Mais de mil crianças e adolescentes esperam por um órgão no país

Como começar a conversa sobre doação de órgãos no país onde 1.477 crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos aguardam por um transplante?

Eduarda Ramos Publicado em 28.08.2023
Uma menina de pele clara está em um leito de hospital. A imagem ilustra matéria sobre doação de órgãos e transplantes.
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Resumo

Mais de mil crianças e adolescentes esperam por um transplante no país. Mas elas não precisam apenas de um órgão. Especialistas sugerem caminhos para apoiar quem está na fila da cirurgia e seus acompanhantes, e reforçam a importância de conversar sobre doação de órgãos.

Anna é concebida com um único propósito: doar medula e estender o tempo de vida da irmã Kate, que tem leucemia. Aos 13 anos, Anna descobre que a irmã teve falência múltipla dos órgãos e pode morrer se não receber um rim seu. Ela então entra na justiça para lutar pelo direito ao próprio corpo. Esse é o enredo de “Uma prova de amor” (2009), adaptação para o cinema do livro “A guardiã da minha irmã”.

No Brasil, a doação de órgãos precisa ser autorizada pela família. Em 2022, quase metade das famílias (44%) se recusou a doar órgãos após a morte de algum parente, segundo levantamento da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).

De fato, não é uma decisão simples, principalmente se precisa ser tomada num momento de luto. Por isso, “é essencial acolher e respeitar o caminho que cada um decide trilhar, sem aceleração ou coação. Auxiliar no processo não significa convencer, pois é o desejo dos próprios pais que deve prevalecer”, diz a psicóloga e psicanalista Bruna Richter. Segundo ela, “isso pode ajudar a família enlutada não apenas a eleger a decisão que melhor faça sentido, mas também a processar seu próprio sofrimento”.

Além da delicadeza do luto recente, no momento em que se deparam com essa situação, familiares muitas vezes impedem a doação “por questões religiosas, processos burocráticos e de espera pela liberação do corpo, além de fantasias desencadeadas pelo processo do transplante”, afirmam Amanda Schiavo e Maiara Alves, psicólogas do Hospital Pequeno Príncipe.

“Apesar de ser uma conversa difícil, pelo momento que a família vive, é preciso falar em casa o que queremos que aconteça com o nosso corpo quando a gente morrer“, diz a enfermeira Natália Reis, especializada em oncologia e gestão hospitalar. “Entender a importância de se posicionar sobre o tema é considerar o quanto aquela pessoa que acabou falecendo pode fazer bem para outra família e salvar uma vida.”

Das 66.273 pessoas que aguardam por um transplante no Brasil, 1.477 são crianças e adolescentes de 0 a 17 anos. A maioria (62%) aguarda por córneas, enquanto 24,2% estão na espera por rins. As informações são do Ministério da Saúde, com dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT).

Quem autoriza a doação de órgãos no Brasil?

A Lei nº 9.434/1997 determina que a criança ou o adolescente que faleceu só pode ter seus órgãos doados mediante autorização de ambos os pais ou responsáveis. Já a doação de órgãos em vida feita por indivíduos considerados juridicamente incapazes só pode ocorrer em casos de transplante de medula óssea, quando há compatibilidade imunológica comprovada e não representa riscos à saúde. É necessário que haja consentimento de ambos os pais ou responsáveis legais e autorização judicial. Segundo o advogado especialista em direito de saúde Thayan Fernando Ferreira, a doação só pode ser realizada por um adolescente caso ele seja emancipado.

Cuidados para quem está na fila de transplantes

“Todo órgão de doador falecido com menos de 18 anos primeiro é ofertado a uma criança. Por isso, geralmente elas aguardam menos tempo na fila do que os adultos”, comenta Lilian Palma, nefrologista pediátrica e coordenadora do Programa de Transplante Renal do Centro Médico de Campinas (SP).

Fator sanguíneo, peso e estatura são os três fatores que determinam como e quem é elegível para um transplante. Por isso, “devido à diferença de peso e estatura nas diversas faixas etárias, pode ser que uma criança que entrou depois na fila receba o órgão primeiro”, explica Bruno Hideo Saiki Silva, responsável clínico pelo Serviço de Transplante Cardíaco e Miocardiopatias do Hospital Pequeno Príncipe.

No Brasil, 68 crianças e adolescentes aguardam por um transplante de coração – é o quarto órgão com mais demanda da população pediátrica. Nestes casos, “a prioridade na lista são as crianças com doença cardíaca grave que necessitem de ajuda para respirar”, diz Silva.

Além das questões médicas relacionadas diretamente às cirurgias de transplante, “quem aguarda pela doação de órgãos precisa ser amparado. A espera pode gerar emoções intensas e ambíguas, principalmente pela percepção de falta de controle e de previsibilidade“, diz Richter.

Na fila de espera por um transplante de rim, segundo órgão mais aguardado por crianças e adolescentes no país, não é só o paciente que recebe acompanhamento psicológico e nutricional enquanto aguarda pela cirurgia, afirma Palma. Familiares e acompanhantes também têm apoio psicológico e suporte de assistentes sociais para a acomodação e o deslocamento para as consultas.

Reis complementa que a melhor forma de acolher é a transparência de profissionais da saúde, tanto em relação ao estado do paciente, quanto à situação da fila de espera, por exemplo.

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