‘Segundo cérebro’: o papel do intestino para a saúde das crianças

Comida in natura e incentivo à amamentação são alguns dos fatores que contribuem para a construção de uma boa saúde intestinal, mas por que isso é importante?

Eduarda Ramos Publicado em 17.04.2023
Na imagem, uma menina de etnia amarela fura um brócolis com um garfo. A foto ilustra uma matéria sobre saúde intestinal.
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Resumo

Já pensou como está a saúde do seu intestino hoje? Comer bem, evitar açúcares e ultraprocessados, ter contato com a natureza e reduzir o tempo de tela são algumas formas de cuidar da saúde intestinal ainda na infância.

Tudo começa com comida. O papel central do intestino em nosso corpo não se dá apenas porque é o órgão responsável por processar os alimentos que ingerimos, mas também porque está diretamente ligado ao cérebro: a saúde intestinal é capaz de influenciar nossas emoções e o nosso comportamento.

O corpo é um sistema e os órgãos se comunicam o tempo todo, lembra Mariana Claudino, nutricionista pós-graduada em comportamento alimentar infantil e nutrição pediátrica. Por isso, uma alimentação de qualidade é apenas um dos fatores que mantêm nossa saúde nos eixos – e isso desde a gestação. “O intestino pode ser considerado um ‘segundo cérebro’, verificando o funcionamento da flora intestinal, que é composta por bactérias boas que ajudam na manutenção da saúde, auxiliam na digestão de alimentos e protegem de infecções”, explica.

Mas, apesar do “equilíbrio nutricional entre grupos de alimentos” ser um caminho importantíssimo, ele “sozinho não resolve tudo”, diz a especialista. Principalmente para as crianças, uma boa alimentação deve estar associada a outras práticas, como o contato com a natureza e o brincar livre, evitando o excesso de telas, que “podem agitar e interferir no comportamento e no humor delas”.

“Crianças que brincam, que correm, que interagem com outras crianças e com a natureza e movimentam o corpo são mais felizes e mais tranquilas”

Um intestino saudável é amigo da saúde emocional

Você sabia que o estado emocional pode afetar o ritmo da digestão? E que estudos apontam que o estímulo digestivo pode ativar regiões-chave do cérebro envolvidas na regulação da emoção? A possibilidade da Síndrome do Intestino Irritável (SII) estar ligada a fatores emocionais é um exemplo dessa comunicação entre cérebro e intestino. Até mesmo transtornos cerebrais podem ter associação direta com o trato gastrointestinal, aponta Claudino.

Ela também indica que o estresse pode estar associado ao desenvolvimento de bactérias ditas “ruins” na flora intestinal, além do uso de antibióticos também poder interferir diretamente no humor e na concentração. “Uma alimentação rica em açúcares e alimentos ultraprocessados e refinados pode causar constipação intestinal e outros problemas a curto, médio e longo prazo, como obesidade, diabetes, anemia, hipertensão, osteoporose, desnutrição, câncer e depressão”, detalha. Também é recomendado reduzir o sal, a gordura e o consumo de temperos ultraprocessados.

Após mapear 10 mil vírus nas fezes de crianças saudáveis com um ano de idade, pesquisadores da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, descobriram que apenas 16 das 248 famílias virais já eram conhecidas. Apesar do alto número de novas espécies de vírus intestinais, o estudo concluiu que apenas 10% apresentam riscos para doenças – muitas ainda sequer catalogadas.

A saúde intestinal também pode ser a causa de alergias alimentares adquiridas na primeira infância. Embora ainda não haja estudos conclusivos, a literatura aponta a influência de diversos fatores, como a escolha do tipo de parto, a menor exposição aos microrganismos, uso excessivo de antibióticos, o excesso de limpeza e o desmame precoce, esclarece a especialista. Ela reforça que questões ambientais, como exposição ao ar-condicionado, luz artificial, poluição e estresse, também podem interferir na saúde intestinal das crianças.

O cuidado com a saúde intestinal começa ainda na barriga

Segundo o Unicef, os primeiros mil dias de vida, que compreendem os 270 dias da gestação até os dois primeiros anos de vida da criança, é um período decisivo para a formação e o desenvolvimento do bebê, demandando da mulher escolhas ainda mais conscientes na alimentação e responsabilidade dos cuidadores em relação ao que oferecer aos pequenos.

“Crianças de até dois anos não devem consumir nenhum tipo de açúcar industrializado. E muitas vezes isso não acontece, por pura desinformação, fazendo com que a criança forme um paladar com preferência pelo doce cada vez mais precocemente”, aponta Claudino. Mas isso não quer dizer que esses produtos devam ser proibidos, apenas significa que “a base da alimentação não pode nem deve ser composta por alimentos ultraprocessados”, endossa.

Desafios para a garantia da saúde intestinal

Apesar da centralidade da alimentação para a garantia da vida, o acesso universal à alimentação de qualidade ainda é desigual no Brasil. Em 2022, seis em cada dez brasileiros viveram em algum grau de insegurança alimentar. Para as crianças em idade escolar, muitas vezes, a refeição que se faz na escola é a única ou a principal do dia. Além disso, a presença de alimentos ultraprocessados é cada vez mais recorrente nas dietas dos brasileiros, enquanto índices de amamentação ainda estão distantes do ideal estipulado pela Organização Mundial da Saúde.

Porém, o cenário vai além de escolhas individuais. Políticas públicas de incentivo à amamentação exclusiva e de “conscientização pelo consumo da comida in natura, simples, da época e orgânicos” são algumas das estratégias sugeridas por Claudino para cuidar da saúde intestinal tanto da gestante quanto da criança.

O consumo de alimentos de baixa qualidade durante e após a gestação impacta negativamente na saúde do intestino e pode interferir na programação metabólica infantil, explica Claudino. Segundo ela, a amamentação exclusiva até os seis meses diminui a probabilidade de a criança desenvolver infecções, obesidade e diabetes, enquanto para a mulher, protege até contra câncer de mama, de ovário e diabetes. Além disso, é mais barata e saudável do que a amamentação com fórmulas lácteas.

Produzido pelo Ministério da Saúde, o Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos (2019) apoia cuidadores quando o assunto é a saúde intestinal dos pequenos. Algumas das orientações são:

  • Amamentação exclusiva até os seis meses de idade;
  • Não oferecer açúcar para crianças menores de dois anos;
  • Não oferecer sucos de fruta (mesmo sem açúcar) para crianças menores de um ano.

O guia também traz exemplos de alimentos in natura, oferece dicas para a amamentação nos primeiros seis meses de vida do bebê, informa sobre direitos das crianças relacionados à alimentação e incentiva a proteção das crianças à publicidade.

Também elaborado pelo Ministério da Saúde, informações adicionais podem ser encontradas no Guia alimentar para a população brasileira.

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