Escolher um candidato comprometido com os direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros neste dia 1 de outubro é dever de todos
Nesta eleição para conselho tutelar, para proteger verdadeiramente crianças e adolescentes, é preciso escolher candidatos que tenham no currículo a defesa dos direitos humanos.
“Este precisa ser um assunto no ponto de ônibus, na fila de espera, nos grupos de WhatsApp do trabalho e da família”, diz Lucas Lopes, secretário executivo da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Criança e Adolescentes. O assunto é a eleição dos conselheiros tutelares de todos os municípios do Brasil, marcada para domingo, 1 de outubro de 2023.
Apesar de acontecer a cada quatro anos, a eleição para o Conselho Tutelar não está na agenda de todo mundo. Muita gente nunca chegou a votar para este órgão que é o mais próximo da população quando se trata de preservar os direitos de crianças e adolescentes brasileiros. “São os conselheiros tutelares que fazem o Estatuto da Criança e do Adolescente sair do papel”, completa Lopes.
Entender a atuação dos conselhos e seu impacto na construção das infâncias brasileiras deixa clara a importância de ampliar a participação nesse processo de escolha. Por isso, Lunetas foi ouvir os profissionais mais próximos do dia a dia desses órgãos. “O conselho tutelar não é um bicho-papão”, diz Aleksandra Silva, conselheira do Conselho Tutelar de Lajeado, zona leste de São Paulo.
Para ela, o conselheiro tutelar é o braço da comunidade e precisa estar a seu favor. Para isso, ele deve ser “um bom articulador, estar em espaços de luta, dialogar com autoridades e também agir como autoridade naquele território, para efetivar as políticas públicas com qualidade”, afirma. “A pessoa sair de lá dizendo que não sabia como aquele lugar poderia ajudar e que seu atendimento foi acolhedor é bem satisfatório.”
No entanto, perceber que muitos dos ciclos de violação de direitos são geracionais mostra como o problema persiste. “É comum ver famílias que passaram há 10 anos no conselho e que retornam com demandas agora dos filhos ou netos. Isso mostra que o território não mudou, que faltou investimento e seriedade para tratar a questão.”
“É preciso dedicação, empenho e ação coletiva para que o Estado faça o seu papel de qualificar os serviços de acolhimento para que atendam às demandas da população”
Apesar dos cerca de 30 quilômetros que separam os conselhos de Lajeado e Casa Verde, na zona norte de São Paulo, onde atua Flávio Casimiro de Sousa, os problemas são semelhantes. Sua maior dor é quando um serviço da rede de acolhimento não funciona. “Se aquele serviço atendesse à demanda, resolveria a vida não só da criança, mas da família inteira”.
Embora não seja possível “consertar o mundo, celebrar algumas vitórias acaba nos fortalecendo de certa forma”, diz Sousa. Um caso de estupro logo que começou o seu mandato como conselheiro tutelar o marcou. “Após ser atendida e tomar as medicações necessárias, a enfermeira questionou a roupa que a adolescente usava como motivo pro crime. Ela chegou muito fragilizada, mas graças ao nosso atendimento humanizado, ela pôde dar a volta por cima.”
Quando a educadora Graziele Sampaio trabalhava com alfabetização de jovens e adultos, ela foi surpreendida pela visita de uma aluna junto dos filhos. Segundo relata, a aluna chegou por volta das nove horas da noite e disse que o marido havia lhe colocado para fora de casa. “Ligamos para o conselho pedindo ajuda para resolver a situação. Nos sentimos acolhidos porque, num primeiro momento, o conselheiro acalmou a mãe e as crianças. Depois, foi atrás de um serviço de acolhimento.”
“Entender como e onde o conselheiro do bairro pode atuar traz possibilidades de resolver nossas demandas”
Para o conselheiro tutelar Silas Crispim, também do CT Lajeado, o atendimento acolhedor a crianças e famílias é o que pode mudar a visão negativa e punitivista que as pessoas têm do conselho tutelar. “Ter sensibilidade para tratar as questões que atravessam as famílias contribui para uma mudança da perspectiva.”
Apesar de serem recorrentes as denúncias de abusos sexuais envolvendo meninos e meninas, como compartilha Crispim, não é apenas com abusos e violências que o conselheiro deve atuar.
