O que diz a lei de parentalidade positiva e direito ao brincar?

Ações voltadas para a parentalidade positiva e o direito ao brincar são uma forma de prevenir violências contra crianças e adolescentes

Madson de Moraes Publicado em 02.04.2024
Imagem de uma familia de pessoas negras com dois filhos, um menino e uma menina. Todos usam roupas coloridas e estão se abraçando e sorrindo. A matéria é sobre a lei de parentalidade positiva e direito ao brincar.
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Resumo

Sancionada em março deste ano, a nova lei inclui a parentalidade positiva – um modo de criar crianças em que os limites são estabelecidos em conjunto – e o direito ao brincar como estratégias para prevenir a violência doméstica na infância.

Associado à construção de confiança, potência criativa e autonomia, o brincar livre é quando adultos não interferem o tempo todo no que as crianças devem fazer. Em vez disso, as acompanham com seu olhar de encorajamento e admiração pelas descobertas que são capazes de fazer. Já a parentalidade positiva é um modo de criar crianças em que se estabelecem os limites em conjunto, privilegiando a escuta e o diálogo. Agora, ambas as estratégias viraram lei para prevenir as violências contra crianças e adolescentes no Brasil.

Sancionada no último dia 21 de março, a Lei nº 14.826/2024 define a parentalidade positiva como o processo parental na família que leva em conta uma educação baseada no respeito, no acolhimento e na não violência. Além disso, estabelece que crianças e adolescentes têm direito ao brincar livre de intimidação ou discriminação, a se relacionar com a natureza, a viver em seus territórios originários e a receber estímulos parentais lúdicos que proporcionem seu desenvolvimento. Com isso, cabe à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios criarem, no âmbito das políticas de assistência social, educação, cultura, saúde e segurança pública, ações de fortalecimento da parentalidade positiva e de promoção do direito ao brincar.

Segundo a coordenadora jurídica do Instituto Alana, Ana Claudia Cifali, além de reforçar a importância de políticas públicas para o brincar e para a parentalidade positiva, reconhecendo que essa não é uma habilidade inata das mulheres e mães, a nova lei avança ao promover serviços e estruturas que possibilitem sua efetividade ou a garantia desses direitos. Para ela, “a falta de espaços públicos e de convivência, familiar e comunitária ainda é uma realidade no Brasil. Mas isso pode avançar com esta lei.”

Cifali considera ainda outros dois avanços: o fato de assegurar o direito de crianças e adolescentes se relacionarem com a natureza e a garantia de que possam viver em seus territórios originários. “O acesso, vínculo, conexão e intimidade com a natureza contribuem para uma infância saudável e para o desenvolvimento integral das crianças. Ter liberdade para experimentar e descobrir o mundo é condição essencial para que possam existir com seus modos próprios de pensar, sentir, agir, criar e apreciar o entorno”. Já o direito à terra, lembra, é muito importante “diante das ameaças aos territórios originários e especialmente aos direitos de crianças e adolescentes indígenas”.

Para Elisa Altafim, psicóloga e doutora em saúde mental pela Universidade de São Paulo (USP), “algumas legislações mencionam a oferta, no âmbito das políticas públicas, de programas para apoiar os pais a estimularem adequadamente seus filhos, e a não praticarem qualquer tipo de violência”. Mas, a nova lei “reforça a importância da parentalidade positiva na vida das crianças e incentiva a criação de ações em programas existentes ou novos”.

O direito ao brincar e a prevenção das violências contra crianças e adolescentes são garantidos em legislações como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Marco Legal da Primeira Infância. Também aparecem em leis como Menino Bernardo e Henry Borel, que tratam da proteção infantil, por exemplo.

Acolher sem qualquer violência, impor limites com amorosidade

A parentalidade positiva envolve estratégias e comportamentos respeitosos, acolhedores, estimulantes e não violentos. Ou seja, em qualquer conduta para pais e mães, o respeito às crianças e aos adolescentes é elemento básico. Isso porque eles são sujeitos relacionais e sujeitos de direitos.

Portanto, essa abordagem envolve diferentes aspectos da parentalidade. Por exemplo, “o conhecimento que pais e mães têm sobre o desenvolvimento de uma criança, as crenças que consideram necessárias para educá-la, e a forma como atuarão em um determinado momento”, acrescenta Altafim, que realiza pesquisas, formações e consultoria relacionadas a temas como desenvolvimento infantil e parentalidade. Então, na prática, é sobre o quanto se é responsivo às necessidades da criança, se está atento ao que ela precisa ou se consegue respondê-la sem recorrer a qualquer tipo de violência.

