Crianças estão mais expostas a ofensas na internet

Embora os pais afirmem que os filhos utilizam a internet com segurança, o contato com ofensas e discriminação faz parte da rotina online de meninos e meninas

Célia Fernanda Lima Publicado em 06.12.2024
Imagem de capa para matéria sobre os riscos de crianças sofrerem ofensas na internet mostra um menino branco, usando um celular debaixo de um lençol
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Resumo

Apesar de 77% dos pais acreditarem na navegação segura dos filhos, crianças e adolescentes enfrentam ofensas e discriminação na internet, o que afeta a saúde mental. Diálogo, supervisão e cobrança por medidas mais rígidas são essenciais.

Cyberbullying, discriminação, discursos de ódio e ofensas na internet são riscos diretos que crianças e adolescentes enfrentam quando estão conectados. Seja nas redes sociais, em plataformas de vídeo ou mesmo em jogos, essas violências se propagam de forma online e causam consequências sérias à saúde mental de meninos e meninas.

“A exposição constante a mensagens negativas gera um sentimento de insegurança e tristeza. Então, isso pode causar problemas como ansiedade e depressão, porque eles ainda estão formando o senso de si. A informação que recebem acaba se tornando uma verdade para eles”, explica a neuropsicóloga Lilian Vendrame.

Dessa forma, o assunto fica ainda mais preocupante quando três a cada dez crianças e adolescentes que acessam a internet no Brasil afirmam que já passaram por alguma situação ofensiva. Além disso, 42% já viram alguém ser discriminado nas redes, conforme aponta a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, divulgada em outubro. Ao mesmo tempo, esses números destoam do entendimento de 77% dos responsáveis, que afirmaram que seus filhos utilizam a internet com segurança.

Nesse descompasso, a neuropsicóloga observa que é importante “os pais estarem conectados com os filhos para perceber como é o comportamento diário deles e quando esse comportamento muda”. Ela também ressalta que é preciso verificar o histórico de interação online da criança e incluir uma supervisão do conteúdo acessado. “Os responsáveis podem usar as ferramentas de segurança de controle parental e monitorar, discretamente, o que as crianças estão acessando, sem invadir a privacidade”, pontua.

O que as crianças acessam afeta diretamente a saúde mental

Saber o que os filhos acessam e como se relacionam nas redes sociais é essencial para protegê-lo de riscos diretos. Assim como estabelecer uma relação de confiança e diálogo, pois, segundo a Tic Kids, apenas 31% dos jovens de 11 a 17 anos afirmam que contaram aos pais ou responsáveis sobre as situações que os chatearam na internet e 13% não falaram para ninguém.

Para Lilian Vendrame, que também é autora do livro “Orientação construtiva: fortalecendo conexões entre mães e adolescentes” (Editora Legado), observar e escutar os filhos é fundamental. “O primeiro passo para dialogar sobre os riscos na internet é ser um bom ouvinte. Escutar e deixar eles falarem sem interromper, porque, se você já entra aconselhando, a criança se cala”, explica. “Portanto, escute primeiro e oriente depois”.

Esse movimento de observar e orientar é uma responsabilidade que afeta diretamente a saúde mental das crianças e adolescentes expostos às ofensas e discriminações. “Dentro dessas ofensas podem ter comentários sobre a aparência e sobre a personalidade deles. Então, isso altera a forma como se enxergam”, diz a neuropsicóloga. “As crianças pequenas se assustam porque elas têm dificuldades em separar um mundo real do virtual. Já os adolescentes podem ter sinais de isolamento social ao ficarem com medo de sair de casa e serem alvo de comentários. O risco disso é o desenvolvimento de pensamentos autodestrutivos”, alerta.

Responsáveis estão preocupados com o excesso de tela

O uso excessivo da internet pelas crianças preocupa 9 a cada 10 pais ou responsáveis. De acordo com um estudo do Instituto Alana, feito pelo Datafolha, 93% dos brasileiros acreditam que crianças e adolescentes estão viciados em redes sociais. Outros 92% dizem que os jovens têm dificuldade em se defender de conteúdos inadequados.

Da mesma forma, a maioria dos entrevistados afirma que as plataformas sociais deveriam adotar medidas “mais rigorosas”, como verificar a identidade dos usuários, limitar o tempo de uso e restringir anúncios voltados a crianças. Além disso, 86% concordam que os conteúdos mais acessados por crianças e adolescentes não são adequados para a idade.