Camila Werneck, advogada membro da Comissão do Direito da Criança e do Adolescente e da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/SP, compartilha que já atuou com casos de conflitos familiares, nos quais um conselheiro tutelar mediou a comunicação para que ela e os pais fizessem acordos, como não atrasar as demandas da escola ou exercer melhor a paternidade, de modo que a convivência respeitasse o melhor interesse da criança.
Ela explica que o artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece as atribuições do conselheiro tutelar, que não tem apenas o papel de fiscalizador em casos de abuso e maus-tratos, mas é também responsável por orientar os pais, para que consigam acessar serviços essenciais, como matrícula na escola ou tratamentos de saúde, caso não tenham conseguido de forma autônoma proteger os direitos dos próprios filhos.
Sônia Maria Ferreira, uma das lideranças comunitárias do Jardim Helena, na zona leste de São Paulo, precisou do Conselho Tutelar em duas ocasiões por ter uma filha com dependência química que deixou aos seus cuidados três netos.
Primeiro, buscou o órgão para ter a guarda provisória de um neto para que pudesse matriculá-lo no Senac, uma das principais instituições de ensino de São Paulo. Depois, diante do risco de que o neto mais novo fosse para a adoção caso ninguém da família o acolhesse, o Conselho articulou que seu neto mais velho conseguisse a guarda provisória do caçula. Além disso, por causa de alguns problemas de saúde por ter sido um bebê prematuro, foi possível inseri-lo como dependente em seu convênio médico. “Apesar do CT ter suas falhas, consegui duas vezes resolver problemas por lá”, conta Ferreira.
“O mais importante é que a população compreenda que ser um conselheiro tutelar é estar alinhado à proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, e é isso que deve embasar a sua candidatura”, afirma Ana Potyara, que é também uma das advogadas mobilizadoras da campanha “A eleição do ano” e membro da equipe executiva da Agenda 227. “Isso é estar comprometido acima de tudo com o Artigo 227, com o Estatuto da Criança do Adolescente (ECA) e com as legislações correlatas”, diz.
“Votar no dia 1º de outubro é votar para fortalecer o órgão mais próximo da população”
“O conselheiro tutelar precisa ser alguém de confiança da comunidade”, diz Potyara. Por geralmente ser uma pessoa conhecida, como um vizinho, um primo ou alguém que mora na rua do lado, “quem tem competência para julgar e decidir se ele é de confiança é a própria comunidade. É importante que a gente se informe e vote”.
Já Lopes afirma que “delegar a terceiros a responsabilidade de escolher os Conselhos Tutelares que zelarão pelos direitos das crianças brasileiras, sem se envolver ativamente no processo, é potencialmente colocá-las em risco de não ter seus direitos assegurados”. Ele reforça que “não se trata apenas do que outros acreditam ser o melhor para crianças e adolescentes, mas sim dos direitos que eles conquistaram e que frequentemente são desrespeitados e negados”.
Qualquer pessoa brasileira que vive no país, maior de 16 anos e com título de eleitor ativo pode votar em até cinco novos conselheiros tutelares. O eleitor deve apresentar o título de eleitor e um documento oficial com foto, que pode ser o Registro Geral (RG), a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o passaporte ou a carteira profissional.
A eleição acontece no domingo, dia 1 de outubro de 2023.
Você pode descobrir quem são os candidatos alinhados ao ECA na plataforma da “A eleição do ano”. Já na plataforma “Em defesa do ECA”, a Uneafro Brasil indica quem são os candidatos que se comprometeram com a defesa das infâncias e adolescências negras e periféricas. Cada eleitor pode votar em até cinco candidatos.
Cada prefeitura é responsável por divulgar os locais de voto. O eleitor deve checar o site da prefeitura de seu município, já que o local de voto da eleição para conselheiros tutelares pode não ser o mesmo da eleição tradicional.
“Se não votamos, corremos risco de que conselheiros não alinhados com a proteção das crianças, com o ECA e com a Constituição sejam eleitos”, finaliza Potyara
O que mais faz um conselheiro tutelar?
Fonte: Agenda 227