O que aprendemos sobre o Brasil antes da colonização?

Educadores defendem a desconstrução do ensino colonial sobre a história dos povos originários e políticas educacionais para o reconhecimento do saber ancestral

Célia Fernanda Lima Publicado em 16.04.2025
Imagem de capa para matéria sobre a história do Brasil antes da colonização mostra mulher e bebê indigenas.
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Resumo

Professores indígenas afirmam que o ensino de história e cultura dos povos originários ainda é reduzido no país e defendem que todos deveriam conhecer a história do Brasil antes da colonização.

O que você aprendeu sobre a história do Brasil na escola? Por que ainda tem gente que pensa que a Amazônia é uma floresta inabitada? Será que as crianças e adolescentes estão aprendendo sobre a cultura indígena em sala de aula? O que sabemos sobre o período antes da colonização? Essas perguntas levam a reflexão de como o pensamento sobre os povos originários ainda é estigmatizado no país.

“Quando eu era criança, ouvia na escola aquela história radicalmente colonizadora, que falava dos povos indígenas como folclórica, especialmente sobre a Amazônia“, lembra o professor e historiador Edson Kayapó, da Universidade Federal da Bahia. “Nós éramos majoritariamente indígenas, mas a escola, naquela época, não nos dava a oportunidade de pertencer. Era como algo distante da gente e do tempo.”

Já nas redes sociais, os seguidores do Lunetas afirmaram que praticamente não conheceram personalidades indígenas enquanto estavam na escola. Isso mostra como ainda existem lacunas de um ensino escolar que cumpra a lei 11.645, que prevê a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiro e indígena na educação básica.

Segundo Kayapó, ainda há dificuldades de popularizar conteúdos didáticos sobre os povos originários, sobretudo a partir de uma perspectiva pré-colonização. Afinal, antes de 1.500, vários povos habitavam os biomas do país em organizações diversas, com culturas e atividades próprias, numa convivência direta com a natureza.

“É preciso saber o que os povos construíram e como eram e são os seus saberes, porque há quanto tempo eles manejam o conhecimento da natureza e dos biomas?”, questiona o historiador.

“Ter esse debate nas escolas é importante porque surge o diálogo sobre os saberes indígenas, que são milenares, e ajuda para a produção de um projeto para conter a crise climática.”

Quais as fragilidades no ensino sobre os povos originários?

Mas por que será que ainda existe pouco conhecimento sobre a história dos povos originários? Em resumo, Edson Kayapó cita três principais pontos relacionados à educação: recurso didático, formação inicial dos professores e formação continuada.

“As licenciaturas precisam de uma reforma transversal. Não é admissível que os professores saiam das universidades sem dar conta da temática indígena, inclusive porque todos temos que cumprir a lei 11.645″, afirma.

Ele também questiona a falta de formação continuada promovida pelas secretarias de educação e o pouco material didático com a temática indígena sem estereótipos. “Ainda existe material que reforça uma perspectiva eurocêntrica do saber, como se o conhecimento tivesse uma matriz europeia, sem o diálogo com os saberes originários”, diz.

Da mesma forma, a pedagoga e ativista indígena do Amazonas, Vanda Witoto, reforça que a história dos povos originários do Brasil contada nas escolas precisa ir mais a fundo. “Quando olhamos para a história do país, entendemos que o início da educação escolar se inicia no processo de catequização das crianças indígenas, e isso foi uma violência sobre nossas culturas.”

Para Vanda, que também é presidente do Instituto Witoto, de fortalecimento das identidades dos povos indígenas da Amazônia, faltam políticas públicas e educacionais mais firmes. “A gente vê a negação das nossas identidades, línguas e cosmologias, que não são reconhecidas no espaço escolar, nem como metodologia, nem como didática de aprendizagem”, diz.

“Aprendemos sobre a cultura de outros lugares e outros países, menos dos povos originários. As políticas públicas não olham para o fortalecimento dessa identidade e, por isso, precisamos de investimento para uma lei entrar em vigor e não mais eleger pessoas contrárias aos povos indígenas.”

A importância de saber mais sobre o Brasil antes de 1.500

Para fomentar o ensino de outras versões da história do país, é necessário um esforço não só da escola. Segundo Edson Kayapó, toda a sociedade pode iniciar essa reflexão. “O debate precisa estar presente nos espaços em comum e espaços de cultura, como os museus, por exemplo. Claro que a escola tem uma parte da responsabilidade a cumprir”, ressalta.

O historiador defende ainda a necessidade de conversar sobre a perspectiva histórica, arqueológica e antropológica sobre os povos indígenas, particularmente da Amazônia. “É importante saber como que o Brasil e a Amazônia se deram pelos povos originários e pela ocupação arbitrária e violenta dos colonizadores.”

Pensar essa história pré-colonização é uma forma de desconstruir visões estereotipadas tanto dos povos originários quanto da região amazônica, que abriga a maior parte da população indígena do país. Diante disso, o professor lista algumas práticas para trabalhar com as crianças e adolescentes:

  • Contar como os povos originários compõem a sociedade e como estão localizados no Brasil;
  • Explicar quais os desafios e dificuldades para os direitos dos povos originários;
  • Convidar lideranças indígenas para falar com os estudantes nas escolas;
  • Conectar o ensino à literatura indígena.

Iniciativas que disseminam o conhecimento originário

Atualmente aliados à tecnologia ou a projetos educacionais, algumas iniciativas conseguem levar mais conhecimento da cultura originária a crianças e adultos de hoje. Uma delas é o episódio especial “O Brasil antes de 1500: A história que você nunca aprendeu”, do Canal Nostalgia, no Youtube. No conteúdo, é possível saber um pouco mais sobre a história e arqueologia da Amazônia a partir de informações de especialistas e arqueólogos.

O vídeo conta como era a ocupação da região amazônica há mais de três mil anos. Além disso, explica como as evidências históricas apontam para uma floresta habitada por diversos povos com organização social e técnicas desenvolvidas para o manejo da terra.

A descrição do vídeo leva a um material paradidático de apoio para que escolas e educadores possam utilizar com os estudantes. A produção do Canal Nostalgia foi realizada em parceria com o Instituto Alana e co-produzido pela Maria Farinha Filmes.

Do mesmo modo que os conteúdos de fontes oficiais disponíveis na internet ajudam a contar o outro lado da história, a literatura também é um recurso. Em escolas indígenas do interior de Goiás, educadores e pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) criaram bibliotecas itinerantes com livros de autores indígenas ou sobre temas relacionados.

O projeto Mekore recebe doações de livros, organiza as bibliotecas e as levam até as escolas indígenas. O objetivo é justamente estimular atividades sobre as culturas originárias e apresentar esses autores como fonte de inspiração e construção de identidade.

*Esta reportagem foi produzida com o apoio da Imaginable Futures

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