Crianças precisam participar da conversa sobre fake news

Expostas desde cedo às mídias, as crianças têm na literatura infantil uma aliada para se preparem para o consumo consciente e seguro de informações

Renata Rossi Publicado em 13.06.2022 Atualizado em 30.05.2023
Na imagem, uma menina branca olha para um espaço entre madeiras com uma lupa. A imagem possui intervenções de rabiscos coloridos e colagens de elementos variados.
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Resumo

O impacto das fake news não fica restrito aos adultos. Veja como a literatura infantil pode ser uma grande aliada para famílias e educadores na leitura reflexiva de informações com as crianças.

Infodemia é o termo criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para caracterizar o excesso de informações, nem sempre de qualidade, a que estamos sujeitos. Além da dificuldade em encontrar fontes e orientações confiáveis, nos últimos anos, as mentiras ou notícias falsas que circulam nas redes sociais impactaram a comunicação. As fake news interferiram nas eleições, prejudicando a democracia, e também colocaram a saúde em risco quando pessoas negaram a ciência, acreditando em tratamentos ineficazes contra a covid-19, por exemplo.

Uma pesquisa realizada pela plataforma Avaaz, em 2020, constatou que 7 a cada 10 brasileiros acreditam em pelo menos uma fake news sobre a covid-19 e que a chance de esse tipo de notícia ser compartilhada é 70% maior que as verdadeiras. Além disso, dados de um estudo de 2021 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstraram que 67% dos jovens brasileiros não sabem distinguir um fato de uma opinião, tornando-se alvos fáceis para a desinformação. Recentemente, a revista Scientific American publicou uma reportagem sobre a desinformação entre crianças em idade escolar, nos Estados Unidos, revelando que alguns estudantes negam a existência do holocausto e da pandemia do novo coronavírus.

As notícias falsas atingem até os nativos digitais – aqueles que nasceram e cresceram em meio às novas tecnologias digitais, a partir do início dos anos 2000. Embora tenham habilidades para navegar nas redes e façam amplo uso das tecnologias, crianças e adolescentes não têm desenvoltura suficiente para analisar de forma crítica o que consomem. Por isso, são o grupo mais vulnerável, ressalta Januária Cristina Alves, educomunicadora e coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (Editora Moderna).

“Nascer com o celular ou tablet na mão não quer dizer que estejam preparados para lidar com essa epidemia de notícias falsas. As crianças e jovens acabam ficando mais vulneráveis”

Diante do alcance das notícias falsas, é preciso inserir as crianças nestas conversas desde cedo, levando em consideração seu nível de compreensão, como destaca Daniela Machado, coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta: “Não precisamos usar termos como ‘desinformação’ ou ‘fontes adequadas de informação’, mas já estaremos construindo as bases para que esses temas sejam reconhecidos em outras situações no futuro”, defende.

Mas, afinal, o que é fake news?

Segundo o Guia da Educação Midiática, produzido pelo EducaMídia, o termo fake news tornou-se tão conhecido que passou a ser usado por muitas pessoas para descrever qualquer tipo de informação enganosa. Mas nem tudo é fake news. Entenda a diferença:

Desinformação: termo mais amplo que se refere a qualquer conteúdo falso, impreciso, tendencioso, distorcido ou fora do contexto, criado de forma intencional ou não. Pode ser resultado de um dado divulgado de forma incompleta e também ter origem no baixo letramento informacional, quando um leitor vê apenas o título e não a reportagem completa, que pode trazer abordagem mais ampla sobre o assunto.

Fake news: um tipo bem específico de desinformação que diz respeito a conteúdos propositalmente falsos, ou seja, que foram criados com a intenção de enganar. Além disso, muitas vezes imitam o visual e o estilo de veículos de comunicação sérios, tentando pegar carona na credibilidade.

Como falar de fake news com as crianças?

Crianças pequenas e em período de alfabetização têm mais dificuldade em lidar com conceitos abstratos, fundamentais para a leitura crítica. Nesta fase, tudo que se consome está no campo do concreto. Daí a importância de abordar ideias como autoria e propósito, por exemplo, de forma simples e em contextos que façam sentido.

O Guia de Educação Midiática sugere perguntas simples para direcionar aos pequenos e transformar as conversas em parte da rotina em família ou em tema a ser tratado em sala de aula. Será que o programa que a criança gosta foi criado apenas para divertir ou também tem a intenção de vender algo? Querer vender algo usando como incentivo um personagem é bom? Esses questionamentos são capazes de provocar uma leitura mais atenta das mensagens, aguçam a curiosidade e a atitude investigativa das crianças, e estimulam reflexões diante do mundo que as cerca:

  • Quem são esses personagens?
  • Quem criou isso e por que é assim?
  • Isso é ficção ou realidade?

Para um consumo mais consciente das mídias desde a infância, a literatura infantil pode ser uma grande aliada das famílias e dos educadores. Ler com as crianças, de forma que os livros inspirem conversas e contribuam para que as crianças vejam o mundo com olhos curiosos, é o primeiro passo para a formação de leitores críticos e que não acreditam de imediato nas informações que circulam por aí.

