‘Marte um’ resgata a importância dos sonhos infantis

Entre colonizar Marte e virar jogador de futebol, Deivid, personagem do filme, tenta construir um futuro guiado pelas próprias escolhas

Eduarda Ramos Publicado em 03.02.2023
Imagem de Deivid, personagem do filme Marte Um, interpretado pelo ator Cícero Lucas. Deivid é um menino negro, usa óculos e veste uma camiseta preta.
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Resumo

No filme “Marte um”, o sonho de Deivinho de virar astrofísico para colonizar Marte vai contra a expectativa do pai de que ele vire jogador de futebol para ajudar a família. Será que estamos deixando nossos Deivinhos sonharem? Publicação possui spoilers do filme.

Embora seja comum perguntar às crianças o que elas querem ser quando crescer, será que estamos realmente preparados para lidar com respostas que não são as esperadas? No filme “Marte um” (2022), somos apresentados a Deivid (Cícero Lucas) que, aos 13 anos, tem o sonho de se tornar um astrofísico para colonizar Marte, mas essa vontade não é a mesma projetada por seu pai. Wellington (Carlos Francisco) quer que o filho se torne jogador de futebol, porque vê na profissão a possibilidade de transformar a vida da família.

Deivinho foi o primeiro papel de Cícero Lucas, 17, no cinema, mas foi tão natural, conta em entrevista ao Lunetas, por conta da identificação entre ator e personagem, como a paixão por jogar bola e o carinho que tem com a família. “Eu só fui eu mesmo, não teve um jeito diferente do que eu sou”, revela. Para ele, ao retratar as dificuldades de uma família negra de classe média-baixa de Contagem, zona metropolitana de Belo Horizonte (MG), o que mais chama a atenção no filme é a percepção que a obra traz de famílias periféricas no Brasil.

“Essa é a vida da maioria dos brasileiros, passando pelas mesmas dificuldades do dia dia, mas, independente do que acontece, sempre unidas”

Outro Deivinho da vida real, o cineasta, físico e músico Djacinto Santos, 30, se identificou com a cena quando os planos de ir a uma palestra do astrofísico Neil deGrasse Tyson acabam sendo atrapalhados por uma peneira de futebol, que aconteceria no mesmo dia. No filme, em um ato de desespero e sem espaço para conversar com o pai, o menino se machuca propositalmente andando de bicicleta, para que não tivesse condições de ir à seletiva do clube.

“Meu pai sempre sonhou que eu fosse jogador de futebol. A cena em que o Deivinho se jogou de bike, mesmo sabendo que poderia se quebrar todo, me emocionou muito, porque eu também tive esse momento de falar pra meu pai que eu não ia jogar e sei o quanto foi libertador. Por mais que pareça bobo, foi um momento de assumir que dali pra frente eu escolheria o que ser”, conta Santos.

Para ele, Deivinho conversa com diversas vivências suas – por ser nascido e criado na periferia, por uma infância negra pautada pela expectativa de que ele virasse jogador de futebol, pelo interesse por cinema e música. Aliás, uma carreira musical é a escolha que Cícero Lucas está construindo para si – e, ao contrário das divergências entre pai e filho nas telonas, sua escolha é apoiada pelos pais da vida real.

A importância de concretizar sonhos próprios

“No filme, a gente vê um pai muito amoroso e desejoso de poder oferecer para o filho o que ele julgava ser vontade dele. Mas ele estava tão tomado pelo o que achava ser o melhor futuro possível que não conseguiu enxergar as vontades do próprio filho”, aponta a psicóloga e psicanalista Ilana Katz.

Para ela, “Marte um” coloca a criança como sujeito de desejos ao mostrar que os filhos podem frustrar as expectativas dos pais e cuidadores e construir possibilidades emancipatórias. Além de sublinhar a importância de haver suporte caso isso aconteça, Katz fala sobre “responsabilização do próprio desejo”, que é quando nos tornamos capazes de responder por nós mesmos e estamos dispostos a pagar pelo preço das nossas vontades”, explica.

“Marte um” nos convida a refletir se estamos permitindo que as crianças tenham a chance de escolher trilhar um futuro desejado por elas, e não aceitar as idealizações projetadas pela vontade de seus cuidadores. Era justamente a curiosidade do personagem para além do que foi imaginado pelos pais que “o permitia vislumbrar outros mundos”, destaca Santos.

“Um recado que deixaria para os Deivinhos de hoje e amanhã é que sonhem, que sejam criativos e que se permitam. A curiosidade é a força motriz da vida” – Djacinto Santos

Já o ator que deu vida à Deivinho e permitiu que, por meio da sua história, outras crianças possam sonhar em seguir seu caminho, nos lembra que “o Deivinho, mesmo sem muitas condições, não desistiu, então não podemos desistir dos nossos sonhos também”, diz Lucas.

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