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Meninas na matemática: qual a equação para superar estereótipos? 

Meninas na matemática: Imagem mostra quatro adolescentes com medalhas e uniformes.

Quando o telão da Olimpíada Pan-Americana de Matemática para Meninas (Pagmo, em inglês) mostrou o nome de três brasileiras entre as cinco medalhas de ouro, em 2024, o coração de Ana Paula Chaves disparou. Líder do time brasileiro com melhor desempenho da história da competição, ela explica que essa conquista é fruto de um enorme trabalho de incentivo de ingresso e permanência das meninas na matemática.

Esta é a quarta vez que o país participa da Pagmo. Mas, até aqui, o maior prêmio havia sido uma medalha de ouro. Desta vez, além do ouro de Julia, Sophia e Camila, o time também conquistou uma prata com outra menina, que também se chama Julia. Assim, a equipe alcançou a primeira colocação no ranking geral.

“Meu preparo para a Pagmo foi baseado em estudar pelas provas anteriores e aulas de olimpíadas que tenho em meu colégio”, conta Julia, 15. Além do ouro, ela ganhou o título de melhor desempenho de toda a competição. A aluna do 9º ano do Colégio Farias Brito, em Fortaleza (CE), mantém uma rotina de estudos equilibrada, mas com constância diária.

Julia de Paula Pessoa Leguiza, Sophia Li Ci Liu e Camila Maeda Shida ganharam medalhas de ouro na Olimpíada Pan-Americana de Matemática para meninas, no México, em 2024. Julia Galdino Tiosso Lopez garantiu a prata ao time brasileiro.

Combatendo estereótipos

Apesar do sucesso na Olimpíada Pan-Americana, muitas vezes, o potencial das meninas na matemática é negligenciado por discriminações e estereótipos de gênero. Isso acaba gerando desigualdades na aprendizagem.

De acordo com a gerente de dados, avaliação e monitoramento do Instituto Ayrton Senna, Daiane Zanon, as meninas demonstram menor autoconfiança em matemática. Além disso, ela explica que isso ocorre mesmo quando os resultados delas são equivalentes aos dos meninos. Os dados são do Programa Internacional para Avaliação de Estudantes (PISA) de 2022. O programa avalia o conhecimento de estudantes de 15 anos em leitura, matemática e ciências, em diversos países.

Por isso, Ana Paula Chaves, que também é professora do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade Federal de Goiás (UFG), sabe o quanto a representatividade importa. “Se a gente tivesse mais mulheres permeando esse ambiente [das seletivas para as competições], eu acredito que as meninas se sentiriam mais confortáveis em se manterem ali.”

A treinadora ressalta que a conquista da sua equipe é resultado de um esforço que começou há quatro anos com as preliminares do Torneio Meninas na Matemática (TM²). Desde então, o grupo busca promover um ambiente acolhedor e motivador para as mulheres.

“A gente tá sendo uma vitrine para mostrar como essas meninas são tão geniais quanto os meninos”, celebra Ana Paula.

Jaqueline Godoy Mesquita, doutora em matemática pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), é prova disso. Não é por acaso que ela se depara constantemente com a surpresa ao saberem que a presidente da SBM é uma mulher. A instituição é uma das apoiadoras do TM² e conta com outras quatro iniciativas que impulsionam a participação de mulheres na matemática, ampliando horizontes profissionais. Para Jaqueline, sua posição “tem um simbolismo muito importante para as próximas gerações”.

A medalhista de ouro Julia Leguiza também defende o apoio ao protagonismo feminino: “Acredito que projetos de aulas de matemática olímpica somente para meninas seriam uma alternativa para criar uma comunidade de garotas que estudam matemática”, diz.

Julia Leguiza, 15 anos, é aluna do 9º ano do Colégio Farias Brito, em Fortaleza (CE). Além do ouro na Pagmo, a adolescente ganhou o título de melhor desempenho de toda a competição.

Incentivo à lógica e à criatividade

Para representar o Brasil, as quatro estudantes passaram por uma longa trajetória de premiações em eventos. Dentre elas, as Olimpíadas Nacionais de Matemática, Olimpíadas Femininas de Matemática e no TM². “[Para entrar na equipe], foram dois testes de seleção com provas que exigiam um nível de criatividade e conhecimento matemático muito acima, até mesmo, da seletiva que as classificou para a Pagmo”, detalha Ana Paula Chaves.

O treinamento para resolver os problemas matemáticos complexos começa em escolas com professores especialistas. No entanto, segundo Daiane Zanon, a formação desses profissionais ainda é um desafio. “Muitos docentes, especialmente aqueles formados em cursos de pedagogia, não tiveram acesso a metodologias eficazes para o ensino da disciplina”, explica.

Além disso, Ana Paula observa que, no Brasil, Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará concentram os colégios com cultura olímpica e acabam se tornando referência nacional. “Para os alunos que são bons, que estão fora desses centros, eles oferecem bolsas e atrativos. Então, o sistema se retroalimenta.”. Para ela, a intencionalidade por trás de seu trabalho contribui para a democratização do ensino.

