Não é só culpa dos pais: por que menos crianças estão vacinadas?

Além de movimentos antivacina e anticiência, falta de comunicação do poder público também impacta na adesão das vacinas

Eduarda Ramos Publicado em 10.02.2023
Um menino de pele clara e regata branca olha para uma vacina, segurada por uma profissional da saúde, que usa máscara cirúrgica azul e jaleco branco.
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Resumo

As quedas nos índices de vacinação passam por causas multifatoriais e o fenômeno é global. No Brasil, a baixa adesão à vacinação de doenças já erradicadas (como poliomielite) podem fazê-las voltar.

Quedas contínuas nas taxas de vacinação infantil e o número alto de crianças com o esquema vacinal incompleto preocupa profissionais da saúde por colocar em risco a saúde coletiva. Pais e cuidadores devem se informar sobre a disponibilidade de imunizantes, horários e locais para cuidar da saúde dos pequenos, mas nem sempre o acesso a informações básicas está disponível. É o que aponta o estudo “Acesso à informação e transparência: exploração inicial da relação vacinação e informação pública”, produzido por pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), entre 2020 e 2021.

A falta que o Zé Gotinha faz

Para Cláudia França Cavalcante Valente, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), “a queda nas taxas de vacinação infantil é um fenômeno mundial, não só do Brasil. Isso se deve, em parte, ao sucesso de imunizações anteriores, que controlaram a incidência de doenças que alguns pais de hoje sequer conhecem”, diz.

Segundo Vinicius Valentin Raduan Miguel, coordenador do estudo da UNIR, os pesquisadores notaram um discurso corrente que atribui culpa exclusiva à família ou ao usuário do SUS, culpabilizando o indivíduo ao invés de enxergar o problema de modo global.

Além dos empecilhos da população geral em acessar informações básicas como hora, local de vacinação e dificuldade em obter atendimento telefônico, Miguel conta que o poder público também precisa cuidar de uma lacuna de dados sobre calendários vacinais, retomar canais de comunicação com a sociedade sobre riscos e prevenção e apresentar uma reação enérgica contra movimentos antivacina. Os direcionamentos derivam da “escassez parcial ou total de uma comunicação pública, propositiva e até mesmo mais básica sobre vacinação, sua importância, necessidade, efetividade e biossegurança” revelada pelo estudo.

“Não se ignora a emergência de movimentos antivacina e anticiência, mas o nosso olhar era de que isso, por si só, era insuficiente para explicar a queda da cobertura vacinal como um todo”

E a pólio?

Em 2021, a cobertura da vacinação voltada ao combate da poliomielite aos quatro anos de idade foi de apenas 54,61%. A meta era atingir 95% deste público, segundo levantamento realizado pelo Lunetas no Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações.

Veja como está a cobertura vacinal contra pólio no Brasil:

O que pode ser feito?

Veja algumas medidas de curto prazo sugeridas por Valente e Miguel que podem ajudar a solucionar parte do problema:

  • Facilitar o acesso à informação do local e horário de atendimento ou mesmo desenvolver mecanismos de alerta, como SMS ou mensagem de WhatsApp, para que responsáveis levem as crianças para postos de vacinação;
  • Usar modos de agendamento da vacinação que permita identificar o local e horário mais conveniente e próximo de sua residência;
  • Ampliar os horários das salas de vacina na rede pública, para que os pais que trabalham o dia inteiro tenham acesso aos imunizantes infantis;
  • Aprimorar os registros eletrônicos das vacinas aplicadas, permitindo que exista uma busca ativa de crianças e adolescentes sem seus cartões de vacina em dia;
  • Garantir que a vacinação não seja restrita apenas às unidades de saúde, mas que também sejam realizadas mais campanhas em escolas.

Os especialistas também reforçam a necessidade de melhorias na comunicação com a sociedade sobre riscos e prevenção de doenças, de reações enérgicas contra movimentos antivacina e de lacunas em dados sobre calendários vacinais.

“É necessário conscientizar os pais mostrando o que já foi um dia a perda da vida das crianças por doenças preveníveis por vacinas, mas isso precisa ser solucionado em conjunto com as autoridades de saúde” – Cláudia Valente

“Não podemos falar apenas que os familiares são culpados quando a queda nas coberturas vacinais é multifatorial”, finaliza a especialista, ressaltando também a importância de lembrar que vacinas são seguras e que, apesar da possibilidade de efeitos colaterais acontecerem, eles nunca serão mais graves do que pegar a doença.

* Com informações de Agência Bori.

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