Enriquecer o repertório leitor das crianças e jovens contribui para que eles possam ler melhor o mundo, inclusive o que se passa nas redes sociais”, explica Januária, que pesquisa a aproximação entre a leitura literária e a leitura midiática. Para Daniela, a literatura infantil traz a base para formar leitores mais críticos e preparados, mas é importante oferecer conteúdos e formatos variados, de modo que eles possam praticar uma leitura mais reflexiva em qualquer meio, não apenas decodificando as letras, imagens ou sons, mas principalmente interpretando intenção, autoria e contexto. E afirma:

“É preciso dominar as ferramentas e as linguagens que nos permitem ter voz no mundo conectado”

Januária conta que já ouviu relatos de professores sobre questionamentos de crianças bem pequenas, aos 4 anos, sobre o que são fake news. Nesse momento, a literatura serve como ferramenta de aproximação a partir da qual as crianças podem traçar paralelos entre o mundo da imaginação e o real, ampliando sua percepção. O conto de fadas “João e Maria” e a fábula “O pastor e o lobo”, por exemplo, já foram utilizados para apresentar conceitos como mentira, verdade e os perigos do desconhecido, como navegar na internet de forma irrestrita na infância.

5 livros para falar de fake news com as crianças

O Lunetas selecionou cinco obras para diferentes perfis de leitor, que abordam temas relacionados à desinformação e às fake news. Para leitores iniciantes, uma narrativa cheia de humor que aproxima as crianças da informação e da ciência. Os leitores mais experientes podem se aventurar com uma turma que sempre está a postos para desvendar qualquer notícia falsa ou aprofundar o conhecimento sobre a informação e descobrir que fake news não é novidade – o que mudou foi o alcance e a velocidade com que se espalham atualmente.

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“Lola em: Urgente! Cão vacinado acorda com dois rabos”, Caroline Arcari e Eneida Frezatti (Editora Caqui)

Lola é uma cachorrinha que não tem muita paciência nem com os cães, nem com os humanos. Ela não aguenta mais as notícias falsas espalhadas por aí, como a de um cão que tomou vacina e acordou com dois rabos. Com uma boa dose de humor e ironia, Caroline Arcari traz para o cotidiano dos cachorros que frequentam as areias de Copacabana, no Rio de Janeiro, a realidade de muitas conversas atuais sobre fake news acerca das vacinas. Com prefácio do pediatra Daniel Becker e posfácio de Monica Calazans, enfermeira do SUS e primeira pessoa a ser vacinada contra a covid-19 no Brasil, o livro aproxima a informação e a ciência das crianças, de forma divertida. 

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“Esquadrão curioso – Caçadores de fake news”, Marcelo Duarte (Panda Books)

O autor da coleção “Guia dos curiosos” criou uma turma de amigos que se reúne na escola para desvendar notícias falsas. Assim nasce o “Esquadrão curioso”. A aventura mostra aos leitores formas de descobrir notícias falsas desvendando mistérios, desconfiando de coisas que parecem absurdas e percebendo os interesses de quem espalha a desinformação. O vilão desta história, o Fake Nilson, faz de tudo para barrar os planos investigativos da turma. Há também um podcast em que a turma de amigos entrevista diversos profissionais para entender como funciona o universo da mídia, a checagem de informações e como descobrir notícias falsas.

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“Como não ser enganado pelas fake news”, Flávia Aidar e Januária Cristina Alves (Editora Moderna)

Um livro informativo que traz um panorama do que é preciso entender até chegar às fake news. De explicar a diferença entre fato, informação e notícia a resgatar questões históricas relacionadas ao tema da desinformação, as autoras trazem conteúdos extras espalhados ao longo do livro, instigando os leitores a refletirem a partir de reportagens e entrevistas, como, por exemplo, percorrendo um dos caminhos para a alfabetização midiática. Em linguagem atrativa e diagramação descolada, a obra dialoga com as crianças mais velhas, contribuindo para a formação de leitores melhor preparados para o contexto atual.

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“Fake news: não se deixe enganar”, Simona Levi, Marc Planas e Kim Amate (Voo)

Hoje em dia, o que não falta é informação – que sorte ter tanta! Porém, às vezes, tanta informação pode nos confundir, principalmente porque pode haver fake news. Com linguagem simples e direta, o guia explica o que são fake news, como identificá-las e o que fazer para diminuir as chances de ser enganado – bom para quem quer um panorama geral do assunto e já tem experiência de leitura.

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“#FakeTôFora!” (Educamídia)

O e-book é voltado para educadores que desejam criar um coletivo de checagem de fatos com seus alunos. A ideia principal é analisar, de maneira cuidadosa, mensagens disponíveis em veículos de informação, redes sociais e aplicativos de mensagens, instruindo alunos sobre a importância do fact-checking, da análise de informação e de formar opinião a partir de fatos que tenham credibilidade. Inicialmente, está voltado para assuntos relacionados ao processo eleitoral, mas pode evoluir para outros temas, como saúde e meio ambiente.

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