Do nascimento até os seis anos, os marcos do desenvolvimento ajudam pais e especialistas a avaliarem etapas importantes do progresso de cada criança
Já é hora do bebê começar a andar? Especialistas esclarecem quais são os principais marcos do desenvolvimento infantil e recomendam como ajudar a criança a passar por cada fase, do nascimento até os seis anos.
Em um dia, o bebê mal consegue sustentar a cabeça, enxerga pouco e precisa de ajuda para tudo. Passa um tempo, bem rápido por sinal, e lá está ele: sorrindo, balbuciando e tocando os pezinhos. Os pais piscam e a criança já começa a dar passinhos desajeitados pela casa, segurando as paredes e caindo o tempo todo. Logo vem a fala, as palavras engraçadas, o excesso de perguntas. Esse começo da vida é um período repleto de acontecimentos e conquistas para as crianças. Em linguagem de especialista, é a fase dos “marcos do desenvolvimento infantil”. Mas o que são, afinal, esses marcos e por que é tão importante ficar de olho?
“Os marcos do desenvolvimento são um conjunto de habilidades que a maioria das crianças atinge em uma determinada faixa etária. Eles ajudam pais e profissionais a avaliarem se o desenvolvimento da criança está ou não adequado à sua idade”, explica Adriana Mandia Martinari, pediatra e neurologista infantil da Casa Curumim, dos Hospitais Sírio Libanês e Nove de Julho, e professora da Santa Casa de São Paulo. Nessa fase, de acordo com a especialista, os médicos observam a evolução infantil do nascimento até os seis anos de idade, em relação ao desenvolvimento neuropsicomotor.
Os primeiros dois anos marcam uma mudança expressiva na forma da criança estar no mundo. “Ela passa de um sujeito completamente passivo para alguém que, gradativamente, vai se tornando mais ativo, que senta, engatinha, anda, balbucia por imitação e pode se comunicar, manifestando o que quer através da fala”, esclarece Maria Angélica Monteiro, psicóloga e professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp).
Logo que nasce, a visão do bebê é embaçada, ele só vê preto e branco e não consegue manter o foco visual. É muita informação para olhos tão recentes. A capacidade de fixar o olhar será o primeiro marco importante na vida dele e acontecerá no decorrer do primeiro mês de vida. Outra aquisição relevante virá logo a seguir, por volta dos dois meses de vida: o riso social, aquele sorrisinho fofo que vai encantar a todos.
Do nascimento até os 18 meses, o bebê estará na chamada fase oral. “É quando o cérebro reconhece o prazer pela boca. O bebê mama, chora pedindo a presença da mãe ao acordar, se angustia quando está sozinho e se acalma na presença do cuidador. Hoje se sabe que o bebê reconhece o cuidador, principalmente pelas células espelhos, que possibilitam a sua identificação, inclusive, pelo cheiro”, detalha a especialista.
Se nos primeiros meses, o bebê só vivia deitado ou no colo, com cerca de três meses, ele adquire a capacidade de segurar a própria cabeça, pesada demais para ele até então. Pegar os objetos com a mão e passar de um lado para outro acontecerá aos seis meses, aproximadamente. É quando o bebê passa a interagir mais com o ambiente e com as pessoas. A mãozinha vai aprender a pegar coisas, saber dar “tchau” e bater palmas quando ele tiver entre 10 e 12 meses.
A capacidade de segurar a própria cabeça levará a outro importante marco: entre seis e sete meses, o bebê vai conseguir sentar-se sem apoio e, até os 16 meses, os pezinhos vão começar a caminhar pela casa. Mais uma habilidade adquirida com sucesso. É mais ou menos nessa fase, até 18 meses, que o bebê vai estar também falando: poucas palavras, cerca de 10.
Quando o bebê passa a comer sozinho, algo que acontece por volta dos seis meses, ele já reconhece a mãe, chora ou sorri com pessoas conhecidas ou desconhecidas, o ambiente para ele já é um pouco mais estável.
Depois de aprender a segurar a própria cabeça, sentar-se, bater palma, andar e começar o processo de linguagem, a criança passa a se “arriscar” mais no mundo. É quando entra em cena o que os especialistas chamam de fase anal, que vai dos 18 meses até três ou quatro anos.
É hora dos cuidadores imporem limites e terem paciência, recomenda a especialista. “O sistema límbico, responsável pelas emoções, incluindo a memória (aprendizado), torna-se mais agudo e a criança terá a possibilidade de aceitar seu lado mau, perverso, a sua raiva e a do outro”, completa. A criança passa a se interessar pelo xixi e cocô e amadurece o controle dos esfíncteres, aprendendo a reconhecer os sinais do próprio corpo. É a fase do egocentrismo, no qual ela está voltada para seu prazer e é quando vai reclamar fortemente do desprazer”, explica Monteiro.
Mas é também nessa fase que a criança aprende melhor sobre as rotinas da casa, como a hora de tomar banho, comer e dormir. É comum que o pequeno esparrame coisas pela casa, corte papéis, bolachas e promova o que os adultos chamam de “bagunça”. “É natural que ela faça isso, pois está se reconhecendo nessa família, identificando ‘está é minha casa’, ‘minha boneca’. É a fase dos porquês. É um período no qual a criança tem uma rápida desenvoltura e autonomia nas habilidades motoras, cognitivas. A utilização de símbolos e a capacidade de resolver problemas estão presentes desde o fim do segundo ano e são acompanhados pela compreensão e linguagem no aspecto psicossocial”, explica a psicóloga.
