Nova vacina contra HPV oferece proteção a grupos mais vulneráveis

Mudança recente no esquema vacinal para dose única visa reduzir taxas de câncer de colo de útero, sobretudo em meninas negras e pobres

Alice de Souza Publicado em 21.06.2024
Uma menina negra de blusa azul está tomando uma vacina pelas mãos de um profissional de jaleco e luvas brancas
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Resumo

Desde abril de 2024, o Brasil passou a adotar a dose única da vacina contra o HPV. Com essa estratégia, baseada em estudos recentes de eficácia da imunização, o Ministério da Saúde busca reduzir as taxas de câncer de colo de útero das mulheres mais vulneráveis no país.

Desde abril, o Brasil passou a adotar a dose única da vacina contra o papilomavírus humano (HPV) no Programa Nacional de Imunizações para adolescentes entre 9 e 14 anos. A nova estratégia pode mudar o destino de milhares de meninas e mulheres negras, sobretudo as mais pobres, que são atualmente as principais afetadas por casos e mortes pelo câncer de colo do útero no país.

“Não é que a pobreza produza o câncer. Ele é uma consequência da falta de acesso que as mulheres em desvantagem social vivem.”

A afirmação é de Itamar Bento Claro, tecnologista da Coordenação de Prevenção e Vigilância (Conprev), do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Ele explica que, no Brasil, ainda há muitas barreiras na confirmação do diagnóstico e no acesso ao tratamento da doença. Por isso, esse é um tipo de câncer mais frequente nas populações mais vulneráveis.

De acordo com um estudo do Inca, o risco de desenvolvimento de câncer de colo de útero é 44% maior em mulheres negras. Além disso, a pesquisa também indica que elas têm 27% a mais de chances de morrer em decorrência da doença do que mulheres brancas.

A estratégia do SUS de erradicação do câncer de colo de útero tem a ver com o impacto da doença na saúde pública brasileira. “Em países que conseguiram fazer um rastreamento organizado, a taxa está abaixo de duas mortes a cada 100 mil mulheres. No Brasil, essa taxa é de 4.5 a cada 100 mil”, observa Claro.

Segundo ele, uma lesão provocada pelo HPV leva de 10 a 15 anos para se transformar em um câncer. Então, isso significa que “o sistema de saúde perdeu quase duas décadas para acessar a mulher e tratar essa lesão. Assim, os extratos mais pobres da população, que no Brasil abarcam as mulheres negras, são as principais vítimas”, confirma.

O câncer de colo do útero, apenas um dos tipos de doenças causadas pelo HPV, é o terceiro tumor mais frequente na população feminina e a quarta causa de morte entre elas por câncer, de acordo com o Ministério da Saúde. São 17 mil novos casos e 7 mil mortes por ano. Portanto, estima-se que pelo menos 10,7 mil mortes poderiam ter sido evitadas em 2023.

O que mudou na vacinação contra o HPV?

Em 2024, o Brasil completa uma década de vacinação contra o HPV no sistema público de saúde. O foco principal é proteger a população que ainda não iniciou a vida sexual. Até abril deste ano, o esquema vacinal ocorria em duas doses.

Embora a meta da OMS (Organização Mundial da Saúde) seja alcançar 90% das meninas de até 15 anos, o Brasil atingiu 76% dessa população com a primeira dose e menos de 60% com a segunda. Já entre os meninos, que passaram a ter direito à imunização no sistema público em 2017, 42% receberam a primeira dose e 27% a segunda.

A mudança de estratégia para uma única dose segue recomendações da OMS e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), baseadas em estudos científicos realizados na Índia, Costa Rica, Tanzânia e Quênia. O objetivo é vacinar um número maior de crianças e adolescentes, reduzindo as taxas de câncer de colo de útero a médio e longo prazo.

De acordo com Luisa Lina Villa, professora do Departamento de Radiologia e Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), pesquisas sobre a eficácia da vacina iniciaram com três doses. Mas, com o tempo, observou-se que, para crianças e adolescentes, duas doses já seriam uma resposta importante.

“Mais recentemente, vários estudos revelaram que uma única dose produzia uma taxa de anticorpos tão elevada quanto duas doses”, explica Villa. No Quênia, por exemplo, uma investigação com mulheres de 15 a 20 anos, que receberam apenas uma dose, mostrou eficácia de 98% na prevenção das infecções pelo papilomavírus humano. Na Índia e Costa Rica, pesquisadores evidenciaram que uma imunização tem a mesma eficácia de duas ou três.

