rochido, 44, resume sua infância como uma menina negra que desde os oito anos alisou o cabelo e sofreu racismo. “Se você não era igual a elas [as mulheres brancas, loiras e de cabelos lisos], você não era ninguém.”
Se quando Janaína era criança, nos anos 1980, não existiam leis afirmativas nem muitas referências de mulheres com cabelos crespos, hoje essa realidade está mudando. Recentemente, por exemplo, a jornalista Aline Aguiar apresentou o Jornal Nacional usando tranças em homenagem a uma menina negra que foi hostilizada por estar com o penteado. “Quero que ela e todas as meninas saibam que as tranças são lindas”, disse na ocasião.
Se não fosse o racismo, Janaína acredita que teria sido uma criança “mais confiante”. “Teria dado minha opinião em diversas situações, teria sido mais eu.” Há 11 anos, ela já não alisa mais os cabelos e entender suas raízes faz com que se sinta bonita e realizada.
Para Paulo Bueno, psicanalista e doutor em psicologia social, a representatividade é importante para destacar a diversidade de cabelos e de modos de vida. No entanto, ele chama atenção para um ponto que considera essencial: pessoas negras não têm que resolver individualmente um problema que é coletivo.
“Tem um impacto muito grande ter referências com cabelos, penteados, com trança ou black power. Mas não podemos levar essa responsabilidade para uma individualidade da pessoa negra”, explica.
De acordo com Paulo, lidar com o racismo demanda um trabalho de prevenção, proteção e promoção.
Contando a história de Conceicinha e o momento especial de trançar os cabelos na sua família, a obra traz como temas centrais a importância da ancestralidade, do pertencimento e do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Uma obra para pautar a diversidade e a beleza que existem em cada criança, independentemente do penteado escolhido. O livro fala sobre ancestralidade, diversidade, gênero, sororidade, virtudes e amor.
Por fim, esta celebração da beleza negra apresenta penteados afro com positividade e elogios. Além disso, oferece ferramentas para que as meninas se orgulhem de sua identidade. Assim, tenta reverter o histórico de invisibilidade, promovendo afeto e estímulo essenciais para as novas gerações.
Ações como essa estão previstas pela lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileiras nas escolas públicas e privadas em todo o Brasil. O objetivo é contribuir para a construção da autoestima de crianças negras e ajudar a combater o racismo.
“É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de construção da identidade negra em nosso país”, diz o texto de um parecer que, em 2024, se somou à lei, com novas diretrizes que orientam políticas públicas e práticas escolares com foco na educação das relações étnico-raciais.