Cordel apresenta cultura indígena para as crianças

Por meio das rimas, Auritha Tabajara transmite a cultura de seu povo e se torna a primeira escritora indígena a publicar cordéis no Brasil

Renata Rossi Publicado em 14.04.2025
Cordel indígena: imagem mostra ilustração colorida de criança indígena brincando.
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Resumo

Auritha Tabajara, primeira indígena a publicar cordéis no Brasil, utiliza os versos para transmitir a cultura do povo Tabajara, unindo histórias ancestrais e tradição.

A escritora indígena Auritha Tabajara se inspira em seus ancestrais para criar versos. Cercada de histórias contadas pelos mais velhos desde a infância, na aldeia em Ipueiras, cidade a 300 quilômetros de Fortaleza (CE), ela se tornou a primeira mulher indígena a publicar obras em cordel no Brasil.

Com três livros publicados, oito folhetos e vários textos em antologias no Brasil e no exterior – alguns dos quais traduzidos para inglês e alemão -, Auritha tem os pés no mundo, mas seu coração está conectado a sua tradição. Assim, em versos, busca contar às crianças sobre a cultura viva do povo Tabajara.

O maracá para todos
é um objeto sagrado.
Pois se alguém fica doente,
com seu som será curado.

O pajé, para quem não sabe,
é o médico da aldeia,
pra cuidar de todo mundo
e cantar na lua cheia.

Quando todos reunidos
se unem para festejar,
com alegria o toré
gostam muito de dançar.

A avó de Tuiupé
muitas coisas lhe ensinava,
pois os segredos das plantas
e das rezas dominava.

Na aldeia todos gostam
de ouvir muitas histórias
falando dos ancestrais
e das suas trajetórias.

(Versos de “Tuiupé e o maracá mágico”)

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“Tuiupé e o maracá mágico”, de Auritha Tabajara, Paola Tôrres e Tai (Companhia das Letrinhas, 2024)

Lançamento da Coleção Canoa, Tuiupé e o maracá mágico” é uma parceria com a cordelista Paôla Torres e a ilustradora paraense Tai. O cordel apresenta Tuiupé, uma menina indígena destemida que se vê envolvida em acontecimentos fantásticos ao escapar de uma grande chuva. No tempo em que os povos originários viviam tranquilos e livres para cultivar suas tradições.

Histórias ancestrais em cordel

“Não queria me tornar uma contadora de história, aconteceu naturalmente”, afirma Auritha.

Quando criança, ao pé de um cajueiro, ela leu seus primeiros versos para a avó, a parteira, benzedeira e contadora de histórias Francisca Gomes, hoje com 94 anos. E embora esperasse um retorno sobre o texto, ouviu apenas alguns conselhos que naquele momento não entendeu: “Lembre-se de quem você é, do significado do seu nome e nunca deixe ninguém cortar as pontas das asas secretas com as quais você nasceu”.

Então, ao dominar a língua do colonizador, passou a escrever, ainda criança, da forma como ouvia seu povo, na cadência da oralidade, um texto rimado. Sua primeira produção, “O Grão”, foi escrita na escola. Estava ali a semente para a cordelista que se tornou quando adulta.

Mas as palavras de sua avó não se perderam. “Quando cheguei aqui em São Paulo, foi isso que me manteve conectada à aldeia”, conta a escritora. Para ela, os conselhos da avó são como um chamado para que se mantenha perto de sua cultura, “contando as histórias que a minha avó conta, as histórias de tradição”.

Mal sabia Auritha que, anos mais tarde, os versos ao pé do cajueiro a levariam a publicar seu primeiro livro de cordel “Coração na aldeia, pés no mundo” (Uk’a Editorial). A obra recebeu o selo “Altamente Recomendado” pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e está na Biblioteca do Congresso, em Washington, disponível para pesquisas.

Seu nome de registro é o mesmo da avó, mas a escritora prefere assinar suas obras com o nome ancestral, que significa pedra de luz.

Peço aqui, Mãe Natureza,
Que me dê inspiração
Para versar essa história
Com tamanha emoção
Da princesa do Nordeste,
Nascida lá no sertão.

Quando se fala em princesa
É de reino encantado,
Nunca, jamais, do Nordeste
Ou do Ceará, o estado.
Mas mudar de opinião
Será bom aprendizado.

Num distante interior,
Tangido por vento norte,
Do balanço de uma rede
Ou como um sopro de sorte,
Nasceu uma indiazinha,
Chorando bem alto e forte.

(trecho de “Coração na aldeia, pés no mundo”)

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“Coração na aldeia, pés no mundo”, de Auritha Tabajara e Regina Drozina (Uk´a Editorial, 2018)

Seu primeiro livro, um texto autobiográfico, apresenta a jornada de uma mulher indígena nordestina e todos os seus atravessamentos, da sua relação com a cultura e tradição de seu povo à maternidade. Um texto potente que convida a refletir como são vistas as mulheres indígenas. Com xilogravuras de Regina Drozina e apresentação do cordelista e pesquisador Marco Haurélio.

Mulheres indígenas na literatura

“A literatura manifesta em mim uma dupla atuação: autoexpressão e resistência”, afirma Auritha.

Dessa forma, a cordelista apresenta o sentido da literatura no texto de abertura de seu primeiro livro, “Coração na aldeia, pés no mundo”. Por meio da escrita, ela busca desconstruir estereótipos atribuídos às mulheres indígenas, já que morar na cidade ou usar tecnologia não significa se esquecer de suas raízes.

“Quero tirar a falsa impressão de que quando estou com roupas e pinturas tradicionais estou fantasiada, posto que isso faz parte de minha identidade e não de uma performance”, escreve.

Para ela, é importante que as mulheres indígenas tomem a palavra, seja em cordel ou outros gêneros para contar as suas histórias. “Chega do outro dizer quem somos. Aprendemos a ler e escrever, então vamos contar a nossa história”, defendeu em entrevista.

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“A árvore do caju”, de Auritha Tabajara e Rodrigo Mafra (Ciranda Cultural, 2024) 

Você sabe por que os frutos do cajueiro nascem de cabeça para baixo? E por que o tronco é enrugado? O saber ancestral que atravessa gerações traz as respostas aos leitores, pelas habilidosas palavras de Auritha, com  ilustrações inventivas de Rodrigo Mafra.

Imagem mostra página de livro de cordel indígena
Trecho de “A árvore do caju”

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