Médicos reforçam a necessidade de vacinar as crianças, mas pesquisa mostra que brasileiros ainda têm medo. Notícias falsas causam desconfiança
O Lunetas conversou com especialistas para esclarecer as principais dúvidas sobre vacinação e por que a imunização é tão importante para a saúde de todos.
Apesar da importância comprovada, 29% dos brasileiros ainda têm receio sobre a segurança das vacinas. Dentre os principais motivos dessa desconfiança estão as possíveis reações do corpo aos imunizantes somado às notícias falsas. As informações são de um estudo do instituto Ipsos, especialista em pesquisas de mercado e opinião pública.
Divulgada em novembro do ano passado, a pesquisa apontou que cerca de 30% das 2 mil pessoas entrevistadas já deixaram de se vacinar porque tinham dúvidas sobre a segurança das vacinas. Além disso, elas também já recomendaram a alguém a não se vacinar.
Diante dessa realidade, profissionais da saúde alertam para os riscos de negar a vacinação, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento das crianças. Doenças como a poliomielite e a coqueluche, por exemplo, correm o risco de voltar a ameaçar a saúde pública com essa onda de desconfiança.
Assim, como o sistema imunológico infantil ainda está em formação, as vacinas ajudam na prevenção de doenças que podem ser graves e levar à hospitalização e morte, conforme explica a coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), Cláudia Valente.
“A vacinação é uma medida de saúde pública com impacto comparável somente à disponibilidade de água potável e saneamento básico para a população.”
Especialistas garantem: nenhum imunizante é disponibilizado para a população sem antes passar por rigorosos estudos clínicos. Esses estudos avaliam a segurança e eficácia das vacinas em milhares de pessoas.
“É preciso esclarecer para as pessoas que há regras éticas e científicas muito rígidas para o desenvolvimento das vacinas e medicamentos”, explica Fernando de Rezende, gerente executivo da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (ABRACRO).
Segundo ele, mesmo após a aprovação, as vacinas continuam sendo monitoradas em estudos chamados de farmacovigilância. “Quando há aprovação de uma vacina por órgãos reguladores, como Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e FDA [Food and Drug Administration], a população deve se sentir segura, pois há comprovação científica de que os benefícios daquele produto superam os eventuais riscos que ele possa causar”, completa.
Andrea Patente, pediatra especialista em prematuros e primeira infância, explica que os índices de eficácia podem variar a depender do tipo de vacina. “Aquelas que têm o vírus inativado ou atenuado, como as de sarampo, caxumba, rubéola e poliomielite, apresentam altas taxas de eficácia, muitas vezes superiores a 90%”, afirma.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Anvisa só autorizam a liberação das vacinas que atingem, pelo menos, 50% de eficiência.
Segundo os médicos e pesquisadores, os efeitos adversos após as vacinas são, na maioria das vezes, “leves e temporários”. Isso indica que o sistema imunológico está respondendo à vacina. Ou seja, a reação fisiológica é esperada.
Cláudia Valente, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), esclarece que a vacina funciona como qualquer outro medicamento. Portanto, os efeitos mais comuns, segundo ela, “são os efeitos locais, como dor e vermelhidão no local da aplicação, e febre.”
A pediatra Andrea Patente aponta que esses efeitos colaterais são esperados, “mas são menores e menos graves do que a infecção pelo patógeno sem a proteção da vacina.”
Já Fernando Rezende detalha que as características de cada pessoa podem influenciar a incidência de efeitos colaterais. “É preciso lembrar que as pessoas são diferentes, seja em gênero biológico, aspectos étnicos-genéticos, hábitos, costumes, entre outros conceitos”, diz. Por isso, embora raras, o diretor da ABRACRO sugere que reações incomuns precisam ser comunicadas aos especialistas.
Conforme apontam os dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a vacinação evita de dois a três milhões de mortes ao ano. Ou seja, a ciência já comprovou que as vacinas podem salvar vidas, erradicar ou diminuir doenças, como ocorreu com o sarampo.
“Quando uma alta porcentagem da população está vacinada, a propagação de doenças infecciosas é reduzida, protegendo até mesmo aqueles que não podem ser vacinados por razões médicas – isso é chamado de imunidade de rebanho”, destaca Fernando de Rezende.
Uma alta taxa de vacinação reduz ainda os custos com saúde. “Ao prevenir doenças, as vacinas diminuem a necessidade de hospitalizações e tratamentos caros, aliviando o sistema de saúde”, diz Fernando. Vacinar-se, portanto, não é apenas um ato de proteção individual, “mas também uma responsabilidade coletiva”, garante o especialista.
Outro ponto importante é tirar as dúvidas com profissionais especialistas, defende a pediatra Andrea Patente. Ela enfatiza que isso é mais eficaz do que confiar no que se vê na internet.
“Se você tem questionamentos em relação a essa importância, converse com seu médico, não tire conclusões apenas com o que leu ou que contaram para você.”
Na pesquisa da Ipsos, 74% das pessoas entrevistadas afirmaram que já receberam alguma informação falsa sobre a vacinação. Já 41% disseram que encontraram fake news sobre o assunto nas redes sociais.
“Tais notícias espalham informações errôneas ou alarmistas sobre a segurança das vacinas, gerando medo e incerteza na população”, avalia Andrea Patente. O receio da pediatra é que a desconfiança extrema cause um aumento nas infecções não protegidas.
É o caso, por exemplo, da vacina contra o sarampo, que muitas pessoas deixaram de tomar. O resultado foi o registro de 136 mil mortes no mundo inteiro em 2022, sendo a maioria crianças, como estimou a Organização Mundial da Saúde (OMS). A queda na cobertura vacinal, motivada por uma falsa sensação da desimportância da vacinação, e as informações falsas que circularam na internet foram as principais explicações para esse dado. No Brasil, a doença reapareceu em 2018, após o país ter recebido o certificado de controle em 2016.
Em 2023, o governo federal lançou o Movimento Nacional pela Vacinação com o objetivo de expandir o acesso aos imunizantes. Houve também a iniciativa Saúde com Ciência, para combater as desinformações disseminadas nos últimos anos.
Outro problema apontado pelo gerente executivo da ABRACRO é a mistura entre ciência e objetivos políticos. “Isso acontece quando governantes utilizam informações falsas para desqualificar as políticas vacinais”, diz. Essa descrença na imunização como política de campanha ou de governo certamente afeta a confiabilidade das pessoas com relação às vacinas.
O Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde disponibiliza 19 vacinas gratuitas nas unidades de saúde do SUS. No entanto, mesmo sendo referência mundial no modelo de imunização, o Brasil sofreu um período de queda significativa na cobertura vacinal nos últimos anos. Em 2021, o país atingiu o índice de 52.1% – a menor cobertura em 20 anos, de acordo com o Observatório da Atenção Primária à Saúde da Associação Umane. Em 2022, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou, em relatório, que o Brasil atingiu a segunda pior taxa de vacinação em bebês da América Latina. Mas, de acordo com o Ministério da Saúde, os índices começaram a melhorar desde 2023, com um aumento de pelo menos 13 vacinas.
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Na semana passada, a cidade de São Paulo registrou a primeira morte por dengue em 2025. A paciente era uma menina de 11 anos, que tinha histórico de anemia falciforme e asma. Embora estivesse dentro do público prioritário para se vacinar contra a dengue, não há registro de que a criança recebeu o imunizante na rede pública até o dia 31 de dezembro de 2024.