Ideb: Famílias próximas à escola garantem uma melhor educação

Principal indicador de qualidade da educação brasileira registra que escolas públicas com melhor desempenho estão no Nordeste; famílias comentam parceria

Vanessa Fajardo Publicado em 19.08.2024
Imagem de capa para matéria sobre os resultados do Ideb 2023 mostra adolescentes sentados em carteiras de uma sala de aula
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Resumo

Segundo o Ideb 2023, principal indicador de qualidade da educação básica, os estudantes brasileiros estão reprovando menos, mas ainda não atingiram os patamares de aprendizagem anteriores à pandemia. Famílias e professores contam como reverter o atraso.

As 100 escolas públicas com melhor desempenho no país estão localizadas na região Nordeste. Das 21 instituições com nota 10 nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), 15 são cearenses. É o que diz o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2023, o principal indicador de qualidade da educação brasileira. O Lunetas mostra como a participação dos pais na vida escolar de crianças e adolescentes pode fazer a diferença.

O Ideb combina o fluxo escolar dos estudantes e o desempenho em português e matemática nas avaliações aplicadas pelo governo federal, o Saeb. Criado em 2007 e divulgado a cada dois anos, ele estabelece metas que visam melhorar a qualidade da educação básica. Os dados mais recentes foram divulgados na última quarta-feira (14), pelo Ministério da Educação (MEC).

Para Manoela Miranda, gerente de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, a participação ativa das famílias é fundamental tanto para o desenvolvimento educacional quanto para o acompanhamento da rotina. Porém, é necessário que as escolas estabeleçam canais de comunicação eficazes com suas comunidades, e isso depende do contexto e das particularidades de cada região. “Não existe um único modelo que funciona para todas as escolas, mas é importante que elas incentivem a participação em eventos culturais, reunião de conselhos de classe e no dia a dia dos alunos.”

Em Coruripe (AL), Valda Teodósio de Souza trabalha como coordenadora pedagógica em uma escola da rede municipal. Com um filho no 3º ano do ensino fundamental em outra unidade, ela conhece muito bem as vantagens dessa boa relação em ambos os papéis.

“A escola sem a família não funciona. Precisamos andar de mãos dadas para nossos filhos avançarem. Como mãe, estou sempre em contato com a professora para saber como posso apoiá-la em casa para melhorar em sala de aula”, conta. “Enquanto coordenadora pedagógica, vejo que as crianças se sentem mais seguras e capazes quando as famílias estão na escola. Isso porque sabem que, se errarem, terão apoio. Então, passam a ter mais confiança em si mesmas.”

Famílias tentam estar mais próximas da escola

A auxiliar de produção Ednalda Maria da Silva faz questão de acompanhar os estudos das duas filhas e se desdobra para participar dos eventos da escola. Elas estão no 9º ano do fundamental e no 3º ano do ensino médio, em uma unidade da rede estadual no Jardim Helena, na zona leste de São Paulo. Assim, a mãe acredita poder contribuir para que tenham um futuro melhor. “Tudo que envolve minhas filhas, estou presente. A diretora sempre esteve disponível para oferecer todo o tipo de ajuda e a escola está sempre com as portas abertas.”

Do mesmo modo, a líder comunitária Maria José Batista Gomes também participa da vida escolar dos filhos – um no 9º ano do fundamental e outro no ensino médio. Além disso, ela faz um trabalho de conscientização das famílias do Jardim Helena para que se aproximem das iniciativas da Escola Estadual Heckel Tavares. “Não dá para só ‘ouvir falar’ dos eventos e ações da escola. Estar presente, acompanhar, faz muita diferença.”

Já o advogado Túlio Tonheiro, de São Paulo, lembra que foi na pandemia que se aproximou da vida escolar da filha Giulia, que na época estava na educação infantil. “Foi cansativo, mas também muito interessante acompanhar o processo educacional da minha filha, com suas limitações, facilidades e interesses. Eu não tinha o preparo de como ensinar uma criança a ler e escrever, não é apenas decorar um símbolo. Mas isso facilitou inclusive minhas conversas com a escola no futuro”, diz. Giulia tem uma síndrome chamada de DiGeorge – que afeta o sistema imunológico e pode causar problemas cardíacos – e está no Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), um instituto que propõe qualificar o debate educacional no Brasil, reforça que uma das medidas mais eficazes para replicar as boas práticas encontradas no país é a troca e o compartilhamento de ideias com a comunidade escolar. “A gente sabe que monitoramento e acompanhamento pedagógico ajudam. Mas isso tem que ser construído de forma colaborativa. O que faz muita diferença é uma relação boa entre escola e secretaria, entre a gestão escolar e os professores”, diz.

Aprovação de estudantes cresce, mas aprendizagem não evolui

Os resultados do Ideb 2023 são o primeiro retrato em larga escala da educação depois da pandemia. Isso porque, na edição anterior, de 2021, as escolas estavam fechadas e menos alunos participaram. Mas, embora a taxa de aprovação dos estudantes brasileiros tenha aumentado em todas as etapas do ensino entre 2019 e 2023, a aprendizagem ainda não atingiu os patamares pré-pandemia.

O ensino fundamental, considerando os anos iniciais (1º ao 5º ano) de redes públicas e privadas, foi a única etapa do ensino que cumpriu a meta de 6 pontos no Ideb 2023, estipulada em 2021. Na medição anterior, estava em 5,8. Contudo, o indicador de aprendizagem da rede pública caiu de 6,02 para 5,91 (dentro de uma escala de 0 a 10).