Passado o turbilhão dos primeiros anos, a criança se acalma quando entra na fase fálica, que dura entre um ano e um ano e meio. “Nesse período, os hormônios de crescimento inibem o sistema das emoções e há o desenvolvimento da afetividade. Por isso, a tendência é que a criança fique mais tranquila. Ela também fica mais atenta às sensações experimentadas nos órgãos sexuais, manipula, sente prazer, observa o corpo da mãe do pai, dos irmãos e está em busca da identidade da sexualização”, conta Monteiro.
É quando surge o medo de perder as pessoas que cuidam dela e a raiva de ser contrariada vai diminuindo. “Fisicamente, a criança passa a ter proporções corporais parecidas com as do adulto, o apetite diminui e é comum problemas com o sono. É nesse período também que aparece a preferência por uma das mãos, e se aprimoram a motricidade fina, força física e linguagem”, completa a psicóloga. “O brincar é mais imaginativo, elaborado e social e outras crianças tornam-se mais importantes. O altruísmo, a agressão e o temor também são comuns nessa fase.”
A infância marca um período de muitas conquistas e é natural que essas mudanças tenham impacto na vida das crianças e dos pais. É na aquisição dessas novas habilidades que acontecem os chamados “saltos de desenvolvimento”. “A criança está em constante evolução, num processo contínuo. Porém, principalmente nos dois primeiros anos de vida, esse caminho é muito intenso. Um recém-nascido que apenas mamava, chorava e dormia, em dois anos irá aprender a andar, falar, entender ordens simples, entre outras aquisições, e isso, em determinados períodos, pode impactar no sono, no humor e na alimentação.”
Nessas fases, a criança pode ter problemas de apetite ou comer demais, pode apresentar dificuldades para dormir ou sofrer alterações de humor mais constantes. Porém, a psicóloga lembra que os saltos de desenvolvimento, embora influenciem, não são os únicos responsáveis por essas alterações. “Sabemos que o ambiente familiar, a história do nascimento e até mesmo o humor do cuidador interferem no desenvolvimento infantil, principalmente o emocional.”
“Seu filho hoje aprendeu uma palavra
seus ossos dormem crescendo
em breve andará com firmeza
saberá a ciência
do chão
em breve a língua tomará
conta dele
vai emudecer o mundo
moldar seus pequenos dentes
em breve a língua será a mãe
mais do que você é a mãe” – Ana Martins Marques
Muitos pais ficam preocupados quando o filho demora a atingir determinado marco antes dessa faixa etária mínima, comenta a especialista, “porém, apenas se a aquisição da habilidade não for atingida até a idade limite esperada que considera-se que existe um atraso no desenvolvimento neuropsicomotor”.
Embora cada criança seja única, esses atrasos podem ser indicativos importantes. Por isso, a visita regular ao pediatra é essencial, desde os primeiros dias de vida. “Nas consultas, a avaliação dos marcos do desenvolvimento é analisada constantemente. Caso seja sinalizado o atraso, o pediatra irá comunicar e orientar a família. Quanto mais precoce for detectado, investigado e tratado o atraso, melhor será o prognóstico do paciente”, emenda Martinari.
Vale lembrar que a tabela de marcos do desenvolvimento infantil é diferente no caso dos prematuros. Nesse caso, nos primeiros dois anos de vida, os pediatras usam a chamada “idade corrigida”, que é a idade em que o bebê nasceu menos as semanas que ainda faltavam para 40 semanas de gestação, calculada segundo a fórmula: idade corrigida = idade cronológica – (40 semanas – idade gestacional ao nascimento). Essa correção é importante, pois bebês prematuros são mais novos do que aqueles que nascem a termo e, por isso, não vão conseguir alcançar os marcos ao mesmo tempo que os bebês que nasceram com 40 semanas completas.
Em meio aos choros, irritações, mudanças de apetite e sono, nem sempre é fácil acompanhar tanta informação e os cuidadores podem ficar um pouco perdidos com as mudanças. Quando a criança demora a atingir algum marco, é natural sentir ansiedade e medo de que algo esteja incomum. Mas, afinal, como estimular o desenvolvimento infantil, sem superestimular ou antecipar fases para as quais ela ainda não está preparada?
“Hoje, o diagnóstico e a medicalização vêm ao encontro de pais ansiosos e inseguros em busca de respostas em meio a uma sociedade do sucesso e da pseudoperfeição”, afirma Monteiro. “Em vez das crianças estarem brincando livremente para crescerem saudáveis, vemos supercrianças com agendas cheias de atividades, além de fórmulas e informações que atropelam o desenvolvimento infantil natural.”
Ser uma figura de confiança para o filho, estar presente para colocar limites e ser espelho de afetividade saudável, mas, ao mesmo tempo, deixar que ele aprenda, explore e passe com tranquilidade por cada fase pode ajudar a mudar o olhar sobre os marcos de desenvolvimento: não mais momentos estressantes e temerosos, mas memórias afetivas que valerá a pena lembrar.
A seguir, alguns marcos do desenvolvimento e a respectiva idade que devem ser adquiridos:
* Com orientação de Adriana Mandia Martinari, pediatra e neurologista infantil da Casa Curumim, dos Hospitais Sírio Libanês e Nove de Julho, e professora da Santa Casa de São Paulo.
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