Por causa das queimadas e do tempo seco que comprometem a saúde dos estudantes, MEC faz recomendações para alterar a rotina das escolas
O MEC fez uma série de recomendações para proteger a saúde dos estudantes diante de dias quentes e secos. Apesar disso, a diversidade regional do país e as diferentes arquiteturas se tornam um desafio para aplicá-las.
Escolas em todo o Brasil precisaram alterar a rotina por conta dos dias mais quentes e secos em função das queimadas, principalmente na Amazônia. De acordo com o MapBiomas, uma área equivalente ao estado inteiro de Roraima foi queimada no país desde o início do ano. Além disso, na região norte, onde o rio é a via de transporte para chegar às escolas de áreas ribeirinhas, crianças ficam sem aula em dias de seca.
Em outras regiões, as atividades em espaços abertos como, por exemplo, em quadras e parques, estão comprometidas pelos níveis alarmantes de poluentes na atmosfera. Diante da crise, o Ministério da Educação (MEC) divulgou recomendações para que as escolas adaptem suas atividades com medidas de prevenção à saúde e garantia do bem-estar dos alunos, professores e demais trabalhadores da educação.
Entre as orientações está evitar atividades ao ar livre, privilegiando práticas internas, como jogos educativos, leituras e debates em ambientes fechados. A pasta também criou um canal direto com as redes de ensino para envio de dúvidas e demandas relacionadas às queimadas.
Apesar de importantes, as orientações do MEC não são suficientes se consideradas a diversidade das escolas do país. Quem opina é Sofia Lerche Vieira, pesquisadora em Gestão e Aprendizagem e doutora em Filosofia e História da Educação.
“As escolas não estão preparadas para os eventos emergenciais, seja as queimadas ou as chuvas torrenciais. É preciso um novo padrão de conduta com um olhar para a diversidade”, aponta.
Sofia é uma das autoras do livro “Expedição Escolas do Brasil“, que percorreu os seis biomas brasileiros para compreender como o clima impacta de formas diferentes as escolas. O objetivo da pesquisa era entender como as unidades assimilam as políticas governamentais e os indicadores de avaliação, considerando as vulnerabilidades que enfrentam em seus territórios.
Ela explica que as recomendações do MEC não levam em conta a estrutura das escolas e as condições específicas de cada região. “No município de Resende, no Rio de Janeiro, por exemplo, tinha escolas funcionando dentro de contêineres”, conta. E acrescenta que “a preocupação com a arquitetura escolar e com as características do bioma ainda é muito rudimentar. É como se aquela escola pudesse estar em qualquer lugar do Brasil.”
Outra recomendação do governo diante das mudanças climáticas é manter janelas e portas fechadas nos horários de pico de poluição, que podem ser monitorados em tempo real por meio do site IQAir Brasil. Além disso, o governo sugere usar umidificadores e ventiladores, se possível.
Porém, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 70% das escolas públicas brasileiras não eram climatizadas em 2022. Muitas delas não tem ventilador para amenizar os dias mais quentes.
“Fechar a sala como, com mais de 30 alunos na sala sem ventilação?”, questiona uma leitora do Lunetas nas redes sociais do portal.
Por conta da exposição à poluição, o MEC indica o monitoramento de sintomas dos estudantes, como náusea, febre, falta de ar e tontura. Além disso, recomenda o uso de EPIs, como máscaras para filtrar parte das partículas poluentes.
A pesquisadora chama atenção para a diversidade de usos que a comunidade escolar faz dos seus espaços. “Visitamos uma escola do município de Canindé, no Ceará, que tinha uma caixa d’água no meio do pátio e ela tomava todo o espaço de lazer das crianças”, relata Sofia.
Por serem “muito difíceis de implementar” diante da diversidade regional do país, ela acredita que os gestores escolares acabam sobrecarregados com a responsabilidade de encontrar maneiras mais eficazes de proteger suas crianças. E, por isso, reforça a necessidade de as medidas governamentais considerarem estruturas que fogem das de “escolas-padrão”.
“Precisamos refletir sobre como a escola lida com essas dificuldades”, alerta. Desse modo, “precisaria ter recursos especificamente consignados para a prática ambiental”, aponta como solução.
Em Brasília (DF), a escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental l Vivendo e Aprendendo precisou suspender as aulas nos dias em que a qualidade do ar foi classificada como ‘insalubre’ devido à fumaça das queimadas.
Além disso, a escola também reduziu o horário das aulas e organizou rede de apoio para acolher as crianças, cujos pais não tinham flexibilidade no trabalho. “Criamos uma planilha em que as famílias que conseguiram se reorganizar ou trabalham de casa se inscreveram para oferecer as suas casas a outras crianças durante o período das aulas suspensas”, conta Luisa Toller, musicista e mãe de uma das alunas acolhidas, em entrevista à TV Brasil.
Um comitê de crise climática foi criado “para levantar informações e entender qual era o cenário“, de acordo com a coordenadora pedagógica Adriana Pereira, que decidiu mudar o horário de entrada dos alunos para mais tarde, devido à maior concentração da poluição nas primeiras horas da manhã.
Encontrar soluções para a gravidade da situação depende de uma ação coletiva da sociedade. Uma das medidas sugeridas pela pesquisadora é o uso de outros espaços públicos que possam oferecer mais conforto e proteção para as crianças.
“Acho que a grande maioria dos estados e municípios possuem espaços físicos que, embora não sejam escolares, poderiam ser utilizados para esse fim, proporcionando maior ventilação”, sugere.
Um relatório do Banco Mundial mostrou que jovens de países com renda média e baixa perderam, em média, 18 dias de aulas devido aos efeitos das mudanças climáticas em 2022. Além disso, pelo menos 50% dos estudantes de municípios mais pobres do país podem perder até meio ano de aprendizado devido ao calor.