Maria Mello, líder do Eixo Digital e coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, sugere que os responsáveis se informem sobre os riscos do uso desmedido de telas e redes sociais. “Do ponto de vista mais prático, os pais podem utilizar os mecanismos de mediação e de filtragem, que impedem certos conteúdos e bloqueiam a publicidade”, explica. Mas ela também ressalta que é preciso cobrar das plataformas e do Estado um posicionamento sobre a segurança das crianças e adolescentes na internet. Esse ponto também preocupa 84% dos adultos que afirmaram, na pesquisa, que as plataformas das redes sociais não apoiam as famílias adequadamente para acompanharem o que as crianças e os adolescentes consomem.

Austrália proíbe redes sociais para crianças e adolescentes 

No final de novembro, o Senado australiano aprovou o projeto de lei que prevê a proibição de redes sociais para crianças e adolescentes menores de 16 anos. O governo do país já concordou com a decisão. Por isso, esta é uma lei inédita no mundo.

Segundo o texto, plataformas como TikTok, Facebook, Snapchat, Reddit, X e Instagram receberão multas de até 50 milhões de dólares australianos se não impedirem que crianças menores de 16 anos tenham contas. A responsabilidade em fiscalizar e se adaptar à legislação do país será das próprias plataformas, que terão um ano para desenvolver recursos para cumprir a lei.

Outros olhares para as infâncias conectadas

A Tic Kids 2024 também revelou outros pontos sobre o uso da internet por crianças e adolescentes. Cada um levanta questões e reflexões, no sentido de entender o cenário das infâncias conectadas no país e o impacto dessa dinâmica. Dentre os desdobramentos da pesquisa mais noticiados, estão:

  • 2 milhões de crianças e adolescentes não acessam a internet

Embora 93% da população brasileira entre 9 e 17 anos utilize a internet, 2 milhões de crianças e adolescentes ainda não acessam a web ou porque não se conectaram nos últimos três meses ou porque nunca a acessaram.

  • 81% possuem celular

A pesquisa também distribuiu os dados de acordo com os indicadores socioeconômicos. Portanto, nas classes A e B, esse percentual é de 97%. Já na classe C, a posse de celular cobre 80% dessa população, enquanto nas classes D e E, o total é de 77%.

  • 83% têm contas em redes sociais

Adolescentes e crianças menores de 17 anos mantêm perfis no WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube. Na faixa etária dos 9 aos 10 anos, 60% afirmam ser ativos em pelo menos uma rede social. Porém, os termos das principais plataformas não aceitam usuários com menos de 13 anos.

  • 24% acessaram a internet pela primeira vez até os 6 anos

O estudo revelou a exposição precoce às telas mesmo com a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria de evitar mais de uma hora por dia antes dos cinco anos e nenhum contato antes dos dois.

  • 30% já tiveram contato com algum desconhecido na internet

Esse é um dos grandes fatores de risco de sofrerem alguma violência e assédio no ambiente virtual. De acordo com os próprios jovens entrevistados, o contato aconteceu porque “procuraram fazer novos amigos” ou porque “adicionaram pessoas que nunca conheceram pessoalmente à lista de contatos”. A interação se dá principalmente em redes sociais, mensagens instantâneas e sites de jogos.

Como auxiliar os pais nesse processo de vida conectada

A professora e pesquisadora da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV), Renata Tomaz, pontuou, em um artigo, dicas de como ajudar os pais que têm crianças hiperconectadas. Segundo ela, é preciso considerar três aspectos principais:

1- Compreender o mito do nativo digital

O fato das crianças crescerem em uma sociedade já conectada não significa que elas têm maturidade para lidar com esse ambiente. “Uma coisa é saber configurar o celular da avó. Outra é conseguir identificar se o convite que chegou é um golpe ou não”, diz a pesquisadora.

2- Atenção aos interlocutores na internet

Crianças e adolescentes passam a ter contato com muitas pessoas e empresas no ambiente digital. Por isso, é preciso observar essas interações, tanto para proteger de golpes e de casos de assédios, quanto para evitar a publicidade indevida e excessiva. “É preciso distinguir o fantasioso do enganoso. Uma coisa é explorar a imaginação. Outra é explorar a pouca experiência da criança. Adultos precisam ajudar os mais jovens a questionar o que veem e ouvem na internet”.

3- Respeitar a privacidade das crianças

Muitos pais não sabem até onde podem chegar as imagens de seus filhos postados em redes sociais. Além disso, Renata Tomaz explica que “não é possível garantir que os filhos vão gostar, no futuro, do modo como foram retratados nessas imagens”. Por isso, ela ressalta aos pais: “antes de publicar certifique-se de quem realmente vai ver e, se a criança puder entender, pergunte a ela se tudo bem compartilhar”.

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