Episódios contam como crianças e adolescentes protagonizaram movimentos sociais e reforçam a responsabilidade do cuidado coletivo desses grupos
Entender a infância como uma fase de poder e não só de vulnerabilidade é a proposta do ‘Cria histórias’. O podcast apresenta narrativas de protagonismo e resistência das crianças, reforçando a ideia de que toda a sociedade é responsável por cuidá-las.
Você sabia que crianças já lideraram movimentos importantes para a luta por direitos? Dentro de escolas, no ambiente virtual, no cuidado com a natureza e até em contextos de violência, meninas e meninos demonstraram a sua força para resistir.
Para mostrar esse outro lado da infância do Brasil, o podcast “Cria história” apresenta fatos do passado e do presente, em que crianças e adolescentes são agentes de transformações importantes. Apesar disso, os quatro episódios quinzenais também narram como adultos ou os sistemas construídos por eles impediam esse papel de protagonismo social.
Para Alícia Peres, diretora da série, é preocupante desconsiderar as crianças como indivíduos. Isso porque, segundo ela, “o apagamento de suas potências dá margem para outras violências”. Entre aquelas mais diretas ou ocultas que atravessam a infância brasileira estão, por exemplo, a exploração do trabalho infantil, a falta de proteção na internet e uma educação escolar ainda colonial.
“Queremos trazer uma reflexão de que as crianças não são somente abusáveis e desprotegidas, mas donas de suas histórias.”
Durante as pesquisas, a equipe do podcast se deu conta da importância de tratar a infância como uma fase da vida poderosa, e não somente vulnerável. Portanto, a ideia é “contar as histórias de grandes revoluções e movimentos liderados por crianças e adolescentes, justamente para evidenciar que a infância é lugar de poesia, de solução e revolução”, pontua Alícia.
Nesse sentido, cada episódio tem um tema e um personagem ou grupo principal. O primeiro é madrinha Eunice, mulher negra, fundadora da Sociedade Recreativa da Escola de Samba Lavapés, em São Paulo, e cuidadora de mais de 60 crianças. Os entrevistados refletem sobre como cuidar coletivamente das crianças traz à tona o que elas têm de melhor.
O segundo episódio trata do combate ao trabalho infantil a partir da lembrança da exploração de crianças nas primeiras fábricas da revolução industrial do país. A produção explica, então, como as marcas desses abusos aparecem nas desigualdades raciais e sociais. Além disso, contam mais sobre os protagonistas: crianças que participaram de revoltas operárias da época.
Escolher essas narrativas foi uma decisão difícil para a equipe. “Além das pesquisas sobre a infância no Brasil, levamos em consideração o território”, conta Alícia. “Para entender as raízes das violências contra crianças e adolescentes, foi preciso saber como as resistências aconteceram. E as respostas vieram dos territórios, como na porta da casa da madrinha Eunice ou no bairro das antigas fábricas em que as crianças trabalhavam.”
A pesquisadora Luiza Akimoto, que participou da concepção da série e narra os episódios, diz que a diversidade das pessoas ouvidas ampliou o olhar sobre o cuidado com as infâncias. “Ouvimos pessoas que falam a partir de uma cosmovisão negra e indígena”, explica. “Então, isso ajudou a contar histórias de grupos que construíram a cidade e colaboraram nas lutas pelos direitos das crianças.”
O terceiro episódio, por exemplo, relembra as ocupações dos alunos secundaristas, de 2015, em São Paulo, contra o projeto de reestruturação da educação no estado. “Eu era uma dessas estudantes da época e esse movimento estudantil foi importante para nos percebermos cidadãos críticos. Assim, entendemos que, como adolescentes, tínhamos força para revolucionar e modificar o pensamento social”, lembra Luiza.
Outro assunto mais atual é a construção de um ambiente digital seguro e de resistência para as crianças, conforme trata o último episódio. Ele desmonta a ideia da internet como espaço inteiramente perigoso ao apontar caminhos de um uso seguro e construtivo. Nesse sentido, “reforçamos a responsabilidade de todos nesse cuidado coletivo de colocar as crianças como prioridade absoluta”, aponta a diretora Alícia Peres.
Lançada no dia 20 de maio, a produção é da Cria Coragem, iniciativa do Instituto Çarê, com foco na prevenção e erradicação da violência sexual infantojuvenil. O podcast está disponível no site oficial e nas principais plataformas de áudio e música. Além do “Cria histórias”, materiais complementares, bibliografias, imagens históricas e roteiros educativos direcionados para educadores, organizações sociais e público ouvinte visam inspirar transformações. “Queremos que reflitam, dialoguem e usem esses conteúdos como ferramentas para mudança social”, conclui Luiza Akimoto.