Para incentivar a capacitação de professores, a SBM e o Instituto Ayrton Senna sugerem ações como:

“Mais do que elevar notas em avaliações, garantir uma educação matemática de qualidade é essencial para o desenvolvimento econômico e social do país”, defende Daiane Zanon.

Ou seja, desenvolver as habilidades de meninas na matemática pode significar mais mulheres em carreiras de exatas e tecnologias e, consequentemente, menor desigualdade salarial. Nesse sentido, um estudo do Itaú Social de 2024 aponta rendimentos 119% maiores para profissionais formados em áreas ligadas à matemática.

Matemática não é um “dom para poucos”

Para Daiane Zanon, ainda é preciso vencer o estigma de que a matemática é um “dom para poucos”. Isso significa, portanto, reconhecer os diversos aspectos que impactam os bons resultados na disciplina.

O Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (TIMSS) 2023, por exemplo, mostra uma relação direta entre o bullying e notas mais baixas. Isto é, o bullying pode impactar negativamente a autoimagem e a motivação das meninas, levando a uma diminuição no interesse e desempenho nas ciências exatas. Por isso, para a especialista, são necessárias ações com foco na formação integral dos alunos, como a inclusão de disciplinas socioemocionais no currículo do Novo Ensino Médio.

O Brasil obteve uma média de 400 pontos em matemática no 4º ano, com 51% dos alunos não alcançando nem o nível básico de proficiência. Para o 8º ano, a situação é ainda mais crítica, com uma média de 378 pontos e 62% dos alunos igualmente abaixo do mínimo. (TIMSS 2023)

A história de como Camila, 16, se apaixonou pela matemática reforça que a intimidade com os números não é um talento inato. Isso porque, aos dois anos, a medalhista enfrentou um tratamento de leucemia. Com a ajuda da mãe, passou a ressignificar suas passagens pelo hospital. “Ela [mãe] me apresentou o mundo das letras e dos números”, de forma lúdica”, recorda a menina, que conheceu muito cedo Kumon e o Soroban, uma técnica japonesa de aprendizado.

Mas foi sua primeira professora, Sensei Onekou Mizuma, a responsável por despertar em Camila o amor pela matemática. “Ela me ensinou que, para alcançar os meus objetivos, o treinamento precisa ser constante. E a perseverança é a melhor ferramenta.” Hoje, no 3º ano do ensino médio, a medalhista se prepara para o vestibular de engenharia. Medalhista de ouro da Pan American Girls’ Mathematical Olympiad, ela quer aproveitar o que faz de melhor para “ser um humano transformador”, conclui.

“Há as medalhas invisíveis que levaremos para sempre. Há muito aprendizado por trás de qualquer medalha, tanto aprendizado acadêmico quanto psicológico”, diz Camila Maeda.

Mais meninas na matemática

O município de Sobral, no Ceará, que se destaca pelos bons resultados na educação básica, desenvolve um trabalho nas escolas, em que professores com mais experiência em olimpíadas matemáticas preparam os alunos com foco em problemas complexos.

O incentivo ao ingresso de alunos e alunas em competições como a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) e outras provas de alto nível acontecem em disciplinas específicas da grade curricular. “Essas eletivas oferecem um treinamento estruturado. Então, isso permite que os alunos se aprofundem em conceitos avançados e pratiquem a resolução de problemas desafiadores”, afirma a Secretaria de Educação do município, por e-mail.

Mesmo que o treinamento não proponha um recorte de gênero, incentivar meninas ainda no ensino fundamental é um diferencial. Isso porque, como explica a líder do time feminino da Pagmo, Ana Paula, nesta fase, a adesão às competições ainda não demonstra tanta disparidade.

Para garantir que os avanços no ensino de matemática cheguem de maneira equitativa a toda a rede pública, o município alinha a iniciativa à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).

Esforços para a popularização da matemática que desafiam estereótipos e promovem inclusão são essenciais para desconstruir as limitações impostas às meninas. Isso porque permitem que elas olhem para a disciplina como uma ferramenta para seu futuro acadêmico e profissional. Dessa forma, a expectativa de Ana Paula, para um futuro próximo, é que torneios como o TM2 não sejam mais necessários. Mas, a ideia é que a proporção de meninas e meninos em competições olímpicas internacionais seja a mesma.

Além disso, o contraste da conquista notável das meninas na Pagmo com os dados do TIMSS 2023 mostra que o Brasil precisa ir além de esforços pontuais. É necessário um esforço sistêmico para o incentivo intelectual e o fortalecimento das competências socioemocionais.

Garantir equidade no ensino exige, por um lado, respeitar as especificidades de cada local. Por outro, assegurar um nível mínimo de qualidade educacional para todos os alunos, independentemente de sua escola ou região”, defende Daiane Zanon.

4 iniciativas que incentivam mulheres e meninas na matemática

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