Novas recomendações

Diante da mudança no sistema público, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) emitiu uma nota técnica sobre as diferentes recomendações de vacinação contra o vírus. A presidente da SBIm, Mônica Levi, ressalta que o novo esquema do Ministério da Saúde também inclui temporariamente dar uma única dose para adolescentes de 15 a 19 anos que não receberam nenhuma dose.

“Com dose única entende-se que o país vai conseguir vacinar mais gente e vai ter uma incidência de redução maior do câncer de colo de útero”, afirma Mônica Levi.

Para ela, além da facilidade logística de aplicar somente uma dose pelo SUS, é mais fácil promover campanhas. Por outro lado, Levi afirma que existem duas vacinas em circulação no país. Uma delas está disponível no sistema público e a outra, que cobre uma maior variedade de subtipos do HPV, apenas no sistema privado. Por isso, a SBIm recomenda, quando possível e de acordo com a condição socioeconômica, a utilização da vacina HPV 9, disponível na rede privada, que amplia a proteção contra o câncer de colo de útero dos 70% oferecidos pela vacina do SUS para cerca de 90%.

“A gente corrobora a medida de saúde pública, entendendo que há realidades diferentes no Brasil e precisamos de campanhas mais efetivas. Porém, olhando para o individual, o HPV tem outros cânceres associados, como pênis, orofaringe e ânus, recomendamos a maior proteção possível”, acrescenta Levi. Segundo ela, ainda não há estudos suficientes para comprovar a eficácia da dose única para outros tipos de patologias associadas ao HPV.

Enfrentar a desinformação

Depois de assistir uma propaganda na televisão, a dona de casa Keliana Cristina, 45, levou a filha mais nova para se vacinar contra o HPV. A menina tomou duas doses, em um posto de saúde da cidade de Lajedo, no Agreste pernambucano. “Na época, começaram uns boatos de que a vacina deixava elas estéreis”, conta Keliana. Por isso, muitas crianças da mesma faixa etária deixaram de buscar a segunda imunização.

Relatos como esses mostram que, para romper a cadeia de transmissão do vírus, o Brasil também precisa enfrentar a desinformação contra o imunizante. “As vacinas contra o HPV são muito seguras”, afirma Villa. Mas, como toda e qualquer medicação, ela pode dar reação. A dor local, por exemplo, pode levar a uma aflição por parte dos adolescentes. “Até agora, todos os eventos adversos registrados não foram associados aos componentes da vacina”, acrescenta a professora.

Já Levi reforça a necessidade de investir em comunicação e educação nas escolas. “É preciso ensinar em sala de aula sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), o que é o vírus, o que ele pode causar, fazer reuniões com os pais e cuidadores”, sugere. Ela também ressalta a importância de educar os profissionais de saúde para que as informações repassadas por eles sejam as mais atualizadas e corretas possíveis. Entre elas, o porquê de vacinar também os meninos.

Foi pensando no futuro do filho, mas também nas pessoas com as quais ele terá contato mais adiante que a administradora Taciana Spinelli, 42, decidiu vacinar Joaquim quando ele tinha 9 anos. “Em algum momento da vida, ele vai estar exposto ao HPV. E a gente precisa se proteger, sobretudo quando está falando de sexualidade”, diz.

Taciana conta que quando era estudante universitária viu um caso de HPV acontecer com uma amiga de sala, e isso a fez refletir na vida adulta em relação aos próprios filhos. “Não quero meu filho passando doenças para ninguém. Eu entendo a vacinação como uma medida de coletividade.”

Informações gerais sobre HPV 

  • O HPV pode causar cânceres de colo do útero, pênis, vulva, canal anal e orofaringe, além de verrugas genitais.
  • De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, o câncer do colo do útero é o terceiro tipo de câncer mais incidente entre mulheres e a quarta causa de morte.
  • Para cada ano de 2024 e 2025, foram estimados 17.010 casos novos, o que representa uma taxa de incidência de 15 casos a cada 100 mil mulheres.
  • As principais vítimas em casos de morte são mulheres negras, pobres e com baixos níveis de educação formal.

Fontes: Inca, SBIm e USP

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