Para recompor a aprendizagem, alguns estados, não necessariamente os que possuem as melhores condições socioeconômicas, investiram em políticas de recuperação, afirma Manoela Miranda. Os estados que mais evoluíram na aprendizagem foram Alagoas, Maranhão e Ceará.

Segundo ela, “é importante que os dados se traduzam em esforços e ações para a recomposição das aprendizagens e continuidade de políticas entre gestões”. Mas, “para haver uma educação de qualidade para todas as crianças, é preciso pensar nas desigualdades”.

Educadores dão exemplo de como melhorar o desempenho em sala de aula

A professora de matemática Willmara Marques Monteiro, da Escola Municipal Paulo Freire, em Petrolina (PE), identificou que alguns alunos estavam com dificuldade em evoluir na disciplina. Foi então que criou o “Hackers da caatinga”. O projeto possibilita que as crianças desenvolvam o pensamento computacional por meio de jogos que envolvem a história da região.

“O projeto surgiu da necessidade de recompor o aprendizado de matemática de forma mais envolvente e integrada com outras disciplinas”, conta. “No começo, muitos alunos ficaram receosos por acharem que seria um reforço tradicional”, lembra Willmara. “No entanto, a proposta foi criar algo lúdico e criativo. Agora, os alunos estão realmente imersos nessa produção, pensando coletivamente nas missões dos jogos e relacionando o aprendizado de matemática à construção de jogos com a temática da caatinga.”

Imagem mostra um laboratório de escola, um computador em uma mesa, alunos sentados ao redor e a professora orientando.
Em Petrolina (PE), a professora Willmara Marques criou o “Hackers da caatinga” para ajudar os alunos dos anos finais do ensino fundamental a aprender matemática.

Segundo ela, os estudantes não só recuperaram notas, mas também desenvolveram outras habilidades, como criatividade, capacidade de resolução de problemas, colaboração, oratória, senso de pertencimento e trabalho em grupo. “Hoje, eles falam e defendem suas ideias de uma forma bem bacana”, orgulha-se a professora.

Em Cuiabá (MT), a pedagoga Fabiane Passarini Marques Pizaneschi conta que, na escola onde seu filho cursa o ensino médio – uma unidade particular que segue a pedagogia Waldorf – os tutores fazem atendimentos individuais toda semana com as crianças e os adolescentes que têm mais dificuldade e acompanham o seu desenvolvimento. “Isso tornou mais tranquilo o processo de recompor a defasagem quando ele precisou de apoio com física”, diz.

Menos alunos reprovados

O Ideb 2023 mostrou que os alunos brasileiros estão sendo mais aprovados de um ano para outro, em todas as etapas de ensino. O resultado foi comemorado por especialistas em educação, já que representa um avanço ao “combate da repetência, mesmo que ainda os alunos não tenham o desempenho que queremos. Ou seja, poucos têm bom nível de aprendizagem”, explica Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Iede.

Portanto, segundo ele, ao mesmo tempo em que é necessário “correr atrás do prejuízo”, falta um compromisso com as crianças mais afetadas no período pandêmico. “Embora o cenário geral revele que o baque em relação à pandemia poderia ser até maior, a comparação de que o Ideb 2023 não retomou os patamares de 2019 não é justa. Isso porque os alunos tiveram dois anos de estudo muito diferentes uns dos outros. É preciso olhar para a geração que viveu a pandemia e, é claro, apoiá-la para que tenha uma aprendizagem relevante.”

Embora questões técnicas precisem ser revistas – e o indicador não considerar os índices de evasão escolar -, Ernesto afirma que o Ideb e o Saeb são um bom farol para mensurar a qualidade da educação. “Se o Ideb é baixo, não tem como defender que há um bom trabalho ali. Se é bom, as habilidades básicas em português e matemática estão sendo garantidas entre os alunos. Com isso, podemos seguir no fluxo que a gente espera.”

Do mesmo modo, Manoela Miranda, do Todos pela Educação, também considera positivo o aumento da taxa da aprovação, tendo em vista que o “Brasil tem uma forte cultura de reprovação que não colabora com o avanço das políticas educacionais”.

Mesmo assim, nenhuma das redes avançou na nota de desempenho nem voltou aos níveis pré-pandêmicos. “É algo crítico que, enquanto país, não tenhamos avançado”, diz. “É importante trazer este ponto de atenção.”

Recompor as aprendizagens desde as etapas iniciais

Nos anos finais (6º ao 9º ano) do ensino fundamental, o Ideb 2023 registrou 5,0 – um pequeno decréscimo em relação ao último, que foi 5,1. A meta era chegar a 5,5. Se considerada somente a nota da aprendizagem da rede pública, ela caiu de 5,21 para 5,10, enquanto a aprovação aumentou (de 0,89 para 0,93). Os maiores avanços na aprendizagem foram registrados no Amapá, Alagoas e Pará.

Já o ensino médio, considerado um dos gargalos da educação, mais uma vez apresentou as menores notas. Com meta de 5,2, o índice atingiu 4,3 – os dois indicadores anteriores, de 2021 e 2019, ficaram em 4,2. Atualmente, o indicador relacionado à rede particular nessa etapa também caiu (de 6,0 para 5,6).

Para Manoela, apesar de o ensino médio ter essa “dificuldade histórica” e ainda acarretar outros problemas como permanência, é preciso “olhar para o aluno que está ficando para trás ainda nos anos iniciais para que a defasagem não seja ainda maior ao longo da vida escolar”.

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