“A parentalidade positiva disciplina e coloca regras e limites, mas de forma positiva”

Por outro lado, a parentalidade é negativa quando envolve crenças já ultrapassadas como, por exemplo, a que defende tapas e palmadas para educar uma criança. “Hoje se sabe que estas práticas violentas afetam o desenvolvimento da criança e sua saúde, tanto física quanto mental”, explica Altafim.

Lucas Lopes, secretário executivo da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes – uma articulação da sociedade civil dedicada à prevenção e ao enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes no Brasil – ressalta que a parentalidade positiva é uma estratégia baseada em evidências de qualidade que, associada a outras abordagens, previne violências e amplia os fatores de proteção.

De acordo com ele, a prioridade é potencializar no Brasil as estratégias INSPIRE, da Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes. O objetivo é auxiliar no enfrentamento das violações contra esta população. Em 2018, o país assumiu este compromisso, que foi renovado em 2023. Apesar disso, até o momento, não existe uma estratégia nacional de prevenção e resposta a todas as formas de violência.

Parentalidade positiva no ambiente escolar

“Palestras e rodas nas conversas nas escolas ajudam a disseminar os conhecimentos sobre práticas parentais positivas”, acrescenta Altafim. Contudo, evidências científicas apontam que, para uma mudança efetiva de comportamento de pais, mães e cuidadores – o que demanda tempo -, os programas de parentalidade são mais eficazes. Isso porque são estruturados com início, meio e fim. Nesse sentido, após a participação do programa de parentalidade em grupo, “pais e mães melhoram a regulação emocional e comportamental, incrementam a comunicação que têm com a criança e reduzem o uso de práticas negativas, como bater e gritar, passando a compreender sobre o desenvolvimento da criança”.

Conheça 5 programas parentais

No Brasil, programas de parentalidade apoiam os cuidadores no uso de práticas positivas como forma de prevenção às violências contra crianças e adolescentes. De acordo com pesquisas, eles melhoram o vínculo entre pais e filhos e “ajudam a quebrar o ciclo de violência intergeracional”, diz Altafim.

  • Criança Feliz
    É um programa nacional de visitas domiciliares em que os cuidadores entram em contato com maneiras simples de interagir com as crianças. O objetivo é melhorar suas habilidade, fortalecer os ambientes acolhedores e promover o desenvolvimento integral das crianças na primeira infância. Tudo isso considerando o contexto de vida de cada família.
  • Primeira Infância Melhor (PIM)
    Há 20 anos, o programa realiza visitas domiciliares e comunitárias semanalmente a famílias em situação de risco e vulnerabilidade social, no Rio Grande do Sul. A ideia é fortalecer suas competências para então educar e cuidar das crianças.
  • Fortalecendo Laços
    O programa visa fortalecer as interações entre mães e filhos. Assim, envia vídeos pelo celular, com um feedback sobre o comportamento parental durante uma situação de brincadeira livre. Além disso, realiza sessões em grupo para orientar e discutir sobre práticas parentais positivas. “Apesar de não estar implementado em larga escala, ele já pode ser incorporado em políticas públicas”, explica Altafim, que é uma das desenvolvedoras do programa.
  • ACT Para Educar Crianças em Ambientes Seguros
    Criado pela American Psychological Association e adaptado para o Brasil, o ACT, também coordenado por Altafim, promove formações. São oito encontros, uma vez por semana, com grupos de até 12 mães, pais e cuidadores. Ele já funciona como política pública, vinculado a serviços existentes, no Ceará e em Osasco (SP). O Ceará foi o primeiro estado a implementar o ACT como política pública vinculada a um programa de transferência de renda, o Cartão Mais Infância. Já Osasco iniciou a implementação do ACT no final de 2023.
  • Famílias Fortes
    No mesmo ano, Osasco também implementou o programa criado pelo Departamento de Serviço Social da Oxford Brookes University (Reino Unido). Adaptado para o Brasil e baseado em evidências científicas, busca fortalecer os vínculos familiares e o desenvolvimento de habilidades parentais e socioemocionais com adolescentes.

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